terça-feira, 10 de junho de 2008

POLÍTICA - Brizola e a poética do desengano

Há quatro anos, nesse mesmo mês de junho, a política brasileira perdia uma de suas maiores figuras. A maior homenagem que se pode prestar à memória de Brizola é lutar com todas as forças contra os que só têm como objetivo impor o eterno retorno como sina da história brasileira.
Gilson Caroni Filho
Há quatro anos, nesse mesmo mês de junho, a política brasileira perdia uma de suas maiores figuras. O presidente nacional do PDT e ex-governador do Rio Grande do Sul e Rio de Janeiro morria, aos 82 anos, de complicações cardíacas decorrentes de uma infecção pulmonar. O corpo foi velado no Palácio Piratini, sede do governo gaúcho, e de lá transportado para São Borja, interior do Estado,onde foi sepultado. Terminava uma história de luta, mas reconhecer sua importância é obrigação de todos os que atuam no campo democrático-popular.O cemitério Jardim da Paz, em São Borja, deve ser visitado com a reverência que se dedica a solos sagrados que abrigam combatentes. Nele, entre tantos de saudável memória, estão três lideranças e um verso. Três figuras emblemáticas de uma inflexão abortada. Uma história que, sempre que ousou ser promissora, foi assassinada pelas elites. Entre lápides e jazigos, crepita estridente a desde sempre protelada alforria de um povo. Ali, onde estão enterrados Getúlio, Jango e Maria Tereza, Brizola e Neusa, não há finitude. No aparente silêncio dos mortos, uma história grita para ser parida. Onde se imagina ponto final, o devir se insinua como lembrança e proposta de ação. Não pede preces, exige práxis. Talvez, em poucos lugares, a morte se mostre tão provisória. Definitiva é a vida e permanentes os projetos que ela sempre conterá. Epifania libertária que vez por outra muda a geografia das ruas com um mar de gente e bandeiras. Uma institucionalidade contida nos marcos de uma formação patrimonialista, que por muitos anos, fez do conceito de cidadania uma peça exótica a ser mencionada em situações solenes. Mas, no dia-a-dia da recorrente exclusão de direitos elementares, a inserção do elemento popular sempre foi algo a ser contido por conspiratas, golpes e transições por alto. Estado de direito, nesse cenário, era licença ficcional. Getúlio foi deposto pelas velhas oligarquias que, em seu segundo mandato, o levariam ao suicídio. As mesmas que hoje se insurgem contra o governo Lula e as possibilidades de um país menos desigual, mais justo.O velho caudilho, com seu projeto de inclusão do elemento popular no jogo político, aterrorizou as forças do atraso. A afirmação da soberania nacional ameaçou a constelação de interesses que ia do latifúndio à burguesia associada ao capital externo. Um estampido seco adiou por dez anos o golpe tramado por uma classe dominante desprovida de projeto nacional. Jango e as propaladas reformas de base voltariam a mobilizar os setores mais progressistas do país. Nunca o sentimento republicano havia se mostrado tão visceral. A resposta foi imediata. O golpe militar declarou vago o cargo com o presidente ainda em solo brasileiro. Exilado no Uruguai, sua morte até hoje provoca controvérsias. Sobreveio um regime que, por vinte anos, matou e torturou em nome dos interesses do grande capital. Vivíamos o momento mais grave da história brasileira. O aprofundamento das desigualdades e a demonização dos movimentos sociais mais organizados tornaram a democracia um sonho distante entre nós. O pacto intra-elites represava demandas seculares e consolidava , no imaginário popular, a política como vocação exclusiva de um bloco de poder predador de riquezas e direitos. Brizola teve trajetória pródiga. Divergências ideológicas à parte, não há como negar que a história política brasileira se confunde com a de um homem que escreveu a história dos dois Estados mais politizados do país: Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Da Cadeia da Legalidade ao retorno do exílio, culminando com frustradas tentativas de chegar à presidência, nunca calou divergências para evitar confrontos. Um dos poucos político a enfrentar de fato o jogo pesado da grande imprensa, o maragato foi um exemplo ilustre de pragmatismo apaixonado. Morreu no ocaso do seu brilho político com uma legenda esvaziada. Hoje, a 640 quilômetros de Porto Alegre, o cemitério Jardim da Paz guarda três túmulos de uma mesma história. Que pode ser contada tal como no verso de Manuel Bandeira: como sendo "a vida inteira que podia ter sido e que não foi". Triste república que pode ser resumida a uma poética do desengano. Até quando? Será preciso lembrar três tragédias para não esquecer como ela são tecidas. Os atores do atraso são os mesmos. Enganam-se os que pensam que a UDN e as vivandeiras fazem parte do passado, como peças de um museu dos horrores. Atualmente, com novas vestes, cerram fileiras na grande imprensa, no PSDB e no DEM. A maior homenagem que se pode prestar à memória de Brizola é lutar com todas as forças contra os que só têm como objetivo impor o eterno retorno como sina da história brasileira. Até quando?
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, e colaborador do Observatório da Imprensa.
Fonte: Agência Carta Maior.

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