domingo, 15 de junho de 2008

ARTIGO - O impacto de 1968.

AUTOR: Noam CHOMSKY.

Mil novecentos e sessenta e oito foi um momento emocionante dentro de um movimento muito mais extenso. Por sua vez, o 68 engendrou em si mesmo um amplo espectro de movimentos. Sem o 68 não existiria, por exemplo, um movimento de solidariedade internacional globalizado. Foi enorme em termos de direitos humanos, direitos étnicos e, além disso, como precursor da consciência sobre o meio ambiente. Os “papéis do Pentágono” (as 7.000 páginas do relatório secreto do governo dos Estados Unidos sobre a guerra do Vietnã) são uma prova disso: pouco antes da ofensiva do Tet, o mundo dos negócios voltou-se contra a guerra porque pensava que era demasiado cara e que o governo tinha o propósito – isto o sabemos agora – de enviar mais soldados para a guerra, embora Lyndon B. Johnson declarasse que não enviaria mais tropas ao Vietnã. Os papéis do Pentágono nos dizem que, por medo ao crescente mal-estar dos cidadãos, o governo foi obrigado a colocar fim à guerra. Ademais, não estava seguro de que pudesse dispor de tropas suficientes para enviar ao Vietnã e, ao mesmo tempo, reprimir os distúrbios no front doméstico. Uma das reações mais interessantes entre as que surgiram em 1968 foi a primeira comunicação da Comissão Trilateral [organização criada por Rockefeller, composta de empresários, banqueiros, altos postos das administrações políticas, ideólogos e teóricos da nova direita, e dirigentes sindicais de marcado matiz anticomunista, N.deT.], que pensava em “uma crise da democracia” devido à excessiva participação das massas. No final dos anos 60, acreditava-se que as massas deviam ser passivas, não se escutavam suas vozes e não podiam entrar na cena pública. Quando o fizeram, o fato foi qualificado de “excesso de democracia”, e muitos temeram que essas manifestações exercessem demasiada pressão sobre o sistema. O único grupo que nunca expressou enfaticamente suas opiniões foi o das corporações, porque este era o grupo cujo envolvimento na política era aceitável. A Comissão fez um apelo à moderação na democracia e ao retorno à passividade, e assinalou que “as instituições encarregadas do doutrinamento”, como as escolas e as igrejas, não estavam fazendo bem seu trabalho e deviam realizá-lo de forma mais agressiva. A ala mais reacionária foi mais violenta frente aos acontecimentos de 68. Naquele momento, trataram de reprimir a democracia e em parte o conseguiram, embora não realmente, já que o movimento social de ativistas cresceu. Em 1968, por exemplo, era inimaginável que se chegaria a criar um grupo de solidariedade internacional em 1980. A democracia, porém, é atualmente ainda mais forte do que em 1968. É preciso recordar que no princípio da guerra do Vietnã não houve oposição. A oposição se desenvolveu, mas só seis anos depois, quando John F. Kennedy atacou o Vietnã do Sul e o número de vítimas cresceu. Em troca, na guerra do Iraque, a oposição esteve presente desde o início, inclusive antes de que se iniciasse o primeiro ataque. A guerra do Iraque é o primeiro conflito da história ocidental em que ocorreram massivas manifestações contra uma guerra imperialista mesmo antes do seu começo. Também há outras diferenças. Em 1968, só se discutia a saída do Vietnã de forma marginal. Atualmente todos os candidatos à presidência se referem à retirada do Iraque como uma alternativa política real. Na atualidade existe também uma maior recusa à opressão do que havia então. Os EUA costumavam promover ou apoiar rotineiramente os golpes de estado na América Latina. Mas na última vez em que os EUA apoiaram um golpe de Estado, em 2002, na Venezuela, tiveram que dar marcha à ré rapidamente devido à forte oposição pública. Simplesmente não podem mais fazer as coisas que faziam antes. Por isso, penso que o impacto de 68 foi duradouro e, sobretudo, positivo.
Fonte: Blog Abaixo e à Esquerda.

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