segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

ELEIÇÕES NO CHILE - Paradoxos cruéis



Marcos Domich

Os resultados esperados no fecho das urnas nas eleições de ontem no Chile confirmam, no essencial, a análise e as previsões deste texto Marcos Domich, escrito na passada sexta-feira, 11 de Dezembro.



Marcos Domich* - 14.12.09

No Chile há eleições gerais e, entre outros elegerão o Presidente da República. Há quatro candidatos dois dos quais, quase com toda a certeza, passarão a uma ineludível segunda volta. Trata-se do candidato da extrema-direita Sebastian Piñera e Eduardo Frei Ruiz Tagle, que já exerceu a presidência do Chile, e filho do falecido (através dos métodos dos Bórgias) ex-presidente Eduardo Frei Montalva. Por sua vez, Frei Montalva, antecedeu na presidência o sangrentamente derrotado presidente Salvador Allende. A esta lista de presidentes e filhos de dignitários chilenos assassinados há que juntar a presidenta Michelle Bachelet, filha do General Alberto Bachelet que ocupou altos cargos no governo de Allende. Depois do golpe de Estado de Pinochet foi imediatamente preso pelos seus próprios subordinados, foi torturado e, por fim, assassinado. A história poderá registar uma nova e estranha sucessão: Michelle Bachelet pode entregar o cargo a Frei Ruiz Tagle. Uma cadeia na verdade arrepiante e que parece não ter comparação na história das sucessões presidenciais da América Latina.

Por que pode dar-se essa sucessão? Frei estava muito em baixo nas sondagens e o novel candidato, Marco Enriquez-Ominami, ex-socialista e filho do também assassinado pela ditadura Miguel Enriquez – o proeminente dirigente e fundador do MIR chileno – começou a acercar-se perigosamente de Frei. Enriquez Ominami apresentou uma táctica eleitoral baseada na juventude, no ser uma «figura nova», utilizar uma linguagem adequada a cada auditório e, geralmente, baseada em lugares comuns, candidatura não é alheia aos conservadores nem à embaixada estadunidense. Pessoas da esquerda moderada, da direita moderada, empresários e empregados, mas sobretudo gente nova, ingénua e despolitizada, que quase não conheceu a ditadura nos seus tempos mais brutais, poderão votar no novel participante. A tudo isto junta-se a campanha mediática destinada a inviabilizar o candidato da esquerda, o socialista allendista Jorge Arrate, apoiado pelo Partido Comunista e a Esquerda Cristã.

O desenvolvimento habitual da campanha foi sacudido por um facto: os juízes que investigavam a morte de Frei Montalva concluíram, finalmente, que este foi assassinado. Médicos, do exército e da polícia de Pinochet, enfermeiros, mas sobretudo seis agentes da inteligência militar infiltrados na elitista clínica de Santa Maria como pessoal de limpeza, camareiros, choferes e outros disfarces participaram na conjura. Frei foi internado no começo de 2002 para uma intervenção cirúrgica de somenos importância. Mas os médicos conjurados administraram-lhe tálio e mostarda hidrogenada que o debilitaram e, finalmente, lhe provocaram a morte que atribuíram a uma suposta septicemia. Nessa mesma clínica fizeram-lhe secretamente uma inusitada autópsia, penduraram-no pelos pés e extraíram-lhe todas as vísceras, para não deixarem marcas do que tinha sido administrado como tratamento. Naturalmente, estas revelações influíram na estrutura do voto e seguramente Piñera e Frei passarão à segunda volta. Nem remotamente se pode dizer que Frei Ruiz Tagle seja sequer de centro-esquerda; ele é, isso sim, de centro-direita. Mas será preferível ao pinochetista Piñera, multimilionário com uma fortuna calculada em mais de 1.200 milhões de dólares e, naturalmente, com a mentalidade cavernícola do seu extinto chefe, Pinochet.


* Marcos Domich, Professor da Universidade de La Paz, é amigo e colaborador de odiario.info.

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