Para esclarecer os mais jovens, UDN (União Democrática Nacional), era o partido que até o final da década de 50, reunia a "fina flor" da direita brasileira.
Os outros nomes da UDN, por Mauro Santayana
Da Carta Maior
Mais uma vez os golpistas se reúnem. Quando um governo começa a distribuir renda, como no sistema escandinavo, a fim de sustentar um tímido “welfare state”, como faz Lula com o Bolsa-Família, contra ele se reúnem bacharéis e banqueiros, políticos, jornalistas e inocentes úteis.
Mais uma vez os golpistas se reúnem. Quando um governo começa a distribuir renda, como no sistema escandinavo, a fim de sustentar um tímido “welfare state”, como faz Lula com o Bolsa-Família, contra ele se reúnem bacharéis e banqueiros, políticos, jornalistas e inocentes úteis.
BRASÍLIA - Sexta-feira (21), em Diamantina, o
governador Aécio Neves fez o elogio de Juscelino, ao transferir para
aquela cidade as solenidades comemorativas de 21 de abril. Para que
ficasse bem nítida a intenção, Aécio convidou a filha de Juscelino,
Maristela Kubitschek Lopes, para ser a Oradora Oficial da cerimônia.
Esse elogio a Juscelino seria impensável, durante os últimos anos de sua
vida. Oficialmente, Juscelino era um “morto civil”. Durante o seu
governo, no qual rompera os cânones do imobilismo, o presidente fora
acusado de corrupção e de ofender a família brasileira com seus amores,
reais ou fictícios. O político mineiro, ao candidatar-se para suceder
Vargas, e eleger-se em 3 de outubro de 1955 e a empossar–se em 31 de
janeiro do ano seguinte – herdara todo o ódio que a União Democrática
Nacional endereçara a Vargas. O partido constituía o velho resíduo do
bacharelismo nacional, de origem oligárquica, que perdera sua posição
hegemônica na sociedade, a partir da Revolução de 30.
A política
deixara de ser assunto restrito (ou quase restrito) aos advogados. Novas
forças surgiam, em conseqüência da ação modernizadora de Vargas, e a
UDN não podia admiti-las. O último grande ato de poder dos udenistas
fora a Constituição de 1946, na qual, a pretexto de salvaguardar a ordem
jurídica, os advogados exageraram em suas idéias “soi-disant” liberais,
mas mantiveram para a classe dominante as posições angulares do poder. E
como não podiam deixar de fazer, inscreveram na Lei Fundamental seus
próprios privilégios corporativos.
O médico Juscelino, que fora telegrafista e oficial da
Força Pública de Minas, provinha da “low middle class”, filho de uma
professora e de um caixeiro-viajante morto aos 33 anos. Não pertencia,
pela atividade, nem pela formação, ao setor da sociedade
tradicionalmente ligado à velha aristocracia remanescente do Império. No
governo, fora o preenchimento de cargos que exigiam conhecimento
jurídico, Juscelino buscou realizadores, preferindo a presença de
engenheiros e pragmáticos. Isso exacerbou o ódio da UDN. Seus líderes
eram quase todos bacharéis – com a notória exceção do jornalista Carlos
Lacerda. O temor de perder seu poder na sociedade nacional se expressava
no ódio contra a coligação PSD-PTB, aliança das classes médias urbanas
com os trabalhadores e os empresários nacionalistas – a chamada
burguesia nacional. Tratava-se de um movimento de forças modernizadoras.
O bacharelismo delirante desses líderes mereceu de Afonso Arinos filho,
então jovem diplomata - que rompera com Lacerda - a ferina observação
de que “a UDN pensa que o povo come hábeas corpus”. A UDN, que não podia
confessar que combatia Juscelino por estar rompendo o poder das
oligarquias, acusava, pela imprensa, o presidente de ser o “Pé de
Valsa”, o corrupto e corruptor, o irresponsável construtor de Brasília, o
esbanjador dos recursos públicos.
Quando, enfim, os bacharéis mais reacionários ocuparam o
poder com os militares, coube-lhes encontrar as fórmulas jurídicas para
defender o estupro do Estado de Direito. Totalitários por sua natureza,
Carlos Medeiros da Silva e Francisco Campos, antigo fundador da
corporação fascista “Legião de Outubro”, e redator solitário da
Constituição de 1937, redigiram o Ato Institucional, em que se valiam do
argumento absoluto da força. Em sua visão do Direito, a Revolução (na
verdade apenas um golpe militar clássico) se legitimava por si mesma, ou
seja, pela sua vitória sem combate. Outros juristas, como Gama e Silva e
Alfredo Buzaid dariam seu aval à Ditadura. Esses fatos servem para
realçar a corajosa resistência democrática de tantos outros grandes
advogados, alguns até mesmo de origem oligárquica, como Victor Nunes
Leal e Evandro Lins e Silva, perseguidos sistematicamente pelo Poder. A
partir de certo momento, os advogados, em sua maioria, decidiram partir
para a resistência. A bomba contra a OAB atesta essa bravura.
O “corrupto” Juscelino sofreu todas as perseguições
conhecidas. Foi humilhado por um interrogatório movido por oficiais
inferiores. Reproduzia-se, de alguma forma, o que pretenderam os
golpistas contra Getúlio, ao instaurar Inquérito Policial Militar em uma
dependência da Força Aérea: a fim de o interrogar, julgar e condenar o
Presidente - também sob o pretexto da corrupção – com o aplauso da UDN
dos bacharéis. Getúlio os venceu, ao denunciá-los em sua Carta
Testamento e na corajosa decisão de deixar a vida. E tanto os venceu que
seu sucessor, Juscelino, retomou seu Projeto Nacional.
Hoje, o cerco é contra o presidente Lula. A imprensa,
de modo geral, se soma aos bacharéis da velha UDN, que trocou de nome,
mas não de alma. O desvario da chamada “opinião publicada” chega aos
limites da insânia: o Procurador Geral da República entrou no clima
geral. Na realidade – e se trata também de um crime, que deve ser
combatido – houve o uso de recursos do chamado Caixa Dois. Esse é um
velho mal do sistema político brasileiro e de outros sistemas (o caso
norte-americano é exemplar). Se formos andar para trás, chegaremos a
Mauá e ao financiamento que sempre fez aos candidatos da Monarquia, da
qual – não obstante seus conhecidos méritos – foi sócio privilegiado.
A oposição tem várias faces, e uma muito nítida, a de
Tartufo. Se seus líderes, que dominam a maioria do Parlamento,
estivessem interessados em moralizar o processo eleitoral, teriam
proibido taxativamente o uso de caixa-dois e das doações clandestinas às
campanhas e teria imposto um teto às doações registradas. Como no velho
exemplo de Lampedusa, mudou-se tudo, para tudo continuar no mesmo. E
para confirmar essa postura, o Senador Artur Virgílio reconhece ( uma
vez que os tucanos foram apanhados com o bico na gamela) que o uso do
caixa-dois é corriqueiro nas campanhas eleitorais.
Mais uma vez – e vale voltar à Carta-Testamento de
Vargas -, os golpistas se reúnem. Eles só admitem crescimento econômico
para o próprio desfrute. Quando um governo começa a distribuir renda,
como no sistema escandinavo, a fim de sustentar um tímido “welfare
state”, como faz Lula com o Bolsa-Família, contra ele se reúnem
bacharéis e banqueiros, políticos, jornalistas e inocentes úteis.
A diferença é que, desta vez, não podem contar com os
quartéis. Os militares se encontram vacinados contra a interferência no
processo político, e se preocupam muito mais com a defesa da soberania
nacional sobre o território brasileiro. Dessa forma, podem esquecer o
apelo ao golpe, seja parlamentar, com o pretendido impeachment, seja por
outros meios, como a infiltração de agentes provocadores nos movimentos
populares, como já está ocorrendo.
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