Dezembro 18, 2009
A correção do Supremo sobre o caso Battisti
Adelson Elias Vasconcellos
Na verdade o erro não foi de nenhum ministro ao proclamar seu voto. Como já afirmei em outras vezes, a proclamação do resultado é que foi errada. O resultado fora ao contrário do que o STF revelou. E por que o erro? Ocorre que o ministro Grau, com todo o respeito que me merece, consegue confundir-se a si mesmo. Seu votos, regra geral são confusos. Ele acaba se perdendo na própria prolixidade e acaba confundindo aos demais ministros que ficam se saber no que afinal de contas o ministro Eros Grau votou.
Na sessão plenária em que o STF definiu se Lula estava ou não obrigado à extraditar Battisti, tendo em vista que o STF decidira que o pedido do governo italiano era regular e obedecia às exigências legais brasileiras, o ministro fez uma longa explanação que acabou confundindo a todos. Contudo, na leitura de seu voto fica claro que seu entendimento se lê bem ao final: “...Daí que o Presidente da República está ou não está obrigado a deferir extradição autorizada pelo Tribunal nos termos do Tratado”.
O “estar ou não estar obrigado” dito pelo ministro é que criou toda a confusão. Ninguém entendeu no que ele votou, e, no final, seu voto foi consignado com aqueles que votaram pelo entendimento de que o presidente não estava obrigado à extraditar o terrorista e assassino italiano. Porém, e vocês verão pela descrição de parte do voto do ministro a seguir, que ele vinculava a decisão do presidente ao termos do Tratado de Extradição firmado entre os governos brasileiro e italiano. Portanto, não foi o ministro Eros quem alterou seu voto. A recontagem é que determinou que o resultado proclamado incorrera em erro.
E a tal ponto isto é verdadeiro, que o próprio relator, ministro Peluso, afirmando dias depois, que sentia impossibilitado de redigir o acórdão sobre a decisão, justamente porque no seu entendimento, o voto do ministro Eros Grau, na prática, tinha sido exatamente igual ao do relator, muito embora na proclamação final isto não tenha sido consignado.
Porém, após a releitura dos votos, o que se viu foi uma reação inesperada por parte de um dos ministros do STF acerca justamente da releitura do resultado final.
Em entrevista concedida à Marcela Rocha para o Terra Magazine, a postura do ministro Marco Aurélio soa muito estranha.
Até em função dela, e a título de sugestão, digo que seria conveniente que os ministros do STF se reunissem a portas fechadas e discutissem sua relação, seus comportamentos e, se houver alguma rusga entre alguns de seus ministros, que se resolvessem ali, olho no olho. Porque a sugestão?
Houve um movimento de verdadeiro assombro na sessão plenária em que o STF discutiu o caso do terrorista e assassino italiano Cezare Battisti. Em razão do voto confuso do ministro Eros Grau tanto que ao final, ninguém sabia ao certo no que ele havia votado, proclamou-se um resultado errado, como vimos. A correção só foi possível em razão do governo italiano ter entrado com uma questão de ordem e o STF se viu na obrigação de dar uma resposta.
Até aí, tudo bem, faz parte do jogo, das regras, é regimental, nada havendo de ilegal ou indecoroso. Não é que o ministro Marco Aurélio de Mello encontrou motivos para se sentir ofendido?
Na entrevista, o ministro deu declarações no mínimos confusas, revelando um certo ressentimento por se ver “derrotado” na sua teoria em favor do bandido.
Leiam o trecho abaixo. Retornamos em seguida.
(...)
Essa questão de ordem provocada pelo governo italiano é constitucional?
Eu, por exemplo, se recebo uma questão de ordem dessas, despacho e peço para aguardar o acórdão. Não podemos supor que o acórdão sairá desta ou daquela forma. Então, tem que aguardar para depois, se houver contradição, entrar com os embargos declaratórios. Como se pede eficácia modificativa do que é acertado, tem que dar vista à parte contrária.
Na prática, o que mudou?
Na prática, não mudou nada. Ficou apenas um descompasso enorme de fundamentos. Quanto à observância ou não do Tratado, é em opinião própria a fala pelo simples fato de a matéria não estar em jogo naquele momento. Como é o presidente da República que deve observar, nós não o orientamos em política internacional. Ele é soberano.
Se esse Tratado entre Brasil-Itália for descumprido, o presidente Lula pode ter seu ato impugnado no STF?
Isso é balela. Não há como responder, se nós aceitamos que cumpre a ele definir sobre a extradição, evidentemente, ele tem o respaldo para não entregar Battisti se ele assim o fizer. O presidente pode ser criticado no cenário internacional, mas crime de responsabilidade seria uma extravagância ímpar. É querer intimidar quem não pode ser intimidado, que é o presidente da República. Como Eros emitiu impedimento sobre o Tratado, ele usou a questão de ordem como gancho para tentar inverter a votação de cinco a quatro quanto à liberdade do presidente. Nós, do STF, não podemos aceitar manobras vindas do governo italiano. Temos um balizamento a respeitar e não podemos fugir dele, gera intranquilidade. Os jornais estão dizendo que Lula foi deixado em saia justa. Para começar, ele não usa saia, quem usa é a Dona Marisa (Risos). E, em segundo, ele é presidente da República, é preciso respeito.
Então, caso Lula decida manter Battisti no Brasil...
Como eu disse, é ato dele. Ele é quem define. Nessa definição, que é po-lí-ti-ca, ele não fica sujeito a qualquer responsabilidade, a não ser moral no cenário internacional, se for o caso, que não é.(...)
ATENÇÃO LEITOR PARA A RESPOSTA SEGUINTE E EM QUE TERMOS O MINISTRO MARCO AURÉLIO SE EXPRESSA
(...)
Sim, até porque a decisão definida por uma votação de 5 a 4, que entrega ao presidente a decisão de extraditar ou não, não foi alterada.
Antes de o ministro Eros ser peitado, quase que se caminhou para a alteração, mas houve uma resistência democrática e republicana para ser mantido o que foi decidido na sessão anterior e evitar a inversão.(...)
Como se pode admitir que um ministro possa ser peitado, ministro Marco Aurélio? Quem peitou? Se tal é verdadeiro, o ministro Eros Grau tem a obrigação de vir a público e pedir renúncia imediata. E o senhor, ministro Marco Aurélio, tem o DEVER de informar quem peitou o ministro Eros para forçá-lo a mudar seu voto! O ministro faz uma acusação gravíssima sobre a possibilidade de um componente da alta corte ser passível de, sob pressão, mudar seu voto, proclamado em sessão plenária. Isto é inconcebível!!!
Claro que o comentário que faço é sempre sob uma hipótese, ou seja, partindo do pressuposto de que a acusação feita pelo ministro Marco Aurélio contra o ministro Eros Grau seja verdadeira, levando-se em conta que Marco Aurélio de Mello não é nem um garotinho irresponsável..
Contudo, quero crer que a posição do ministro Mello se dá muito mais por nem ele ter entendido no que afinal de contas o ministro Eros Grau votou. Assim, seria interessante que a gente procurasse ler o voto dado antes de qualquer conclusão mais apressada.
Para tanto, vou me socorrer do blog do Jornalista Reinaldo Azevedo, onde ele transcreveu em 25 de novembro, o voto dado pelo ministro Eros Grau.
(...)
Ao votar, na prática, Eros se alinhou com aqueles que diziam que Lula deveria, sim, seguir a decisão do Supremo. Mas “deveria” à luz do quê? À luz do Tratado de Extradição que existe entre Brasil e Itália.
Ora bolas, esse foi o voto do relator, Cezar Peluso: o presidente decide segundo o tratado. Portanto, se Eros não tivesse mudado de idéia em cena aberta, não caberia dúvida sobre o resultado da votação: 5 a 4 pela obrigatoriedade da extradição. Mas Eros, vênia máxima, protagonizou um papelão e, coisa inédita na história do Supremo, deu uma espécie de segundo voto reformando o primeiro com um intervalo de cinco minutos entre um e outro. Estou forçando a mão? Eu não! Eu provo. Leiam. Volto em seguida:
GRAU: (…) eu diria que a questão não deve ser colocada em termos de a decisão desse tribunal, a respeito de pedido de extradição, obrigar ou não o presidente da República. Há de ser postulada no quadro do Tratado de Extradição celebrado entre o Brasil e a Itália, tratado aprovado pelo decreto 863/93, que há de ser interpretado à luz da Constituição. Ao Supremo Tribunal Federal cabe processar e julgar, originariamente, a extradição solicitada por Estado estrangeiro (…) Lê-se na ementa da Extradição 272, relator o Ministro Victor Nunes Leal, o seguinte: ” Extradição - a) o deferimento ou recusa da extradição é direito inerente à soberania. b) A efetivação, pelo governo, da entrega de extraditando, autorizada pelo Supremo Tribunal, depende do direito internacional convencional”.
No voto que então proferiu, o Ministro Victor Nunes Leal observou: “Mesmo que o Tribunal consinta na extradição - por ser regular o pedido -, surge outro problema, que interessa particularmente ao Executivo: saber se ele está obrigado a efetivá-la. Parece-me que essa obrigação só existe nos limites do direito convencional, porque não há, como diz Mercier, ‘um direito internacional geral de extradição’. Tem-se bem claro, aí, que o Supremo Tribunal Federal autoriza, ou não, a extradição. Há de fazê-lo, para autorizar ou não autorizar a extradição, observadas as regras do tratado e as leis. Mas quem defere ou recusa a extradição é o Presidente da República, a quem incumbe manter relações com Estados estrangeiros (…) Daí que o Presidente da República está ou não está obrigado a deferir extradição autorizada pelo Tribunal nos termos do Tratado”.
(…)
PELUSO: Ministro, eu não tenho nenhuma restrição ao pensamento de Vossa Excelência.
GRAU: Como?
PELUSO: Não tenho nenhuma restrição; concordo integralmente.
(…)
GRAU: Voto nesse sentido, para afirmar que o que obriga o Presidente da República é o Tratado de Extradição, sim, celebrado entre o Brasil e a Itália, e retorno, por isso ao voto do Ministro Victor Nunes Leal: mesmo que o Tribunal consinta na extradição - por ser regular o pedido - a obrigação, do Executivo, de efetivá-la, “só existe nos limites do direito convencional”.
(…)
PELUSO: Senhor Presidente, o meu voto, evidentemente, em nenhum momento diz que a extradição deve ser executada em desconformidade com o Tratado. Antes, o meu voto é muito claro, em que a extradição será executada nos termos do Tratado. Então, o voto do eminente Ministro Eros Grau em nada difere do meu voto.
Peluso estava certo. Quando afirmou que Lula teria de seguir a decisão do Supremo, deixou claro que era justamente à luz do tratado — e disseram o mesmo os três outros ministros que seguiram o seu voto. Logo, Eros era o quinto. O que estava em causa ali não era se Lula tinha ou não de “obedecer” o Supremo. Até porque tal questão é absurda. Todos estão submetidos à Justiça — inclusive o presidente. Noto ainda que, em seu voto, o próprio ministro Gilmar Mendes havia citado o mesmo Victor Nunes Leal
Ou seja, não vê aí nenhuma contradição entre o dito pelo ministro Eros na sessão plenária de 18/11/2009, e a correção do resultado realizada ontem pelo STF. Contudo, a entrevista do ministro Marco Aurélio deixa transparecer um certo ressentimento para com seus colegas, além de revelar a existência de um ambiente de instabilidade que não pode ser admitido dentro de uma instituição como o STF.
Além disto, que o ministro me perdoe, acusar o governo italiano de tentativa de virar a mesa é, no mínimo, indelicado e inconveniente. O que o governo da Itália não quer é ferir estado de direito brasileiro, tampouco faltar com o respeito aos seus magistrados. Mas resta evidente que a questão de ordem levantada tinha, sim, toda a sua razão de ser. Além disto, o ministro Marco Aurélio não pode simplesmente ignorar a existência de um tratado internacional, celebrado entre o Brasil e a Itália, tratado aprovado pelo decreto 863/93, e que há de ser interpretado à luz da Constituição. Parece-me, isto sim, que quem está tentando virar a mesa é a sua postura em relação ao resultado final.
Ninguém “peitou” o ministro Eros Grau: o que se pediu, no dia em que ele declarou, como depois diante da questão de ordem, é que simplesmente esclarecesse no que, afinal de contas, ele havia votado, coisa que não ficara clara para ninguém. Na leitura do voto que vemos acima, ele vinculava a decisão do presidente Lula justamente aos termos do tratado. Ele não disse que o “presidente está obrigado a extraditar”. Ele disse, isto sim, que o presidente se obrigava à luz da lei, a executar ou não a extradição dentro do que o tratado Brasil-Itália determinava. O tratado inclusive prevê as condições em que o presidente poderá negar a extradição.
Por fim, em outra questão levantada na entrevista, o ministro Marco Aurélio acabou por concedeu ao presidente da República um poder que ele não tem e sequer está previsto na legislação brasileira: a de se colocar acima das leis. A pergunta era: “... Se esse Tratado entre Brasil-Itália for descumprido, o presidente Lula pode ter seu ato impugnado no STF?...”
Resposta do ministro: (...) “Isso é balela. Não há como responder, se nós aceitamos que cumpre a ele definir sobre a extradição, evidentemente, ele tem o respaldo para não entregar Battisti se ele assim o fizer. O presidente pode ser criticado no cenário internacional, mas crime de responsabilidade seria uma extravagância ímpar. É querer intimidar quem não pode ser intimidado, que é o presidente da República. Como Eros emitiu impedimento sobre o Tratado, ele usou a questão de ordem como gancho para tentar inverter a votação de cinco a quatro quanto à liberdade do presidente. Nós, do STF, não podemos aceitar manobras vindas do governo italiano. Temos um balizamento a respeitar e não podemos fugir dele, gera intranquilidade. Os jornais estão dizendo que Lula foi deixado em saia justa. Para começar, ele não usa saia, quem usa é a Dona Marisa (Risos). E, em segundo, ele é presidente da República, é preciso respeito”.(...) (Grifo nosso).
Volto ao texto do Reinaldo quando ele coloca que (...) “O que estava em causa ali não era se Lula tinha ou não de “obedecer” o Supremo. Até porque tal questão é absurda. Todos estão submetidos à Justiça — inclusive o presidente.”(...)
Com efeito: o tratado se tornou lei regular em 1993 e deverá ser interpretado à luz da constitucional. É disso que se trata. Claro que cada tem o direito de escolher fazer ou não qualquer coisa, desde que responda pelas consequências.
Ora o que prevê a legislação brasileira? A lei nº 1.079 de 1950, que trata dos crimes de responsabilidade cometidos por autoridades, prevê no parágrafo 11 do artigo 5º que "são crimes de responsabilidade contra a existência política da União violar tratados legitimamente feitos com nações estrangeiras".
O tratado foi firmado em Roma em 1989 e ratificado pelo Congresso em 1993 e tem força legal. Ele permite que o presidente se recuse a entregar o italiano. Diz, contudo, que o fato precisa ser 'motivado', justificado. Não existe absolutamente nada além disso.
Além disto, é imperioso que se reconhece que aquele documento absurdo produzido pela lavra do ministro da Justiça, Tarso Genro, aquilo sim é uma agressão, uma tentativa de virar a mesa no Poder Judiciário da Itália, ao não reconhecer sua isenção no julgamento de Battisti pelos crimes que ele cometeu. Como ainda, sequer teve respeito para com a França que lhe negou recursos nem para com o Conselho dos Direitos Humanos da Comunidade Europeia. O que me parece haver no ministro Marco Aurélio é uma tentativa de ideologizar a questão Battisti, o que não se admite.
Aliás, o ministro Marco Aurélio deveria refletir sobre seu comportamento e, principalmente, sobre determinadas declarações que tem feito. Há poucos dias, sobre José /Arruda - /DF, envolvido até a alma no panetonegate do DF, o ministro se expressou nos seguintes termos: (...) “O governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda (DF), poderá tentar se candidatar em 2010. Em tese, ele tem a opção de recorrer ao TSE para voltar ao partido ou se filiar a uma nova legenda, sob a alegação de perseguição política por parte do DEM. No entanto, o ministro explicou que a tentativa pode ou não ser aceita pela Justiça Eleitoral.”(...)
Ora, tanto quanto se saiba, o ministro nem é advogado de defesa do governador tampouco seu consultor jurídico nas horas vagas. Assim, a melhor resposta seria declarar-se impedido em responder. Pega mal prá tem o poder de julgar, orientar sobre caminhos a seguir para uma das partes.
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