Ao contrário do articulista, achamos da maior importância a próxima reunião da "Rodada de Doha", na qual os países periféricos do centro do capitalismo mundial, vão exigir a extinção ou pelo menos a redução do protecionismo e dos subsídios dados aos produtores agrícolas das nações mais ricas.
Abaixo o artigo de Martin Wolf, colunista do Financial Times.
Das duas crises que perturbam a economia mundial -o desarranjo financeiro e a alta dos preços dos alimentos- esta última é mais perturbadora. Em muitos países em desenvolvimento, a quarta parte mais pobre dos consumidores gasta próximo de três quartos de sua renda em alimentos. Inevitavelmente, os preços altos ameaçam agitação na melhor das hipóteses e fome em massa na pior.As recentes altas de preços se aplicam quase que exclusivamente a alimentos básicos e rações animais. Mas estes saltos fazem parte de uma variedade mais ampla de commodities cujos preços estão em alta. Forças poderosas estão ligando os preços da energia, matérias-primas industriais e alimentos. Estas forças incluem o rápido crescimento do mundo emergente, problemas na oferta mundial de energia, a desvalorização do dólar americano e pressões inflacionárias globais.Mas o elemento alimentar desta história possui uma relevância própria. Como o HSBC apontou em uma recente análise (”Food Fight”, 15 de abril), com a alta dos preços do arroz e do trigo, tumultos nas ruas das Filipinas, Egito e Haiti e a decisão da Índia, Vietnã, Camboja e China de restringir a exportação de arroz, o alimento repentinamente se tornou um assunto mais quente do que o normal.Então por que os preços dos alimentos subiram tão fortemente? Estes preços altos durarão? Que ação deve ser adotada em resposta?No lado da demanda, o forte aumento da renda per capita na China, Índia e outros países emergentes aumentou a demanda por comida, principalmente carne e as rações animais relacionadas. Esta mudança no uso das terras reduziu a oferta de cereais disponíveis para consumo humano.Além disso, o aumento da produção de biocombustíveis subsidiados, estimulada ainda mais pelo aumento dos preços do petróleo, aumenta a demanda por milho, óleo de canola e outros grãos e óleos comestíveis que poderiam ser voltados para a alimentação. O mais recente Panorama Econômico Mundial do Fundo Monetário Internacional comenta que “apesar dos biocombustíveis ainda representarem apenas 1,5% da oferta global de combustíveis líquidos, eles foram responsáveis por quase metade do aumento do consumo de grandes produtos agrícolas em 2006 e 2007, em grande parte devido ao etanol de milho produzido nos Estados Unidos”.Enquanto isso, a produção agregada de milho, arroz e soja estagnou em 2006 e 2007. Isto foi em parte resultado da seca. Mas também são importantes os preços mais altos do petróleo, já que a agricultura moderna é intensiva em energia. Com o fraco crescimento da oferta e fortes aumentos na demanda, os estoques de cereais caíram aos níveis mais baixos desde o início dos anos 80. O declínio dos estoques mina a crença amplamente compartilhada de que a especulação provocou a alta dos preços, já que os estoques estariam crescendo, não caindo, se os preços estivessem acima dos níveis de liquidação.Muito mais preocupante do que a especulação é o fraco crescimento a médio prazo da oferta. O rápido aumento da produtividade dos anos 70 e 80, na época da “revolução verde”, desacelerou. Dado o estresse na oferta de água, a perspectiva a longo prazo para a oferta parece ruim mesmo se o desvio da terra para produção de biocombustíveis não contribuísse para a pressão.Os preços permanecerão altos? Duas forças opostas estão em ação. A primeira é o mercado, que tenderá a reduzir os preços assim que a oferta aumentar e a demanda encolher. Mas também queremos evitar o segundo, pelo menos no caso dos pobres, já que a redução do consumo é mais um fracasso do que uma solução. A segunda força é a atual pressão intensa sobre o sistema alimentar mundial. Isto vale tanto para a demanda quanto para os custos da oferta. Os preços provavelmente permanecerão relativamente altos, segundo padrões históricos, a menos (ou até) que os preços da energia caiam.Isto nos leva à grande pergunta: o que deve ser feito? As respostas caem em três categorias amplas: humanitária; comércio e outras políticas de intervenção; e produtividade e produção a longo prazo.O ponto importante do primeiro é que os preços mais altos dos alimentos têm poderosos efeitos na distribuição: eles mais prejudicam aqueles que são mais pobres. Isto vale tanto para países quanto dentro deles. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, em Roma, listou recentemente 37 países em necessidade substancial de alimentos. Além disso, segundo o Banco Mundial, a alta dos preços dos alimentos ameaça deixar pelo menos mais 100 milhões de pessoas com fome.Aumentos na ajuda aos vulneráveis, seja na forma de alimentos ou dinheiro, são vitais. Mas igualmente importante é assegurar que o aumento na oferta chegue àqueles em maior dificuldade. As opções dependem da sofisticação do maquinário burocrático de um país. Mas eles incluem trabalho pago diretamente com alimento (que é uma boa forma de separar aqueles em melhor situação), uma oferta racionada de alimento barato para os pobres ou vouchers de dinheiro.Os mais necessitados serão os sem-terra, tanto rurais quanto urbanos, e as agricultores de subsistência.Agora vamos nos voltar para as políticas de intervenção. Proteção, subsídios e outras tolices distorcem a agricultura mais do que qualquer outro setor. Infelizmente, a oportunidade para eliminar a proteção contra as importações oferecida pelos preços mundiais excepcionalmente altos não está sendo aproveitada. Em vez disso, vários países estão impondo medidas contra a exportação, fragmentando ainda mais o mercado mundial, reduzindo incentivos para maior produtividade e penalizando os países pobres importadores líquidos. Enquanto isso, os países ricos estão encorajando, até mesmo forçando, seus agricultores a produzirem combustível em vez de alimento.A atual crise é uma oportunidade de ouro para eliminar esta abundância de intervenções danosas. O foco político na rodada de Doha em torno da redução dos níveis de protecionismo é altamente irrelevante. O foco deveria ser pela adoção de uma mentalidade de mercado pelo setor agrícola, amortecendo ao mesmo tempo o impacto dos altos preços para os pobres.Finalmente, recursos bem maiores precisam ser dedicados à expansão da oferta a longo prazo. O aumento dos gastos em pesquisa será essencial, especialmente em condições de cultivo em terra seca. A opção por alimentos geneticamente modificados nos países em desenvolvimento é tão inevitável quanto a dos países de alta renda pela energia nuclear. Igualmente importante será o uso eficiente da água, por meio do preço e investimento adicional. As pessoas se oporão a algumas destas políticas. Mas fome em massa não é uma opção tolerável.A crise dos alimentos e combustíveis de 2008 é um grito por nossa atenção. Ninguém sabe por quanto tempo estes choques durarão. Mas eles exigem rápidas mudanças de política por todo o mundo. Nós devemos optar entre uma maior fragmentação dos mercados mundiais ou pela integração, entre ajudar os pobres ou deixar que um número ainda maior deles passe fome e entre investir na melhoria da oferta ou permitir que a deficiência na área de alimentos aumente. As decisões certas são evidentes. A hora de tomá-las é agora
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