Ainda há esperança em Obama, diz irmã de um dos "5 cubanos"
Diego Salmen/Terra Magazine Maria Eugenia Guerrero está no Brasil para divulgar a prisão de seu irmão, Antonio Guerrero, um dos "cinco cubanos" presos há 11 anos nos Estados Unidos |
Diego Salmen
Em 1998, os cubanos Gerardo Hernández, Antonio Guerrero, Ramón Labañino, Fernando González, e René González foram presos pelas autoridades norte-americanas na Flórida, sob as acusações de espionagem, conspiração para cometer homicídio e atividades ilegais em teritório norte-americano.
Desde então, os "cinco cubanos", como ficaram conhecidos, ganharam notoriedade internacional por terem sido submetidos a um julgamento tido como injusto para diversas organizações jurídicas e personalidades internacionais.
Veja também:
» Entrevista com Maria Guerrero - parte II
» Siga Bob Fernandes no twitter
Do prêmio Nobel de Literatura José Saramago ao linguista Noam Chomsky, passando pelo Conselho para Prevenção de Detenções Arbitrárias da ONU, que condenou a prisão, são muitas as vozes contrárias ao cárcere dos cinco.
Hernández, Guerrero e Labañino foram originalmente sentenciados à prisão perpétua. Fernando Gonzáles foi condenado a 19 anos, e René Gonzáles a 15.
Reclusos há 11 anos, todos reconhecem ter fornecido informações ao governo cubano, para o qual trabalhavam como agentes. Negam, contudo, ter espionado bases norte-americanas ou terem representado uma ameaça à soberania dos Estados Unidos.
Não sem alguma ironia, a razão pelo qual os "cinco cubanos" acenderam debates polêmicos é um dos maiores, se não o maior, slogan dos Estados Unidos no novo século: a luta contra o terrorismo. Estes se defendem, dizendo que foram detidos por coletar informações sobre grupos terroristas sediados em Miami e responsáveis por diversos atentados em território Cubano.
Pela primeira vez no Brasil, Maria Eugenia Guerrero, irmã de Antonio Guerrero, está no país para divulgar sua campanha pela liberdade dos "cinco cubanos", tidos como heróis em seu país de origem.
Com exclusividade, falou a Terra Magazine sobre a história da prisão de seu irmão e seus colegas, o desenrolar do processo judicial, Cuba e as esperanças depositadas em uma guinada na administração de Barack Obama.
- Ainda há alguma esperança de que Obama faça algo diferente. Nós não temos muito tempo, porque já fazem 11 anos. Mas Obama pegou um país em uma condição muito crítica, e às vezes o presidente não pode fazer o que quer.
Confira a entrevista:
Terra Magazine - É sua primeira vez no Brasil?
Maria Guerrero - Sim, fui convidada para várias atividades relacionadas ao tema dos cinco cubanos presos nos Estados Unidos. Entre elas, teremos amanhã um encontro, que será realizado nesta terça-feira em São Paulo, com companheiros e companheiras de várias partes do mundo. O problema são todas as situações que vimos enfrentando nesse caso; já fazem 11 anos que estão presos, e há todo um silêncio a respeito. E nós, os familiares, não temos alternativa a não ser viajar pelo mundo para falar sobre o caso e romper o silêncio.
Sim...
A maior prova de manipulação que pode haver nesse caso é que são cinco cubanos presos em 1998, em Miami, e que foram acusados de conspirar contra os Estados Unidos, três deles foram sentenciados a prisão perpétua. Eu digo: como é possível que hajam cinco pessoas - cinco cubanos porque isso tem uma conotação maior - acusadas de conspirar contra a seguridade dos Estados Unidos e o mundo não sabe disso? Como é possível que os meios dos Estados Unidos não publiquem nada sobre essa história? Esse silêncio é a maior prova de que o governo dos Estados Unidos não tem como sustentar essas acusações. Luis Posada Carriles foi autor de vários atentados a bomba em Cuba e está livre nos Estados. Em junho de 1998, o governo de Cuba entregou aos Estados Unidos toda a informação sobre aos terroristas relacionados a Posada Carriles (NR: terrorista anticastrista responsável pelo atentado que matou 73 pessoas em um vôo das Linhas Aéreas Cubanas em 1976).
E o governo norte-americano usou essas informações para prender os cinco cubanos, não os terroristas?
Exatamente. Então neste momento eles estão em um processo de redefinição do julgamento; em 2005, o painel da Corte de Atlanta decidiu que o veredito deveria ser anulado, pois era inconstitucional, já que havia sido julgado por uma corte em Miami e isso violava tudo o que dizia a Constituição norte-americana.
Até por conta da pressão dos grupos anticastristas em Miami...
Sim. O Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias da ONU havia declarado que eles haviam sido presos arbitrariamente e que o governo dos Estados Unidos estavam violando uma série de leis e que, portanto, o caso deveria ser revisado.
Como se deu a aproximação de Antonio com os seriviços de inteligência de Cuba?
Bom, eu não sei como ele entrou nessa atividade, espero um dia saber. Mas meu irmão e eu nascemos nos Estados Unidos porque, na época, meu pai estava trabalhando lá. Quando eu tinha dois anos, meu pai voltou.
Qual é sua idade?
Eu tenho 53 anos.
Foi antes da Revolução?
Foi em dezembro de 1958. E a Revolução triunfa em janeiro de 1959. Eu fui criada em Cuba, com uma família revolucionária, uma educação cubana. Eu nasci nos Estados Unidos, na verdade sempre fui cubana. Foi uma casualidade. Então meu irmão se casou com uma menina do Panamá, teve um filho e de lá foi para os Estados Unidos. E lá soubemos que ele entrou, de maneira voluntária, no serviço de inteligência de Cuba, em meio aos anos 90. Devemos lembrar que, com a queda do bloco socialista, havia muita esperança, por parte do governo dos EUA, de que o socialismo também caísse a Cuba. E aumentaram toda a guerra midiática e o terrorismo contra o nosso país. Foi uma época muito violenta. E os cinco, de maneira voluntária, sem nenhum outro compromisso a não ser por fim a essa onda de terror que havia contra Cuba.
Antonio Guerrero
Ele estava nos Estados Unidos há muito tempo, até ser preso?
Ele chegou lá em 1993, 1994. Trabalhou em diversos lugares. Ele tentou trabalhar em vários lugares, dentre eles na base militar de Boca Chica. Era uma base pública, não era uma base só para pessoal militar, aceitavam civis também. E meu irmão é engenheiro civil especializado na construção de aeroportos, estudou em Kiev, na Ucrânia. Um dia, o chamaram para trabalhar como operário de manutenção nessa base, uma instalação pública. Durante o julgamento, os oficiais da base de Boca Chica, que conheciam seu trabalho, reconheceram que Antonio não teve, em nenhum momento, acesso às áreas restritas, e que seu trabalho nunca teve ligação com o setor militar.
Você não pode espionar algo que seja de acesso público...
Exatamente. Inclusive, é possível procurar todas as informações sobre a base de Boca Chica na internet. Turistas visitam essa base, que fica muito perto de Cuba. De avião se chega em Cuba em menos de trinta minutos. Quiça em algum momento estava se preparando um ataque ou uma invasão a Cuba a partir dessa base? É algo que supostamente ocorria. Mas não, era uma base pública, onde não havia isso. Mas agora, no dia 13 de outubro, houve uma nova sentença para o meu irmão. Depois da quarta apelação, a Corte de Atlanta decidiu dividir o caso: três deles voltarão à Corte de Miami para ouvirem uma nova sentença; e o caso de Geraldo e René ficou à parte. Eu pergunto: qual o dano que eles fizeram a esse país? Essa pergunta nunca foi respondida.
Do ponto de vista dos Estados Unidos, a acusação poderia estar baseada na suspeita de que eles estivessem espionando.
Claro, mas eu digo: era sua intenção, estava em sua mente. Como você pode condenar uma pessoa por conta de sua inteção, do que estava em sua mente? Não se pode provar.
Mas houve uma troca de informações entre os cinco e o governo cubano. Os Estados Unidos podem ter baseado as acusações nisto, mesmo que as informações obtidas por eles sejam públicas...
Sim, houve um intercâmbio de informações deles com Cuba. Eles reconhecem que era agentes que trabalhavam para o governo de Cuba. Mas todas as informações que eles obtinham se relacionava aos planos dos grupos terroristas baseados na Flórida, e não com os planos norte-americanos ou com a segurança e a forças armadas dos Estados Unidos. Eles sabiam a movimentação das organizações terroristas, então isso não atenta contra a segurança nacional dos EUA nem contra seu povo. Ao contrário: isso também os protege. Enquanto isso, eles nunca falaram da necessidade de Cuba de se proteger dos terroristas.
Em outubro Antonio teve a pena reduzida, não?
Sim, para 22 anos, na audiência de 22 de outubro. A defesa disse: como é possível pedir uma condenação dessas para um homem que já cumpriu 7 anos com bom comportamento? Sabe o que a promotoria respondeu? "Há uma campanha internacional de desinformação contra a justiça norte-americana, e nós temos que mudar isso, mostrando ao mundo que isso não é verdade".
Então não foi uma decisão jurídica, e sim política?
Não, essa foi a intenção da promotora, ao "demonstrar para o mundo que há uma campanha contra a Justiça dos EUA". Isso não é justo, porque não havia violência, nada, e a conduta de Antonio durante sete anos, segundo a avaliação do conselheiro da prisão, foi uma conduta satisfatória, exemplar. Ele dava aulas de espanhol, matemática e inglês aos presos. Ensinava pintura a eles. Como é possível que apliquem 22 anos de condeção a um crime cuja pena máxima prevista é de sete? Sem evidências, sem nada, só com base na sua "intenção" de violar a segurança nacional dos EUA. Ele diz: "Acusem me de repassar informações aos Estados Unidos sobre um grupo terrorista, e eu reconheço. Me condenem por isso". A condenação prevista para esse tipo de acusação é de quatro a sete anos. Havia uma controvérsia entre a própria procuradora e a juíza.
Sim...
E Posada Carrilles, que praticou uma série de atentados terroristas, foi preso nos EUA, mas não por terrorismo, e sim por ter entrado ilegalmente no país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário