quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

CUBA - os cinco cubanos - parte dois.

Entrevista com Maria Eugenia Guerrero - parte II

Diego Salmen

E por que, na sua avaliação, a Justiça e o governo dos Estados Unidos mantém essa postura em relação aos cinco?
É um problema político. Há muita pressão da máfia cubana em Miami, que tem muito dinheiro e um grande comprometimento... Eles não podem aceitar que Cuba seja um país independente, que decidiu seu destino pela vontade da maioria dos cubanos, um país socialista, livre. Eles querem tomar Cuba e mudar Cuba. Então você faz todo o possível para conseguir isso, mediante, terrorismo, mediante tudo. E agora estão usando esse caso contra Cuba. Clinton teve posturas muito duras contra Cuba, mas na última hora do caso Elián González (NR: em 2000, Elián, então com 7 anos, teve a custódia devolvida ao pai, em Cuba, depois de ter ingressado ilegalmente na Flórida com a mãe, que morreu na travessia de balsa), ele teve de voltar atrás, porque isso seria um absurdo tão grande que nem os norte-americanos aceitariam.

Os cinco foram condenados apenas alguns meses depois do caso Elián...
Já havia uma pressão, uma efervescência. A máfia estava em ebulição. Haviam perdido o caso Elián, e queriam o sangue de alguém, e conseguiram durante o governo de Bush. ELe chegou ao poder pela Flórida; foram os votos de lá que deram a Bush a presidência. O governador da Flórida era irmão de Bush.

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Eles foram declarados culpados somente três meses antes dos atentados de 11 de setembro.
Sim, depois em dezembro de 2001 eles receberam a sentença. Gerardo disse: "Oxalá os Estados Unidos tivesse pessoas capaz de alertá-los para que não ocorresse o que ocorrou no 11 de setembro, onde tantas pessoas inocentes morreram". A história de Gerardo é muito triste. Ele foi apontado como líder do grupo. Mas não havia nada que caracterizasse isso, estrutura, organização, nada. Ele não trabalhava em nenhuma base militar. Depois de oito meses na prisão de Miami, ficou 17 meses na solitária, isso quando o regulamento diz que uma pessoa só pode ficar lá, e por no máximo 60 dias, se cometer algum ato de indisciplina grave. Então depois oito meses, inventaram uma nova acusação contra ele: de conspirar para cometer assassinato. E aí os Estados Unidos usaram como pretexto a derrubada de um avião da organização terrorista Hermanos al Rescate, sediada em Miami, em 1996, pelo governo de Cuba em território cubano. Cuba várias vezes denunciou por via diplomática a invasão de seu espaço aéreo por parte dos aviões dessa organização.

Sim...
Quando foi preso, René González, que era piloto, havia se infiltrado na organização e sabia de seus planos. E obeteve todas as informações para evitar uma nova invasão. Meses antes da prisão, altos oficiais dos EUA estiveram em Cuba para ter informações sobre esses grupos. Quando o governo dos EUA foi indenizar as vítimas da derrubada do avião, pagou nove milhões de dólares às famílias das vítimas norte-americanas. No dia do julgamento, Gerárdo disse que o verdadeiro culpado era José Basulto, que estava ali sentado e era o presidente da Hermanos.

A senhora acha que o resultado teria sido diferente se o julgamento tivesse sido feito fora de Miami?
Havia Sim, com certeza. Segundo os advogados, mais de 25% da população no local do julgamento já tinha algum tipo de preconceito em relação a Cuba; era muito difícil encontrar alguém sem relações com cubanos. Quando terminou o julgamento, que durou 7 meses, o júri não fez nenhuma pergunta, não pediu nenhum esclarecimento e, em 5 minutos, declarou todos culpados, isso em um julgamento que teve muitas informações e até a de altos oficiais das forças armadas dos Estados Unidos. Os declararam culpados sem nenhum tipo de prova.

Ainda há condições de se reverter esse julgamento pelas vias legais norte-americanas, ou só pela luta política?
Em 2005, a Justiça de Atlanta pediu o anulação do julgamento. E depois de algum tempo, pela primeira vez essa decisão foi revogada. Então foi apresentado um pedido a Corte Suprema dos EUA. Para isso, se buscou o maior especialista em Corte Suprema, o advogado Thomas Goldstein. Doze organizações de juristas, diversos intelectuais e parlamentares de todo o mundo apoiaram o pedido e a Corte suprema disse que não, que não iria revisar o caso. Ele ficou horrorizado e assombrado de ver a manipulação da Justiça. Nós dissemos: você pensou que esse era um caso normal, mas esse é um caso manipulado politicamente, e farão tudo o que for possível para manter essa decisão.

Como cidadã de Cuba, como você vê o apoio dado pelo governo de Raúl Castro ao caso? Houve alguma mudança em relação a "era Fidel"?
Desde o primeiro dia tivemos todo apoio de nosso governo e de nosso povo. Essa é a esperança que temos. E com a campanha internacional muitos amigos do mundo também nós apóiam. Não houve nenhuma mudança. Na Cúpula do Rio, Raúl disse que estava disposto a trocar todos os presos políticos que há em Cuba pelos cinco cubanos. "Há mim não interessam esses mercenários", disse. O presidente da Assembléia Nacional, Ricardo Alarcón, disse que não haverá nenhum tipo de acordo com os Estados Unidos se o tema dos cinco cubanos não estiver na mesa de negociações.

Há quem diga que o caso dos cinco cubanos é utilizado como propaganda e pretexto pelo governo de Cuba, assim como a questão do embargo. Como vê isso?
Sinceramente, acho que quem diz isso é muito ignorante. Me dá muita pena que neste momento, depois de 11 anos, e em relação ao embargo depois de 50 anos, há quem pense que o governo de Cuba se utiliza disso para fins de propaganda. O governo seria incapaz de jogar com a vida de seu povo, a revolução não faria isso com seu povo. Me dá vergonha que haja alguém capaz de pensar assim, porque são ignorantes e incapazes de se aprofundar em busca da verdade. Cuba sofreu o bloqueio, sofreu terrorismo, sofreu uma forte companha midiática contra si...

Há um ceticismo muito grande no Brasil em relação ao que se diz sobre Cuba.
Em todo mundo é assim. Eu viajo aos Estados Unidos quase todos os anos, e no fundo me dá pena do povo dos Estado Unidos. É um povo que, apesar de ter todo o recurso que tem, é o país mais desenvolvido do mundo, mas o povo é ignorante. Ele só sabem o que querem que eles saibam; só comem o que querem que eles comam. São incapazes de pensar na manipulação, não só em relação a Cuba. Fale da África, eles não sabem; fale da América Latina, eles não sabem. Uma vez contei sobre uma viagem a Cabo Verde que fiz para alguns norte- americanos. Eles não sabiam de Cabo Verde, parecia que eu estava falando de algo... Então são pessoas ignorantes. E com relação a Cuba, não entendem que Cuba decidiu seu próprio destino. Somos um país pobre, com muitas limitações...

Mas a crítica diz que não é o povo de Cuba que decide seu caminho, e sim que este caminho é decidido por uma pessoa de cima para baixo...
Mas isso não é verdade. Se você vai a Cuba, como em todo país, há gente que não liga, não dá a mínima (para a política). Mas não é a maioria. É impossível que um milhão de pessoas se reúnam por obrigação em uma praça num 1º de maio. É impossível. É impossível que quando se convoque uma marcha de solidariedade aos cinco, venham pessoas de todo o país, obrigadas. Isso é impossível. Então não podem dizer isso. São Paulo é uma cidade muito linda, nunca estive aqui. Mas fiquei deprimida, fiquei muito impressionada pela pobreza. Foi só sair do aeroporto para ver uma criança pedindo esmola. Em Cuba não há isso, por pouco que se tenha. Não temos minerais, petróleo, nada. Só temos desenvolvimento intelectual, um clima precioso e um pouquinho de recursos.

A senhora percebe algum apoio do governo Lula a causa dos cinco cubanos?
Sim, ele tem nos apoiado. Também há declarações de vários parlamentares e organizações do Brasil em apoio a nossa causa. Até 2002 pouca gente sabia desse episódio, agora mais gente sabe. E nós vamos continuar a luta pedindo por mais solidariedade. Quando vemos o número de carta que recebemos, dá para perceber que há uma apoio enorme pelo mundo e um reconhecimento muito grande da nossa campanha.

E em relação ao governo Obama?
Ainda há alguma esperança de que Obama faça algo diferente. Nós não temos muito tempo, porque já fazem 11 anos. Mas Obama pegou um país em uma condição muito crítica, e às vezes o presidente não pode fazer o que quer. Então, é melhor dar um tempo, seguir insistindo e denunciando as violações da justiça.

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