Vera Gonçalves de Araújo
De Roma
A situação é de uma banalidade indiscutível: um casal divorcia, e briga pela guarda dos filhos. Tudo recheado por outro lugar-comum que todos os que já lidaram com filhos adolescentes conhecem muito bem: tolerância ou linha dura com o garoto? O pai de Marco (o nome é inventado, pois o garoto é menor de idade) considera a mãe fraca demais diante dos excessos do filho. Pede ao tribunal a guarda dos dois filhos menores - de 16 e 11 anos - enquanto a mais velha, 18 anos, optou pela convivência com a mãe.
A notícia fica menos corriqueira quando se descobre que o tribunal decidiu entregar a guarda dos filhos ao pai - coisa rara na Itália. Entre os motivos, o fato que Marco é comunista de carteirinha. Militante, desde os 14 anos, no partido de Refundação comunista.
O juiz que decretou a sentença em Catania, a segunda cidade mais importante da Sicília, afirma que o comunismo do garoto não influenciou sua decisão. Que se baseou num relatório dos assistentes sociais que pintaram um quadro bastante negativo das relações entre a mãe e seu filho adolescente. E que descreve Marco como um garoto que falta às aulas, ficou de segunda época em latim, grego e filosofia, sai todas as noites com os amigos, freqüenta "lugares em que são servidas bebidas alcoólicas e entorpecentes" ( = bares), "várias vezes passou a noite fora de casa, com a autorização materna". Enfim, Marco é o retrato falado de 90 por cento dos adolescentes italianos. Com um detalhe a mais: é comunista.
Até os ministros do governo de Silvio Berlusconi - o campeão do anti-comunismo - acham que o juiz foi um pouquinho exagerado. Mesmo porque o relatório dos assistentes sociais parece escrito nos anos 50 italianos, quando as mulheres que não eram "do lar" eram consideradas mães relapsas. A mãe de Marco é médica, perdeu a guarda dos filhos e ainda tem que pagar 200 euros por mês ao ex-marido, que ganha menos do que ela e é funcionário público. O pai fez uma xerox da carteirinha do partido comunista que encontrou no bolso do filho, como prova de juventude transviada.
Marco - dizem os colegas que o entrevistaram que ele é um rapaz bonito, simpático, desembaraçado, inteligente, que demonstra mais de seus 16 anos - declarou que não pretende ir morar com o pai, com quem briga todos os dias por vários motivos. Ele corre o risco de ser internado numa comunidade de reabilitação, apesar de ter apresentado uma certidão médica que prova que ele não se droga. Os advogados do pai afirmam que a certidão é falsa, e portanto o juiz pode decidir mandar Marco para uma comunidade, para se desintoxicar. Não está claro se o tóxico é a maconha ou o comunismo.
Fonte: Terra Magazine.
Nenhum comentário:
Postar um comentário