quinta-feira, 21 de março de 2024

"A esquerda não tem tempo para ficar com pena de si própria.

 


"A esquerda não tem tempo para ficar com pena de si própria"

Em entrevista ao Público, a cabeça de lista do Bloco ao Parlamento Europeu defende um novo projeto europeu "que seja mais do que dizer que vamos manter tudo como está e que não gostamos da extrema-direita".
Catarina Martins
Catarina Martins. Foto de Ana Mendes.

Na primeira entrevista(link is external) desde que o seu nome foi anunciado para encabeçar a lista do Bloco às eleições europeias de junho, Catarina Martins fala também(link is external) ao Público da situação política nacional saída das legislativas de 10 de março. E diz subscrever a leitura do líder do PS na noite eleitoral, pois "a direita ganhou e essa é uma realidade com que temos de lidar". O importante agora, sublinha, é fazer "todas as alianças para tapar um máximo de caminho à extrema-direita". E o que não ajuda é "que a esquerda esteja embrulhada neste discurso de aritméticas que ninguém percebe, em vez de estar a organizar um discurso sobre o que é o futuro, qual é o caminho que vai fazer enquanto oposição".

Sobre o futuro imediato, Catarina diz que é preciso conhecer o programa de Governo a apresentar por Montenegro, pois "a medida do que for o programa da direita também nos dirá muito sobre se o 'não' é não ou nem por isso". E também será necessário olhar para o crescimento da extrema-direita, tanto para perceber esse crescimento como para preparar a resposta da esquerda. E fazê-lo retirando ensinamentos do que aconteceu em Espanha, onde foi possível afastar o Vox do governo apesar de todas as previsões que apontavam o contrário, ou para França, onde a aliança do NUPES deu força a uma alternativa à polarização entre Macron e Le Pen. "Estamos num momento em que é preciso essa reflexão vasta", aponta a ex-coordenadora bloquista.

"Ou há uma maioria popular que compreende a transição climática ou não será feita"

Para a campanha eleitoral que se aproxima, Catarina  vai defender "um projeto europeu novo que seja mais do que dizer que vamos manter tudo como está e que não gostamos da extrema-direita". Um projeto "que possa popularizar a democracia" e "em que as pessoas possam acreditar", o que não acontece com o atual projeto "vazio" que nada diz aos povos e só tem contribuído para alimentar a extrema-direita.

E isso passa por um projeto de transição climática  justa e que seja compreendido pela maioria da população, pois "ou há uma maioria popular que compreende a transição ou não será feita". Em vez de "impostos verdes" injustos e que sobrecarregam as pessoas, Catarina diz que é preciso "ir à luta" contra a concentração da riqueza e pela distribuição de rendimento que possa "criar empregos para o clima, mudar o território, a mobilidade, a habitação".

Questionada sobre a perspetiva do crescimento da direita e extrema-direita no Parlamento Europeu, que podem pôr em causa matérias como o pacto ecológico e o de migrações, Catarina Martins responde que "a esquerda não tem tempo para ficar com pena de si própria, deve agir e ir à disputa". Sobre o atual pacto ecológico europeu, considera que apesar das boas intenções anunciadas, "tem poucas políticas para disputar uma maioria social para a transição". E reafirma também a oposição do Bloco ao pacto das migrações, que considera "absolutamente inaceitável" e desrespeitador dos direitos humanos, propondo em alternativa alterar o regulamento de Dublin "para que os países que têm entrada direta não sejam os responsáveis pelos refugiados e migrantes que entram, mas haja uma distribuição solidária na Europa, com políticas de integração". A conclusão a tirar para a esquerda é que "não estará a fazer o seu trabalho" se não for capaz de "lançar alianças vastas" e ao mesmo tempo ser determinada em matérias fundamentais como "a climática, os direitos humanos, o contrato social da Europa".

“Quem acreditou na bondade democrática da NATO, ouça Donald Trump”

Com a guerra na Ucrânia, a política de defesa europeia estará no topo da agenda dos temas de campanha. Para Catarina, isso não implica que a esquerda vá baixar o tom das críticas à NATO ou ao rumo seguido pela União Europeia. "Esta ideia euro ingénua de que Portugal deve ser completamente submisso, não ter projeto e que as forças políticas não devem debater é errada", aponta. E aos que acreditaram "numa espécie de bondade democrática da NATO", recomenda que "ouçam Donald Trump". "Tem algum sentido escolher entre o projeto czarista de Putin ou o projeto imperialista de Trump, quando, ainda por cima, podem vir a ser o mesmo e a Europa não tem nenhuma capacidade que a proteja das questões da guerra e da energia?", questiona, defendendo que a Europa tem de começar a debater "formas de cooperação que dêem autonomia e segurança verdadeira".

Outra das críticas que o Bloco promete manter é em relação às regras da governação económica da União Europeia que "estão objetivamente a destruir os serviços públicos na Europa", incluindo a recente revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento que veio dar mais poder à Comissão para impor regras e sanções aos países. "Considerar-se que a despesa estrutural é um mal em si mesmo e que se pode ter a despesa dita pontual, que se repete todos os anos e faz com que haja uma enorme ineficiência na forma como se gasta dinheiro público, é um problema", aponta Catarina Martins, dando o exemplo da despesa com tarefeiros e horas extraordinárias no SNS, que ultrapassa a dos salários dos médicos para evitar essa despesa estrutural. A falta de controlo democrático sobre o Banco Central Europeu, que face a uma inflação provocada pela oferta decidiu subir os juros e agravar a crise social, é outro dos debates que o Bloco quer trazer a esta eleição.

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