Por Ubervalter Coimbra
Com 30 anos de idade, forte, sofisticado, elegante, charmoso, o empresário norueguês Erling Sven Lorentzen tinha uma idéia na cabeça: como Daniel Dravot (Sean Connery), ele queria ser rei.
Casado com a princesa Ragnhild, irmã do rei Harald V, tinha passaporte diplomático.
Em "O homem que queria ser rei" (filme produzido em 1975), Daniel Dravot e Peachy Carnahan (Michael Caine) são dois ex-soldados na Índia quando esta estava sob o poder dos ingleses. Vivem fazendo trapaças, viajando e aplicando golpes e fazendo pequenos contrabandos. Aventureiros, resolvem ir para o Kafiristão onde Daniel Dravot realiza seu sonho: vira rei.
Erling Sven Lorentzen escolheu o Brasil. Chegou há 55 anos, quando o País vivia mergulhado em plena ditadura militar. Seu passaporte diplomático e seus aliados lhe abriram todas as portas. No palácio do Planalto se reportava ao ditador de plantão.
O norueguês sempre conheceu estratégia e sabia escolher seus aliados: era ligado a pessoas influentes, muitas das quais se tornaram ministros. Um deles, Antonio Dias Leite, foi ministro das Minas e Energia, entre 1969 e 1973, e teve sucesso no governo do general Costa e Silva. Embora no governo esquerdista de Jango tivesse importante cargo na Vale, então uma gigantesca empresa estatal.
Lorentzen sabia que uma espécie anã na Austrália, onde era nativa, virava uma árvore gigante no Brasil. Sabia que no Espírito Santo a água era abundante, o solo rico. Que aqui o sol brilha o ano inteiro. Estas condições permitiam que o eucalipto, a espécie exótica no Brasil, crescesse como em nenhum outro lugar do planeta.
Sabia da possibilidade de transformar o eucalipto em celulose. Esta, matéria-prima principalmente do papel higiênico, de tão amplo e conhecido consumo no mundo inteiro.
Lorentzen sabia que no Brasil não precisava ter nenhuma preocupação com os impactos ambientais que a produção da celulose causaria, entre estes a liberação de dioxinas, uma substância altamente cancerígena.
Seus aliados em Brasília haviam destacado para o comando do Espírito Santo, no grau de governadores biônicos - nomeados por eles, e não eleitos pelo voto do povo - pessoas como o advogado Cristiano Dias Lopes e o engenheiro Arthur Carlos Gerhardt Santos.
Arthur Carlos Gerhardt Santos foi o principal aliado de Lorentzen no Espírito Santo. Foi ele quem começou a preparar o terreno para o domínio da empresa que viria a ser constituída em abril de 1972, a Aracruz Celulose.
Arthur Carlos Gerhardt Santos à frente do Banco de Desenvolvimento do Estado, atual Bandes, no governo Christiano Dias Lopes Filho (final dos anos 60), foi quem fez toda a trama para entregar grande parte do território capixaba à Aracruz Celulose. A preço praticamente simbólico, as terras foram vendidas a 10 décimos de centavos o metro quadrado (a moeda, da época, era ainda o cruzeiro).
E de quem eram as terras compradas pela Aracruz Celulose com a armação dos governos do Espírito Santo e dinheiro do governo federal?
As terras indígenas que lhes restaram nas últimas décadas totalizavam cerca de 40 mil hectares. Quando a Aracruz Celulose tomou posse da terra dos índios, o seu território não estava mais inteiro. Os índios já dividiam parte dele com posseiros, que chegaram nos anos 40, e que se aproveitaram do sistema deles de rodízio de plantio agrícola para se instalar em pequenas glebas, dedicando-se ao fabrico do carvão vegetal para a Companhia Ferro e Aço (hoje Belgo, da transnacional ArcelorMittal).
O Sindicato do Crime em cena
Arthur Carlos Gerhardt Santos, sob o falso pretexto de que não existiam mais índios na região, fez o governo (Cristiano Dias Lopes) transferir as terras dos Tupinikins para a empresa, pelo valor simbólico de 10 décimos de centavos o metro quadrado.
A tomada das terras indígenas não foi gratuita. Nesta época, Arthur Carlos Gerhardt Santos - cujo grau de cumplicidade com a Aracruz Celulose era de tal monta, que foi ser seu presidente logo após deixar o governo do Estado - já era governador.
Lorentzen sabia que era estratégico, da parte da Aracruz Celulose, tirar primeiro os posseiros do território indígena. Através do seu chefe de segurança, coronel PM Argeu Furtado, trouxe para a área o major Orlando Cavalcante com o seu grupo de militares. Por essa ocasião, o major já era um dos oficiais mais temidos da Polícia Militar e acostumado a lidar com posseiros no interior do Estado em favor dos grandes proprietários. Agia como integrante de uma entidade criminosa conhecida como Sindicato do Crime.
Prendendo, torturando, espancando, ele não só retirou todos os posseiros de suas posses como também extraiu, com a cumplicidade dos cartórios, toda a documentação necessária para legalizar a transferência das terras para a Aracruz sem alusão a terrenos indígenas. Uma artimanha utilizada que transformou esses posseiros em donos das terras Tupinikins. Os índios então se dispersaram. Os que ficaram se concentraram em apenas quatro aldeias (existiam 32 na região).
A Aracruz Celulose de Lorentzen, para preparar o terreno para plantios de imensos eucaliptais, a matéria-prima por excelência da celulose e que fica pronta para produção em sete anos (na Europa são décadas), foram destruídos pelo menos 50 mil hectares de mata atlântica primária ou em avançado estágio de regeneração, com tudo o que estivesse no local, por correntões puxados por dois tratores.
Devastação em fotos
Fotos, entre as quais da Força Aérea Brasileira (FAB) feitas antes e depois da implantação da empresa, provam a devastação da mata nativa. A destruição de toda a biodiversidade na área é de fácil verificação em solo.
Só em 2008 os índios conseguiram recuperar 18.027 hectares do que foi tomado.
Com sua idéia na cabeça, Lorentzen também sabia que precisava de muita terra para abastecer suas futuras fábricas. Havia quilombolas no norte do Estado e todo o seu território para conquistar.
Na sua estratégia para afastar os quilombolas de seus territórios, mais uma vez a empresa de Lorentzen emprega mão-de-obra bandida: usou como seu principal testa-de-ferro o tenente Merçon, do Exército. No máximo, o militar consentia em pagar valores irrisórios aos que resistiam.
Os negros então foram forçados a abandonar cerca de 50 mil hectares, principalmente no norte do Estado, no antigo território de Sapê do Norte, formado pelos municípios de Conceição da Barra e São Mateus.
As pesquisas realizadas pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) apontam que os negros foram forçados a abandonar suas terras: em Sapê do Norte existiam centenas de comunidades na década de 70, e hoje restam 37. Ainda na década de 70, pelo menos 12 mil famílias de quilombolas habitavam o norte do Estado: atualmente resistem, entre os eucaliptais, canaviais e pastos, cerca de 1,2 mil famílias.
Nos seus territórios foram plantados eucaliptos, com emprego de gigantescas quantidades de agrotóxicos, que formam um mar de venenos agrícolas na região. Os poucos quilombolas que resistiram em minúsculas áreas em meio aos eucaliptais - que desertificam o solo, acabando com a água - são contaminados pelos agrotóxicos. Muitos morreram!
Quatro décadas depois, os quilombolas ainda lutam para retomar o seu território de Lorentzen.
Mutilados e abandonados
Dos trabalhadores da Aracruz Celulose, centenas, senão milhares, ficaram mutilados e foram abandonados pela empresa.
A Aracruz Celulose de Lorentzen, ainda com favores da ditadura militar e de seus agentes no Espírito Santo, também ocupou e explora terras devolutas, cuja destinação por lei tem de ser para a reforma agrária, como as da fazenda Agril.
Lorentzen tinha como meta construir uma gigantesca fábrica, e sabia onde obter o dinheiro. Durante a ditadura militar, em situação desfavorável para a celulose no mercado internacional, o governo brasileiro assumiu a construção das fábricas no Espírito Santo. Depois, com o mercado internacional reaquecido, praticamente doou a maioria das ações ao setor privado.
Hoje a Aracruz Celulose é do grupo Lorentzen (28%), Safra (28%) e Votorantim (28%) e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES (12,5%).
Da mesma maneira que ganhou as fábricas, também recebeu um porto, o Portocel, em Aracruz, para movimentar suas cargas.
Lorentzen sabe que é vantajoso continuar com a parceria do governo federal. Na composição acionaria da empresa, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem 12,5% das participações. De todos os governos federais o norueguês recebeu e recebe favores. Foi assim também na construção da Veracel.
A produção das usinas da Aracruz Celulose no País já superam 3 milhões de toneladas anuais de celulose branqueada de fibra curta de eucalipto. Além das unidades de Barra do Riacho, em Aracruz, tem fábricas em Guaíba, no Rio Grande do Sul, e a Veracel, na Bahia. E vai construir três outras em Minas Gerais. A empresa vai aumentar sua produção para sete milhões de toneladas anuais de celulose, pois o mercado continua ávido.
Generosidade com políticos
Lorentzen sabe que é preciso ser generoso com os políticos. Ajuda a praticamente todos, como o governador Paulo Hartung, no Espírito Santo, senadores, deputados federais e estaduais, vereadores, prefeitos. Até as campanha dos presidentes da República recebem recursos da empresa.
Sua idéia na cabeça é fixa. Vai crescendo o seu poder. Seus bajuladores parecem formar um exército incontável. Ainda com o sotaque norueguês, Lorentzen subiu à tribuna da Assembléia Legislativa capixaba para agradecer os elogios: "Tenho muita satisfação de trabalhar ao longo desses 40 anos com brasileiros tão dedicados", afirmou.
Na rasgação de seda haviam se esbaldado muitos dos deputados. Foi lembrado que da época da fundação da empresa, o então presidente Ernesto Beckmann Geisel - quarto presidente do regime militar no Brasil, se referiu a Lorentzen como um "norueguês maluco" por sua idéia de criar um mundo de celulose.
Os bajuladores se superaram. Um deles, emocionado, diz: "Na época todos duvidavam desses novos e inusitados investimentos em eucalipto. Pois bem, senhor Lorentzen, o Espírito Santo e o Brasil agradecem por ter sido maluco a ponto de ajudar a fundar uma empresa mundialmente importante".
Haakon: filho e sucessor de Lorentzen
Na efetivação de sua idéia, a empresa de Lorentzen construiu um imenso latifúndio. Admitiu ter 211,2 mil hectares plantados com eucalipto em 2007. No total, a empresa tinha no Brasil no ano passado 456 mil hectares. Em 2006, segundo suas informações, a empresa tinha 279 mil hectares de plantios renováveis de eucalipto, e outros 154 mil hectares, totalizando naquele ano 433 mil hectares.
Lorentzen conseguiu, com sua idéia na cabeça, tornar a Aracruz líder mundial na produção de celulose branqueada de eucalipto: a empresa responde por cerca de 30% da oferta global do produto, 57% da celulose vendida destinada à produção de papéis sanitários. Da demanda de 2005, a Europa comprou 43,3% do total e a América do Norte, 35,1%.
A idéia original de Lorentzen o levou a criar um grupo, a Aracruz como holding: Companhia de Navegação Norsul e Ideiasnet. Seu filho Haakon o representa agora nos negócios desde que se aposentou. Lorentzen tem hoje 85 anos, dos quais 55 no Brasil. Todo ano desfruta suas férias na Noruega velejando no seu barco Saga. Ainda é um norueguês autêntico.
Lorentzem tem tem 50% da Arapar. A outra parte pertence a um pool de investidores financeiros liderado pelas famílias Moreira Salles e Almeida Braga.
No último dia 6, o Grupo Votorantim, integrante do bloco de controle da Aracruz Celulose S.A., ofereceu R$ 2,71 bilhões (1,004 bilhão de euros ou 1,67 bilhão de dólares, cotação em 15 de agosto de 2008), correspondentes a 127.506.457 ações ordinárias do grupo Arapar.
Erling Sven Lorentzen, o homem que virou rei, aceitou
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