Após superarem os primeiros percalços e desafios de um Estado enfraquecido pelos anos de neoliberalismo, os governos progressistas da América Latina voltaram-se para uma questão estratégica, que antes parecia interditada: a democratização das comunicações.
Não foi sem dificuldades e oposição ferrenha dos meios tradicionais que os governos impulsionaram este debate na sociedade, rumo a um processo institucional de democratização das comunicações em todos os seus aspectos, e não apenas em relação à imprensa.
A idéia de debater a comunicação fez tremer a mídia hegemônica em todos os países. No Brasil, ela tentou de tudo para inviabilizar a primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), que se realiza em Brasília. As matérias dos grandes veículos desqualificam o encontro, taxando-o de orquestração do governo para impor uma censura ao que proclamam como liberdade de imprensa. Liberdade que defendem ao mesmo tempo em que pedem o fechamento da TV pública e atacam impiedosamente as rádios comunitárias.
A Confecom ora em curso foi precedida por 27 conferências estaduais, em todas as unidades da federação, nas quais estiveram envolvidos todos os segmentos interessados na questão: movimentos sociais, empresários e poder público. Através de suas entidades de representação, a mídia hegemônica tentou deslegitimar o processo, rompendo com a Confecom. Sem empresários, a conferência seria esvaziada e não teria sentido. Mas as empresas de telefonia, interessadíssimas na convergência dos novos meios, continuou no debate, e a Abra, que reúne TV Bandeirantes e Rede TV, também se dispôs a participar da conferência.
Assim, contra a vontade dos grandes meios, que antes impunham suas vontades, a Confecom se concretizou e levou 1.684 delegados a Brasília para debater mais de seis mil propostas oriundas das conferências estaduais. Este é um processo totalmente democrático, ao qual os donos dos meios de comunicação não conseguem se adaptar. Eles perderam o protagonismo e não engolem a multiplicidade de atores interessados na questão.
Na esperança de iludir a sociedade, tratam como censura o controle social da mídia, como se ela devesse funcionar como um poder paralelo, capaz de tratar as informações sem nenhum compromisso. Controle social é a participação da sociedade nas políticas de comunicação e no acesso à informação. Significa ter voz ativa e não ficar como mero receptor de uma informação produzida por poucos. Como observou Lula no discurso de abertura da Confecom, a indústria da comunicação sempre trabalhou com um modelo vertical. “Poucos falavam e escreviam para muitos. Existia um núcleo ativo de produtores de informação e uma massa passiva de consumidores. A internet mudou esse cenário. Consumidores de informação passaram a formar redes horizontais, trocando opiniões, tornando-se mais críticos e menos passivos”, disse Lula.
É essa nova realidade que exige uma nova regulamentação que permita e viabilize a participação de toda a sociedade na produção e disseminação da informação. O Código Brasileiro de Telecomunicações é de 1962 e está totalmente defasado. Ele tratava apenas de rádio e televisão, quando hoje existem novas mídias e uma convergência entre elas que auxilia no processo de democratização.
Na Argentina, a lei das comunicações era até mais recente, do tempo da ditadura militar. Lá, o governo tomou a iniciativa, mas foram promovidos encontros para sugestões da sociedade. A partir daí, o governo elaborou um projeto de lei e o devolveu à sociedade para novos debates. Aconteceram outros encontros que originaram um projeto de lei mais elaborado. A Câmara realizou audiências públicas e o Senado examinou o tema com especialistas. Daí saiu a legislação, bombardeada pelos grandes meios, mas democrática na sua construção.
O continente vive um processo vigoroso de inclusão social, no qual a democratização da comunicação é aspecto essencial. A resolução final da Confecom ainda não muda o cenário das comunicações no Brasil. Mas um passo importante foi dado e o caminho é irreversível. |
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