Por Henrrique Cortez.
Há quem estranhe as, aparentemente, desencontradas declarações dos ministros Mangabeira e Stephanes, em relação às políticas ambientais do governo Luiz Inácio da Silva. Mas o desencontro não existe, porque apenas refletem o que o governo realmente pensa e deseja.
O ministro Roberto Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos) disse que o Brasil é o país com mais "proibições ambientais" no mundo e que o conjunto de restrições em vigor precisa ser "debatido com clareza e coragem", para que se possa "viver, produzir e preservar a Amazônia".
Por sua vez, o ministro Reinhold Stephanes afirmou que cerca de 70% da área do território brasileiro não pode ser cultivada por algum motivo legal, seja por reservas florestais, indígenas ou legislações que impedem o plantio comercial.
A senadora Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, demonstrou sua indignação a estas posições, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, de 11/08/2008, no qual diz "Pergunto: o problema seria o suposto excesso de leis ambientais ou a resistência do velho vício patrimonialista que mistura o público com o privado e se imagina acima do interesse coletivo?". E afirma: "Se o ministro expressa alguma nova visão do governo federal sobre política ambiental, trata-se de enorme contradição e retrocesso".
Na verdade, em relação ao governo, apenas as afirmações da senadora Marina Silva merecem reparos, porque os ministros não expressam alguma nova visão do governo federal sobre política ambiental, mas apenas a mesma política de sempre, inclusive a política ambiental de quando a senadora estava ministra.
O governo, este e todos os anteriores, sempre demonstrou permanente submissão aos interesses do agronegócio de exportação, principalmente os pecuaristas e sojicultores que, aliados aos grandes grupos econômicos e financeiros, apenas percebem os ativos ambientais como recursos econômicos a serem apropriados. O manejo sustentável dos recursos naturais e a agricultura familiar não estão na agenda de compromissos dos grandes interesses econômicos e, por conseqüência, também não estão na agenda do governo.
O governo mantém a opção pelo incentivo à produção e exportação de produtos primários como cláusula pétrea da economia nacional. Como em outras áreas, é a versão século XXI do modelo colonial, no qual as colônias exportavam produtos primários (com pequeno valor agregado) para beneficiamento pelas metrópoles, as quais os reexportavam (com grande valor agregado). Foi assim que as colônias financiaram o desenvolvimento dos países colonialistas e ainda é assim que o terceiro mundo financia os países que se dizem desenvolvidos.
Esta pauta colonial de exportação está na origem de tantos desencontros e ambigüidades, tal como a encontrada na produção do biodiesel, cujo programa foi lançado com o argumento de que seria a "redenção" da agricultura familiar no norte e nordeste do país. No entanto, o biodiesel é majoritariamente produzido a partir da soja (70% do total), passando ao largo da agricultura familiar. Mostrou-se como mais um projeto para beneficiar os mesmos de sempre, como sempre.
Precisamos iniciar as discussões sobre este modelo econômico escorado na exportação de produtos primários, com destaque para minério, alumínio primário, carne e grãos. É necessário questionar a quem serve este modelo e a quem beneficia.
Ou questionamos e encontramos um outro modelo de desenvolvimento ou continuaremos no modelo colonial de exportação de produtos primários. É o que fazemos desde o descobrimento (apenas mudamos de senhores ao longo do tempo) e ainda não chegamos lá.
Parafraseando o jornalista e ambientalista Washington Novaes, se devastação e exploração irracional de recursos naturais levasse ao desenvolvimento, já seríamos o mais rico e desenvolvido país do mundo.
*Henrique Cortez é ambientalista e coordenador do portal EcoDebate. Este texto foi publicado no sítio Correio da Cidadania
Fonte: MST.
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