ARTIGOS OPINIÃO ESQUERDA / JOANA MORTÁGUA / LIVRA-TE DO MEDO
Livra-te do medo
“Livra-te do medo que bem cedo há-de o sol queimar”. Coro Da Primavera, Zeca Afonso.
A direita ganhou e a extrema-direita está mais forte. Isso abre portas a retrocessos na igualdade, nos direitos laborais, nos serviços públicos, sabemo-lo por experiência e pela literatura. Mas estes recuos não são fatalismos que estamos condenados a aceitar, podem ser travados. E é por isso que o Bloco será a oposição mais combativa à direita. Não aceitamos recuar.
Obrigada a quem fez esta calorosa campanha, em particular aqui no distrito de Setúbal. Muito território, muitos temas, muitos rostos, muito tempo. Não faltámos a nada.
Obrigada a quem deu convicção ao seu voto no Bloco. Num contexto de viragem à direita, o Bloco resistiu e aumentou a sua votação. Manteve-se firme e manteve todos os mandatos, inclusive em Setúbal, onde teve o seu melhor resultado percentual. Sou suspeita, claro, mas este distrito é outro nível.
Breves notas de balanço: Registo o descontentamento do país com a desvalorização dos salários, a degradação dos serviços públicos e o sufoco do futuro sentido pelos jovens – a herança da governação de António Costa. O PS agarrou-se ao legado dos últimos dois anos, incapaz de autocrítica, lamuriando-se com a inflação, com a guerra, com a pandemia, como se o aprofundamento das desigualdades no país fosse uma inevitabilidade, culpa de tudo menos do próprio Governo. O resultado é a confirmação da viragem à direita que já vinha anunciada pelos ventos europeus.
É certo que o crescimento da Esquerda tem um significado reduzido perante a onda da extrema-direita. A glorificação do individualismo selvagem, a exaltação do nacionalismo reacionário, o descrédito nas democracias e o racismo e a xenofobia gritantes são réplicas da tendência da extrema-direita internacional. O Chega – levado ao colo pelo financiamento (ainda não clarificado) das elites económicas, interesses privados e negócios imobiliários – cresce das crises do capitalismo, do saudosismo e das narrativas populistas de guerra cultural, tão férteis nas redes sociais da desinformação e do imediatismo.
Não nos enganemos – não tentemos apaziguar a extrema-direita. Só uma resposta social de fundo poderá travar a onda reacionária, sobretudo junto da juventude, encoberta no desespero de não terem perspetivas de vida. A Esquerda e os movimentos sociais serão o travão ao cavar da base de apoio do governo de direita que procurará ser derrubado neste contexto de ingovernabiliade e caçar uma maioria absoluta. Não permitiremos ensaios de compatibilidade e absorções com o Chega. Seremos oposição convicta ao projeto ruinoso da direita.
Enchemos as ruas de roxo no 8 de março, à chuva, mas destemidas. A história do Bloco é a história de 25 anos de lutas das mulheres pela segurança, pelo direito a decidir, pelo reconhecimento de todo o trabalho. Da incansável luta contra a insegurança da desigualdade de género e da violência doméstica. Da denúncia constante da falta de representatividade e da desigualdade salarial. Esta campanha também foi sobre o aborto. Cá estamos para enfrentar os obstáculos que hoje se verificam no acesso à IVG no SNS – para que nenhuma mulher do interior, para que nenhuma mulher pobre seja impedida de aceder à IVG.
Pusemos a periferia no centro. Porque o distrito de Setúbal é grande e diverso e representa um património natural, económico e cultural valioso para o nosso país. Não deixámos que se esquecessem as promessas repetidas do alargamento do Metro Sul do Tejo, do novo edifício do Centro Hospitalar de Setúbal, da Escola com 2º e 3º Ciclo e Secundária de Fernão Ferro, da 3ª travessia do Tejo com ligação ferroviária. Voltámos a pugnar pela inclusão da travessia fluvial Setúbal-Tróia no passe navegante.
Fomos a força implacável contra o assalto a Tróia, alvo dos inúmeros projetos turístico-imobiliários de luxo que estão a destruir a última linha de costa selvagem do país. Somos a voz que sabe dizer não aos projetos PIN, dizer não a projetos que não interessam ao país, que exploram as pessoas e os recursos. A criação de um mundo de super-ricos é feita à custa do ambiente e do direito à habitação. O país e o distrito não estão à venda.
Na Autoeuropa, colocámos os mais de 800 mil trabalhadores por turnos no centro do debate do trabalho. Mecanismos de contratação coletiva, acesso à reforma antecipada sem penalizações, 2 fins de semana de descanso por cada 6 semanas de trabalho, 24 horas de descanso a cada mudança de turno, subsídio para todos trabalhadores por turnos, combate à precariedade, eliminação do alargamento da duração do período experimental no 1º emprego.
Não lhe demos descanso. Não lhes vamos dar descanso por limites às rendas, juros mais baixos, salários dignos, 35 horas para todos, semana de quatro dias, direitos para quem trabalha por turnos, defesa da Escola Pública e do SNS, pela autodeterminação dos povos. Porque o combate por uma vida boa é a razão do nosso ser.
Estamos aqui para travar o retrocesso e o conservadorismo. Mas também para construir um projeto de esperança, um alento para a luta popular, uma esquerda grande que abra caminhos. Lançámos o apelo à convergência da esquerda para falar sobre o futuro e preparar o mais belo e gigante 25 de Abril.
E vêm daí as eleições europeias – arregacem as mangas que temos um grande debate a fazer sobre a ideia da Europa que queremos: contra o cemitério do Mediterrâneo, pela transição energética, no combate ao ódio, sem o Tratado Orçamental que asfixia o investimento público e a soberania dos Estados. Vamos defender uma Europa democrática.
À boleia de outra melodia do Zeca, deixo um apelo: contra o medo, unimo-nos. Este é o momento de te juntares ao Bloco – e traz outro amigo também. Há um lugar aqui para vocês.
Não estamos sozinhos. Vamos fazer a luta toda. Contigo.
Artigo publicado em “O Setubalense” a 20 de março de 2024
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