terça-feira, 26 de março de 2024

Dividendos da Petrobras

 

AEPET diz que pagamento de dividendos da Petrobrás é insustentável

Entrevista de Felipe Coutinho ao Petronotícias

Publicado em 25/03/2024
Edifício Sede (EDISE) - Petrobrás
Foto: Flavio Emanuel / Agência Petrobras

O pagamento de dividendos da Petrobrás volta a ganhar destaque e deve movimentar o noticiário nesta nova semana. Isso porque a companhia confirmou, já no final da semana passada, que irá propor o repasse apenas dos dividendos ordinários aos seus acionistas na próxima Assembleia Geral Ordinária (AGO), agendada para 25 de abril. A decisão sobre os dividendos extraordinários ficará para outro momento. Esse é um tema que pode mexer com o humor do mercado nos próximos dias, deixando investidores torcendo o nariz. Mas não é apenas o mercado financeiro que anda aborrecido com a questão. Em uma outra ponta da arena de ideias do setor de óleo e gás, a Associação de Engenheiros da Petrobrás (AEPET) acha que, na verdade, a petroleira está pagando níveis “insustentáveis” de dividendos. Para o presidente da associação, Felipe Coutinho, essa política pode prejudicar o futuro da empresa. Ele afirma que, em 2023, a Petrobrás teve uma receita menor do que a de outras cinco grandes petroleiras, mas ainda assim fez o maior volume de pagamentos de dividendos do grupo. “A relação entre os dividendos pagos e os investimentos líquidos demonstram, de forma cabal, como as políticas da alta direção da Petrobrás são discrepantes em relação a gestão das grandes petrolíferas mundiais“, afirmou Coutinho. O presidente da AEPET ainda alerta que essa política coloca em xeque os investimentos futuros da companhia e revela que o volume de recursos aplicados em 2023 pela Petrobrás foi 60% menor em relação à média histórica. Por fim, Coutinho critica a “financeirização” de petroleiras. “Os especuladores do sistema financeiro são parasitários e seus interesses são incompatíveis com a gestão e operação industrial, muito menos com os objetivos típicos de uma companhia industrial e estatal“, declarou.

Receba os destaques do dia por e-mail

Cadastre-se no AEPET Direto para receber os principais conteúdos publicados em nosso site.
Ao clicar em “Cadastrar” você aceita receber nossos e-mails e concorda com a nossa política de privacidade.

Para começar, gostaria que compartilhasse conosco a avaliação da AEPET sobre o caso do não pagamento de dividendos extraordinários da Petrobrás, tendo em vista que esses recursos retidos não devem ser usados para investimentos, por exemplo. Na prática, ao seu ver, a medida não representa uma mudança de postura da direção da companhia?

As políticas de baixo investimento e elevada distribuição de dividendos não mudaram, houve apenas a decisão de não distribuir os dividendos extraordinários e constituir um fundo cujos recursos podem ser distribuídos no futuro.

A redução dos investimentos foi o principal fator que possibilitou pagamentos de dividendos altos e insustentáveis pelas direções da Petrobrás em 2021 e 2022.

A mesma política continua acontecendo na Petrobrás até o fim de 2023, investimentos muito baixos possibilitaram pagamento alto e insustentável de dividendos.

A Petrobrás passou por uma troca de gestão no início de 2023, afirmando que faria uma mudança de rumo na companhia. Contudo, levantamento da própria AEPET aponta que os investimentos continuam baixos. Quais seriam as consequências para a empresa caso esse cenário persistir?

A razão média entre os dividendos pagos e o investimento líquido no resultado consolidado de 2023 foi de 232,63%, enquanto entre 2005 e 2020 foi de 12,7%, em termos médios. Ou seja, a relação entre o pagamento de dividendos e o investimento líquido em 2023 foi 18 vezes mais alta se comparada com a média de 2005 a 2020.

Na comparação com os resultados da ExxonMobil, Shell, Total, BP e Chevron, em 2023 a Petrobrás, apesar de ter a menor receita entre as seis empresas, pagou o maior montante em dividendos. Além disso, foi a petrolífera que realizou o menor investimento líquido, sendo de apenas 51% em relação à média das demais.

A relação entre os dividendos pagos e os investimentos líquidos demonstram, de forma cabal, como as políticas da alta direção da Petrobrás são discrepantes em relação a gestão das grandes petrolíferas mundiais. A relação da Petrobrás foi 4,2 vezes superior à média praticada pelas outras petrolíferas.

Os lucros e dividendos distribuídos hoje, são resultados dos investimentos realizados no passado. É evidente que elevar a distribuição dos dividendos, em detrimento dos investimentos, comprometerá o resultado futuro.

A AEPET alega que o pagamento de dividendos continua alto na atual gestão da Petrobrás. Ao seu ver, é possível reduzir os dividendos, ainda que para níveis atraentes para os agentes do mercado financeiro, e ao mesmo tempo aumentar os níveis de investimentos? Ou seja: é possível agradar “gregos e troianos”?

Os especuladores do mercado financeiro querem o máximo pagamento de dividendos no curtíssimo prazo. Não tem compromisso com o futuro da Petrobrás, muito menos com o desenvolvimento nacional. Os especuladores do sistema financeiro são parasitários e seus interesses são incompatíveis com a gestão e operação industrial, muito menos com os objetivos típicos de uma companhia industrial e estatal.

Como as outras petroleiras internacionais estão lidando com esse “embate” entre investimentos e dividendos?

As contradições decorrentes da financeirização das maiores petrolíferas com ações negociadas em bolsa acontecem há décadas. Por isso perderam espaço para as estatais entre as maiores petrolíferas do mundo.

Apesar disso, desde 2021, as direções da Petrobrás foram ainda mais longe na redução dos investimentos para distribuição insustentável de elevadíssimos dividendos.

Por fim, a Petrobrás terá uma série de novos investimentos no futuro, tais como obras em refinarias, novas energias e exploração de novas fronteiras de petróleo. O alto pagamento de dividendos pode atrapalhar os níveis de investimentos nesses projetos? Pode também forçar a companhia a buscar o endividamento?

O investimento realizado em 2023 e o planejado para os próximos anos são relativamente baixos se comparados com o histórico da Petrobrás.

O investimento líquido realizado em 2023 foi de US$ 8,7 bilhões, é cerca de 60% menor se comparado à média histórica dos investimentos da Petrobrás, entre 1965 e 2020, de cerca de US$ 22 bilhões por ano, e 84% menor se comparado com o investimento médio anual, entre 2009 e 2014, de US$ 53 bilhões em valores atualizados.

Nenhum comentário: