19 Março 2024
O fundador da Open Arms participou na operação que permitiu a entrega de 200 toneladas de ajuda por via marítima. “Traremos mais 400”.
A entrevista é de Alessia Candito, publicada por Repubblica, 19-03-2024.
“Diante de dois milhões de pessoas famintas, decidimos ajudar. E continuaremos a fazê-lo. Já estamos preparando mais uma carga de 400 toneladas de alimentos”.
Oscar Camps, fundador da Open Arms, regressou recentemente ao porto cipriota de Larnaca, depois de ter entregue por mar o primeiro carregamento de ajuda que chegou ao norte de Gaza, onde continuam os ataques israelenses até a hospitais e nem sequer os comboios humanitários conseguem chegar. Segundo ele, “a situação é inimaginável”. Juntamente com colegas da mesma ONG, ele também quis estar a bordo do navio “para uma das missões mais arriscadas de sempre, até o último momento com riscos de fracassar”.
Eis a entrevista.
Como surgiu esta iniciativa?
No fim de dezembro recebi um telefonema de José Andrés, chef da World Central Kitchen. Na véspera, 20 de dezembro, o ministro israelense dos Negócios Estrangeiros, Eli Cohen, em visita a Chipre, anunciara que seria inaugurado um corredor humanitário marítimo para Gaza a partir do porto de Larnaca. Dissemos: “vamos fazer alguma coisa”. E começamos a trabalhar.
Por que abrir um corredor marítimo se existem rotas terrestres?
O Open Arms não tem caminhão, tem navio. E face à catástrofe atual creio que não só é desejável, mas também necessário utilizar todos os meios disponíveis para levar ajuda: caminhões, aviões, navios. Há mais de dois milhões de pessoas morrendo de fome.
Há quem conteste que é uma forma muito cara e ineficaz.
Se realmente quisermos, na realidade a maior parte do comércio mundial ocorre por via marítima. Mas a questão central aqui é levar ajuda, por qualquer meio, a toda uma população que dela necessita. Acredito que todos têm a obrigação moral de fazer o que for necessário. As travessias funcionam aos trancos e barrancos, existe um corredor marítimo, vamos aproveitar. Israel certamente não precisa do Open Arms para fazer o que quer.
É uma solução?
Estamos cientes de que isso é uma parte dela. A única solução é um cessar-fogo, a cessação da venda de armas a Israel para pôr fim a esta ofensiva e a abertura de todas as rotas de acesso a Gaza, por terra, por mar, por ar. Trabalhamos pela paz, entretanto é urgente fazer alguma coisa. Mesmo no Mediterrâneo caberia à União Europeia garantir uma missão de resgate, mas não há nenhuma. Então, o que estamos fazendo? Deixamos as pessoas morrerem ou tentamos fazer o que podemos com os nossos meios? Graças a essa expedição, hoje na Cidade de Gaza há pessoas comendo uma refeição quente.
Foi complicado organizar a missão?
Tivemos que pedir autorizações e passar por inspeções em Chipre, passamos semanas em Larnaca à espera. O trabalho diplomático foi feito pela World Central Kitchen que conta com 300 pessoas trabalhando dentro da Faixa. E eles também foram bombardeados. A ONG de José Andrés trabalhou com os Emirados, Jordânia e Chipre até a chegada das licenças de Israel. Mas até o fim a missão corria o risco de fracassar.
Por que razão?
Quando chegamos perto de Gaza recebemos uma comunicação dos militares israelenses: "De agora em diante você prossegue sob sua própria responsabilidade". Em outras palavras, estavam dizendo: "Não podemos garantir sua segurança". De longe podíamos ver o bombardeio em andamento. Tivemos uma breve reunião e decidimos continuar. Entregar essa comida era uma prioridade.
O que você viu quando o Open Arms se aproximou de Gaza?
Uma catástrofe difícil de descrever. Está tudo em escombros. Enquanto descarregávamos as caixas, vimos alguns aviões lançando ajuda e outros lançando bombas, colunas de fumaça subindo, podíamos ouvir os estrondos das explosões.
Que impressão isso causou em você?
Não nos foi permitido descer dos barcos, só conseguimos empurrar a jangada até o cais que a World Central Kitchen construiu em cinco dias. Acho que nem é possível imaginar o que significa viver lá. As pessoas agora comem ração animal e capim dos campos para se alimentarem. Por isso reitero: existe um corredor humanitário marítimo aberto, não é a solução ótima, mas vamos utilizá-lo. Vamos discutir mais tarde.
Um desejo?
“O porto de Larnaca deverá ser o ponto de partida de centenas de navios carregados de ajuda. O único problema é logístico porque o fundo do mar é raso e não há porto, mas se nós, que não contamos para nada e temos um navio com cinquenta anos, conseguirmos contornar, certamente as maiores e mais importantes organizações o poderão também.
Leia mais
- Na Faixa de Gaza, Israel assume a estratégia da fome
- A fome “iminente” em Gaza: como chegamos a isso?
- A tragédia de Gaza, isto é um genocídio
- Faixa de Gaza isolada. Entrevista com Danilo Feliciangeli
- A fome “iminente” em Gaza: como chegamos a isso?
- Recém-nascidos começam a morrer de fome em Gaza. X - Tuitadas
- Gaza. Depois de cinco meses o acordo ainda não foi acertado. Caritas: sem trégua não haverá mais comida
- Um sonho para Jerusalém. Artigo de Raniero La Valle
- “Morre-se de fome na Faixa. Netanyahu aniquila os palestinos”
- “O mundo inteiro faz parte deste crime ao apoiar o genocídio e a limpeza étnica na Palestina”
- Gaza. O Ramadã mais triste, sem imãs e autoridades que nos digam quais os preceitos que teremos de seguir
- “Na Faixa estão morrendo de fome e Netanyahu é o responsável”. Entrevista com Philippe Lazzarini
- Enquanto isso, morre-se em Gaza. Artigo de Tonio Dell'Olio
- De Gaza à terra indígena Yanomami, os genocídios de nosso tempo. Destaques da Semana no IHU Cast
- Gaza, a humanidade possível. Artigo de Selma Dabbagh
- ‘‘Podemos viver juntos’’: Um médico palestino e ativista político sobre Gaza, um cessar-fogo e o futuro de Israel-Palestina
- Gaza. “Nunca tínhamos visto uma população civil passar tanta fome, de forma tão rápida e absoluta”
- Guerra em Gaza: o que diz o direito internacional sobre o deslocamento de pessoas?
- ONU: Gaza “não é mais um lugar habitável” e só resta “miséria e dor”
- Genocídios e a sanha de poderosos que nutre 'tempos perigosos'. Destaques da Semana no IHU
- Os EUA bloqueiam a condenação de Israel no Conselho de Segurança da ONU pelo massacre de civis famintos
- Gaza, assim os refugiados estão morrendo de fome. Artigo de Francesca Mannocchi
- “Sem comida, sem água”: autoridades humanitárias acham que existem bolsões de fome em Gaza
- Sobrevivendo em Rafah
- O ataque de Israel a Gaza é diferente de qualquer outra guerra na história recente
Nenhum comentário:
Postar um comentário