sexta-feira, 20 de junho de 2008

ARTIGO - Aleida Guevara.

Aleida no 80º aniversário do Che.

Escrever algo a meu pai nos seus 80 anos de nascimento é difícil; não creio no além, porém reconheço que há vezes em que desejaria que esse além fosse um vem cá.

Gostaria de poder abraçá-lo, mimá-lo e discutir com ele todas as coisas que me golpeiam, tudo quanto continuo aprendendo. Porém, isso é impossível; fisicamente, faz muito tempo que não está entre nós.

Em uma ocasião, pensando em sua mãe, minha avó, papai escreveu algo muito interessante sobre a vida depois da morte. Ele dizia que se pode sobreviver nos filos; porém, não queria ser uma carga para nós, não nos pedia nada em especial, somente que fossemos dignos filhos do povo onde vivíamos. Reconheceu que quando falávamos de uma carga estávamos falando da vida mesmo depois da morte; referia-se à história, que é uma forma de vencer a morte.

E, aqui estou, sem temor de equivocar-me, falando da vida depois da morte, porque o Che, hoje, cumpre 80 anos de vida, e que vida! Sempre em polêmica, discutem até sua data de nascimento; uns se dedicam a descrever essa vida, alguns amigos, outros nem tanto; uns fiéis à verdade histórica, outros inventando qualquer coisa. Porém, ele continua chamando-nos à reflexão e sempre é um desafio. Esse argentino, nascido em Rosário, não se cansa nunca de dar exemplo e, como ser humano, é tão completo que não conseguimos igualá-lo; tentamos, porém, muitos ficamos somente falando e como falamos... Mas, infelizmente, pouco atuamos.

E, de que servem os discursos e até os monumentos, se não levamos á prática seus ideais e convicções...

Falar é fácil; criar monumento, nem tanto. Porém, se pode fazer, vocês o demonstraram quando reuniram peça por peça o que necessitavam e conseguiram. Porém, de que servem os monumentos quando não conhecemos a vida que preenche essa imagem e de que vale conhecê-la se não a interiorizamos, se não a levamos à prática cotidiana... É somente um começo, os primeiros passos; porém, necessitamos muito mais, muitíssimo mais.

Necessitamos unidade, palavra mágica que tanto mencionamos, porém apenas sentimos. Necessitamos educação, porque somente sabendo o que queremos e como podemos alcançá-lo é que deixaremos de ser manipulados, utilizados e poderemos ser realmente livres. Necessitamos informação; porém não amanhada pelos interesses dos poderosos; mas, a informação que chegue a todos e que seja fiel reflexo do que vivemos, para ter a capacidade de reagir ante o que nos rodeia. Necessitamos ação, ação revolucionária que nos permita modificar o que sabemos que não deve continuar acontecendo, para poder impedir que pessoas sem escrúpulos tirem o leite, tão necessário para as crianças que morrem de fome, para tantos homens e mulheres que o necessitam.

Apesar do que disse Adolfo Pérez Esquivel ontem à noite, eu não posso dizer-lhes tudo o que queria sobre esse tema (*) porque, todavia, não somos reconhecidos como filhos da grande pátria latino-americana; temos que ser prudentes nesse sentido; são problemas internos que devem ser resolvidos por vocês, mesmo que já nos sintamos parte desse povo e que seus problemas sejam também nossos. Porém, não posso calar minha consciência e como simples mulher cubana que sabe o que padecem nossos povos, como médica que esteve combatendo a desnutrição e a morte na Nicarágua e na Angola e como mãe, peço-lhes, por favor, que não permitam estas coisas, não permitam semelhante crime. Sejam coerentes; defendam o direito à vida dos que estão confusos, dos que não têm força, dos que não têm coragem para fazê-lo.

Como ontem Esquivel nos perguntou o que pensaria o Che sobre isso;hoje eu lhes pergunto: o que fariam vocês diante disso?

A vida é muito curta. Dizem que quando estamos aprendendo a viver, devemos começar a despedir-nos. Para alguns, ela é mais curta ainda, porque com gosto a entregamos pelo que acreditamos ou porque nos arrebatam a vida, porque, de alguma forma, damos pavor aos poderosos. Porém, enquanto tenhamos o privilégio de existir, façamo-lo com dignidade e valentia; vivamos de forma tal que no momento da despedida não sintamos dor pelos anos passados em vão; aproveitemos ao máximo o que temos, desfrutemos o privilégio de viver, sejamos alegres; porém, não podemos deixar de ser profundos.

Não há maior alegria do que saber que somos capazes de lutar pelo que cremos; não há maior alegria do que se sentir útil a outro ser humano.

O Che dizia que os verdadeiros revolucionários têm que ser românticos, porque somente amando podes entregar a vida por um ideal.

Companheiros, há muitos anos, nosso José Martí (**) fez um poema que intitulou "Yugo y Estrella" (Jugo e Estrela). Desde o século XIX este insigne americano nos mostrou dois caminhos na vida: aceitas o jugo e te convertes em boi, tens palha quente e gostosa e muita aveia, podes comer e garantir um teto se obedeces, se baixas a cabeça e aceitas ser ordenhado; ou podes abraçar a estrela, a estrela que ilumina e mata, dá tanta luz que muitos têm medo dela e te deixam sozinho, porém, como és capaz de criar, cresces.

Martí elegeu a estrela e o Che foi parte dela. É uma decisão pessoal: ser bois ou unir-se à estrela. Somente vocês podem decidir.

Hoje, quero agradecer-lhes todo o esforço que fizeram, muitos companheiros jovens, para comemorar o 80º aniversário de vida intensa.

Quero agradecer a solidariedade para com Cuba; o importante trabalho que desenvolvem nas Cátedras Che Guevara e por seu compromisso com as jovens gerações, o trabalho dos sindicatos, dos operários nessas atividades. Quero agradecer-lhes por terem permitido estarmos aqui com vocês. Quero agradecer-lhes por sua presença neste momento.

Antes de concluir, pensando em algo que escutei ontem -que os aniversários são celebrados com os amigos, com os filhos, com os irmãos, com os que se querem bem-, permitam-me dizer-lhes que hoje me acompanham alguns de meus tios, irmãos de papai. Está a tia Célia, que conheci quando era muito pequena e de quem eu já gostava mesmo antes de conhecê-la, porque minha mãe me contou que meu pai a queria muito e quando a conheci gostei muito mais dela porque senti que ela também queria muito ao meu pai. Está aqui conosco, mulher simples que poucos identificam como a irmã do Che, porque nunca usou seu nome como cartão de apresentação, apesar de que tem feito qualquer coisa para defender a vida de outro irmão que, quando estava preso não tinha acesso a cuidados médicos de urgência, meu tio Juan Martín, o irmão menor de papai que não chegou a converter-se em homem e lutar por seus próprios ideais.

Estão aqui meus irmãos, 2 homens, advogados, cubanos internacionalistas e minha irmã, que nasceu quando meu pai cumpriu 35 anos e se converteu no melhor presente que, com certeza, recebeu. Também se chama Célia, como a avó e a tia; é médica veterinária, especializada em mamíferos; hoje faz aniversário. Felicidades irmãzinha.

Também está aqui conosco minha mãe que o amou tanto e nos mostrou o melhor de nosso pai.

E estão aqui junto a nós meus outros cinco irmãos, prisioneiros injustamente nas prisões dos Estados Unidos de Norte América (***), por lutar conta o terrorismo no próprio território nacional do império, homens dignos de nosso povo que, apesar das distâncias, estão aqui celebrando porque não há barreiras para a dignidade, para o valor e para a ternura e estes homens, em seu conjunto, são a melhor mostra da força de nosso povo.

Estão também, a pesar da distância, Fidel, Raúl, Pombo, Ramiro e tantos amigos e companheiros que não esquecem e que o têm presente.

Ante todos eles renovo meu compromisso de lutar junto a vocês, de lutar junto a meu querido e aguerrido povo, junto ao grande povo latino-americano, junto às mulheres e homens honestos do mundo, por esse mundo melhor que todos necessitamos até as últimas conseqüências, até a Vitória Sempre!


(*) Refere-se à situação atual da Argentina.
(**) José Julián Martí Pérez (Havana, 28/01/1853 - Dos Ríos, 19/05/1895) foi um político, pensador, jornalista, filósofo, poeta cubano, fundador do Partido Revolucionário Cubano (PRC). Seu pensamento transcendeu as fronteiras de Cuba para adquirir um caráter universal.
(***) Refere-se aos cinco cubanos que desde 1998 estão presos nas cárceres estadunidenses, acusados de espionagem e atos terroristas.

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