Da Folha
Se, apesar da situação econômica melhor, o sentimento é pior, claro que se trata de algo induzido
Janio de Freitas
Com intervalo de quatro dias, dois dos
jornalistas que mais respeito pela integridade e aprecio pela
qualidade, Vinicius Torres Freire e Ricardo Melo, levam-me a ser mais
uma vez desagradável com o meu meio.
Na Folha de ontem, Ricardo Melo
relembra a presença de "representantes do mercado'" no Conselho de
Administração da Petrobras, quando comprada a refinaria de Pasadena, e
pergunta: "Pois bem: onde foram parar nessa história toda Fábio Barbosa,
Cláudio Haddad, Jorge Gerdau, expoentes do empresariado' brasileiro
que, com Dilma Rousseff e outros, aprovaram o negócio? Serão convocados a
depor, ou deixa pra lá?".
A pergunta não expõe apenas Aécio
Neves, Eduardo Campos, Aloysio Nunes Ferreira e seus subsidiários, que
se limitam a explorar, na "história toda" de Pasadena, o que lhes pode
dar proveito eleitoral. Os empresários citados não serão "deixados pra
lá". Já foram deixados. Pela imprensa. Nas práticas simultâneas de
repetir, dia a dia, no noticiário e em artigos, a aprovação do negócio
pelo "conselho presidido por Dilma Rousseff" e jamais mencionar os
outros conselheiros.
Se o negócio foi aprovado pelo
conselho, nos termos e condições expostos aos conselheiros, é óbvio que
não houve um votante só. Mas os outros não interessam. Nem é apenas por
serem empresários que mais conselheiros também estão dispensados de
menção na imprensa. É, só pode ser, porque a exclusividade adotada vem
do mesmo objetivo de Aécio Neves, Eduardo Campos e outros. Se a imprensa
o faz, ou não, para beneficiar esse ou aquele, pouco importa. Mais
significativa é a predominância da prática política.
Também na Folha, dia 24 último,
Vinicius Torres Freire observa: "O Datafolha registra um nível de
insegurança econômica inédito desde os piores dias de FHC, embora a
situação econômica e social seja muito melhor agora".
Algo provoca tal contradição. Não pode
ser a percepção espontânea e geral, porque a situação "muito melhor"
não lhe daria espaço. O que poderia ser, senão os meios de comunicação
desejosos de determinado efeito? Se, apesar da situação melhor, o
sentimento é pior, claro que se trata de sentimento induzido. Um
contrabando ideológico.
Terminaram depressa as rememorações do
golpe de 64. O corporativismo apagou a memória da função exercida pela
imprensa no preparo do golpe e no apoio à apropriação do poder, de todos
os poderes, pelos militares. Não há, nem de longe, semelhança entre
aquela imprensa e a atual. Mas o seu estrato mais profundo, econômico,
social e político, mudou menos do que a democracia pede. E conduz às
recaídas cíclicas dos meios de comunicação em práticas próprias de
partidos e movimentos políticos. Estamos entrando em mais uma dessas
fases.
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