"A esquerda não tem tempo para ficar com pena de si própria"
Na primeira entrevista desde que o seu nome foi anunciado para encabeçar a lista do Bloco às eleições europeias de junho, Catarina Martins fala também ao Público da situação política nacional saída das legislativas de 10 de março. E diz subscrever a leitura do líder do PS na noite eleitoral, pois "a direita ganhou e essa é uma realidade com que temos de lidar". O importante agora, sublinha, é fazer "todas as alianças para tapar um máximo de caminho à extrema-direita". E o que não ajuda é "que a esquerda esteja embrulhada neste discurso de aritméticas que ninguém percebe, em vez de estar a organizar um discurso sobre o que é o futuro, qual é o caminho que vai fazer enquanto oposição".
Sobre o futuro imediato, Catarina diz que é preciso conhecer o programa de Governo a apresentar por Montenegro, pois "a medida do que for o programa da direita também nos dirá muito sobre se o 'não' é não ou nem por isso". E também será necessário olhar para o crescimento da extrema-direita, tanto para perceber esse crescimento como para preparar a resposta da esquerda. E fazê-lo retirando ensinamentos do que aconteceu em Espanha, onde foi possível afastar o Vox do governo apesar de todas as previsões que apontavam o contrário, ou para França, onde a aliança do NUPES deu força a uma alternativa à polarização entre Macron e Le Pen. "Estamos num momento em que é preciso essa reflexão vasta", aponta a ex-coordenadora bloquista.
"Ou há uma maioria popular que compreende a transição climática ou não será feita"
Para a campanha eleitoral que se aproxima, Catarina vai defender "um projeto europeu novo que seja mais do que dizer que vamos manter tudo como está e que não gostamos da extrema-direita". Um projeto "que possa popularizar a democracia" e "em que as pessoas possam acreditar", o que não acontece com o atual projeto "vazio" que nada diz aos povos e só tem contribuído para alimentar a extrema-direita.
E isso passa por um projeto de transição climática justa e que seja compreendido pela maioria da população, pois "ou há uma maioria popular que compreende a transição ou não será feita". Em vez de "impostos verdes" injustos e que sobrecarregam as pessoas, Catarina diz que é preciso "ir à luta" contra a concentração da riqueza e pela distribuição de rendimento que possa "criar empregos para o clima, mudar o território, a mobilidade, a habitação".
Questionada sobre a perspetiva do crescimento da direita e extrema-direita no Parlamento Europeu, que podem pôr em causa matérias como o pacto ecológico e o de migrações, Catarina Martins responde que "a esquerda não tem tempo para ficar com pena de si própria, deve agir e ir à disputa". Sobre o atual pacto ecológico europeu, considera que apesar das boas intenções anunciadas, "tem poucas políticas para disputar uma maioria social para a transição". E reafirma também a oposição do Bloco ao pacto das migrações, que considera "absolutamente inaceitável" e desrespeitador dos direitos humanos, propondo em alternativa alterar o regulamento de Dublin "para que os países que têm entrada direta não sejam os responsáveis pelos refugiados e migrantes que entram, mas haja uma distribuição solidária na Europa, com políticas de integração". A conclusão a tirar para a esquerda é que "não estará a fazer o seu trabalho" se não for capaz de "lançar alianças vastas" e ao mesmo tempo ser determinada em matérias fundamentais como "a climática, os direitos humanos, o contrato social da Europa".
“Quem acreditou na bondade democrática da NATO, ouça Donald Trump”
Com a guerra na Ucrânia, a política de defesa europeia estará no topo da agenda dos temas de campanha. Para Catarina, isso não implica que a esquerda vá baixar o tom das críticas à NATO ou ao rumo seguido pela União Europeia. "Esta ideia euro ingénua de que Portugal deve ser completamente submisso, não ter projeto e que as forças políticas não devem debater é errada", aponta. E aos que acreditaram "numa espécie de bondade democrática da NATO", recomenda que "ouçam Donald Trump". "Tem algum sentido escolher entre o projeto czarista de Putin ou o projeto imperialista de Trump, quando, ainda por cima, podem vir a ser o mesmo e a Europa não tem nenhuma capacidade que a proteja das questões da guerra e da energia?", questiona, defendendo que a Europa tem de começar a debater "formas de cooperação que dêem autonomia e segurança verdadeira".
Outra das críticas que o Bloco promete manter é em relação às regras da governação económica da União Europeia que "estão objetivamente a destruir os serviços públicos na Europa", incluindo a recente revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento que veio dar mais poder à Comissão para impor regras e sanções aos países. "Considerar-se que a despesa estrutural é um mal em si mesmo e que se pode ter a despesa dita pontual, que se repete todos os anos e faz com que haja uma enorme ineficiência na forma como se gasta dinheiro público, é um problema", aponta Catarina Martins, dando o exemplo da despesa com tarefeiros e horas extraordinárias no SNS, que ultrapassa a dos salários dos médicos para evitar essa despesa estrutural. A falta de controlo democrático sobre o Banco Central Europeu, que face a uma inflação provocada pela oferta decidiu subir os juros e agravar a crise social, é outro dos debates que o Bloco quer trazer a esta eleição.
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