segunda-feira, 19 de maio de 2008

MEIO AMBIENTE - Para onde vai a política ambiental.

Artigo do jornalista Maurício Thuswohl, publicado originalmente no site Carta Maior.

Para onde vai a política ambiental do governo?

A declaração do presidente Lula garantindo a continuidade da política ambiental pode parecer tranquilizadora, mas não esclarece uma questão crucial: Qual política ambiental vai continuar? Qual é, afinal de contas, a política ambiental deste governo?
Maurício Thuswohl
“Obviamente que a política ambiental do governo federal não muda, porque a política não é política de ministro, a política é de Estado”. Feita aos jornalistas no dia seguinte ao pedido de demissão da ministra Marina Silva, a declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pode parecer tranqüilizadora, mas não esclarece uma questão crucial: Qual política ambiental vai continuar? Qual é, afinal de contas, a política ambiental deste governo?É aquela política construída ao longo dos cinco anos e meio em que Marina esteve à frente do MMA, e que inclui a realização de três conferências nacionais, a elaboração das leis de biossegurança e de gestão de florestas e a contribuição para que o Brasil assumisse um papel de vanguarda internacional nas discussões sobre o combate ao aquecimento global e a conservação da biodiversidade? Ou será aquela política que, bancada por ruralistas e empresários do setor de biotecnologia e presente em ministérios como o da Agricultura (MAPA) e o da Ciência e Tecnologia (MCT), vem ganhando força no último ano e meio e se traduziu na liberação precipitada do milho transgênico, e no projeto de lei, já aprovado pela Câmara, que reduz a área de reserva legal na Amazônia?Como se consolidará, após a saída de Marina, o perfil ambiental do governo Lula? Como continuará o processo de transversalidade entre os diversos setores do governo que a ex-ministra pregava já no dia de sua posse e que tanto se esforçou para implementar? O setor mais acentuadamente desenvolvimentista, que é tão forte no governo e trata as questões ambientais como secundárias e um entrave ao “progresso do país”, deixará sobreviver a agenda ambiental trabalhada pelo MMA nesses últimos anos?Essas e outras questões somente serão respondidas com o tempo, mas o certo é que a saída de Marina Silva do governo deixa a todos os que atuam na área ambiental apreensivos, como já demonstrou a repercussão internacional causada pela notícia de seu pedido de demissão. Como esperança de que os esforços positivos no ministério sejam mantidos, resta o fato de que o escolhido para substituir Marina, Carlos Minc, também é uma pessoa cuja trajetória política indica um verdadeiro comprometimento com as causas ambientais. Na falta de Marina, o ex-deputado, que ocupava a secretaria estadual do Ambiente no Rio de Janeiro, é de fato um dos nomes mais qualificados do país para ocupar o posto de ministro do Meio Ambiente.Em um ano e meio como secretário no Rio, Minc adotou um pragmatismo que lhe valeu muitas críticas de antigos aliados, mas sua gestão se notabilizou pela rapidez e eficiência na concessão de licenças ambientais para projetos de grande porte, como o Arco Rodoviário ou o Complexo Petroquímico de Itaboraí (Comperj), entre outros. O lado militante cultivado quando deputado também foi mantido, e o secretário participou de demolições de casas irregulares e da destruição de pistas de pousos clandestinas, entre outras ações de forte apelo midiático. O estilo pragmático de Minc agradou em cheio ao governador Sérgio Cabral Filho e foi alvo de inúmeros elogios públicos do presidente Lula.Biografias em jogo Primeira opção de Lula para substituir Marina, o ex-governador do Acre, Jorge Viana, recusou o convite alegando, entre outras coisas, que não poderia “mexer na política” desenvolvida pela amiga e aliada. Essa é uma informação inquietante. Será que o Planalto pretende dar uma nova postura ao MMA, transformando-o de “pedra no sapato” em mera linha auxiliar das políticas desenvolvidas em outros ministérios? Se a resposta for afirmativa, o que se espera de Carlos Minc é que tenha força para resistir às inúmeras pressões internas que sofrerá no governo. Que seja um ministro sólido para evitar que o surto desenvolvimentista trazido pela execução do PAC e pelo projeto de expansão da produção de etanol não rasgue uma das melhores legislações ambientais do planeta.Que a saída de Marina, lamentada por todo o movimento socioambientalista brasileiro, sirva ao menos para que o governo torne clara sua política ambiental. Não a que está no papel ou no florido terreno das boas intenções, mas a que se dá na prática das decisões governamentais. Pelo que se vê nos últimos tempos, a coisa anda feia. O MCT, por intermédio da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), deixa o Brasil de portas abertas para a produção e comercialização de transgênicos que estão sendo banidos da Europa (caso do milho bt desenvolvido pela Syngenta). A expansão da cana-de-açúcar para a produção de etanol empurra a pecuária para a Amazônia, e os ruralistas ainda tentam aprovar a lei que reduz a área de reserva legal na floresta e permite o plantio de espécies exóticas.No cenário internacional, a demissão de Marina coincidiu com o início do Quarto Encontro das Partes do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança (MOP-4) em Bonn (Alemanha), onde o governo brasileiro acaba de ser denunciado por organizações do Brasil e do exterior por descumprir a legislação internacional sobre biossegurança ao permitir plantios ilegais de transgênicos em seu território. No que se refere às mudanças climáticas, o Brasil, com a retomada do aumento no ritmo do desmatamento da Amazônia, também já ensaia passar de mocinho a vilão.Enfim, a idéia de que o governo Lula não dá a devida importância ao meio ambiente vem crescendo em todo o mundo, e o pedido de demissão de um ícone político internacional como Marina Silva só serviu para fortalecer tal percepção. Reverter essa expectativa é o pepino que agora repousa sobre o colo do experimentado Carlos Minc. Que o novo ministro tenha sucesso em fazer o governo trilhar o bom caminho. Que não caia na armadilha de negligenciar o meio ambiente para ceder às pressões de alguns setores que só pensam em seus próprios lucros. Mesmo derrotada dentro do governo, Marina fortaleceu sua biografia enquanto foi ministra e até mesmo na hora de sua demissão. Agora, é a biografia de Minc que está em jogo.
Maurício Thuswohl é jornalista.

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