Publicado no blog Correio da Cidadania
A gritaria conservadora contra a demarcação contínua de Raposa Serra do Sol ganhou tons envergonhados de uma nação que ainda não conseguiu sequer garantir saúde aos seus povos originais. Intelectuais, políticos e militares, todos se perfilam ao lado do Brasil e posicionam os povos indígenas e seus defensores do outro lado da fronteira.
Aqueles que defendem a demarcação em ilhas de Raposa Serra do Sol são patriotas e estão defendendo a soberania nacional. Aqueles que defendem a demarcação contínua são apátridas e estão a serviço de alguma potência estrangeira. Nunca ouvi tanta bobagem ao mesmo tempo!
Todos sabem que há outras reservas indígenas em terras contínuas, em fronteiras, como é o caso da Cabeça de Cachorro, no Amazonas. E isso não impede a presença do exército, do Estado e de todas as suas instituições.
Dizer que os militares não podem fiscalizar as fronteiras, por causa das terras indígenas, é atentar contra o raciocínio do povo brasileiro. Um sofisma criminoso de políticos e empresários que vêem as reservas indígenas como barreiras poderosas de contenção do avanço do agronegócio. Eles só não têm coragem de dizer isso ao povo.
Por isso inventam essa estória estereotipada de ameaça à soberania nacional e utilização dos índios como massa de manobra de interesses estrangeiros. Chegam ao ridículo de comparar Raposa Serra do Sol a Kosovo ou a Santa Cruz na Bolívia.
Aqui a elite brasileira e seus ‘soberanos’ auxiliares se enrolam nos conteúdos de cada caso. Kosovo, ao se desgarrar da Sérvia que era Iugoslávia, cumpre um papel de ‘entreposto’ para a OTAN. Já Santa Cruz usa a bandeira da autonomia para golpear os avanços da revolução ecológica e indígena de Evo Morales.
Dizem ainda que queremos transformar o Brasil numa Bolívia, onde os povos indígenas comandam atualmente a política e dão fortes dores de cabeça aos velhos senhores de terra, de escravos índios e de toda má sorte que assolou aquela brava nação.
Aqui não passamos de avos em termos indígenas. Os números inteiros são brancos. Minoria das minorias, a população indígena brasileira amarga a ausência do Estado, da saúde, da educação, da proteção contra os madeireiros, os traficantes de drogas, os búfalos do agronegócio, os garimpeiros.
Falam que os índios têm muita terra e não se envergonham de defender meia dúzia de arrozeiros. Dizem que Raposa Serra do Sol é gigantesca e não informam que ela representa apenas 7% do território de Roraima. Quando criticam que os povos indígenas de Roraima ocupam 43% do território não têm a honestidade de lembrar que, há cem anos atrás, eles eram donos de 100% de toda a terra de lá.
Falam bobagens acerca da internacionalização da Amazônia, mas não ousam assumir que a Amazônia já está nas mãos do capital estrangeiro, nas mineradoras, nas grandes empresas multinacionais do agronegócio, nas incontáveis e gigantescas propriedades de estrangeiros e no total descontrole de nossas fronteiras, de nossa flora e de nossa fauna.
Sabem que a verdadeira internacionalização da Amazônia é executada todos os dias pelo agronegócio. Quem ofende nossos brios amazônicos e nossa soberania são devastadores como Blairo Maggi, Ivo Cassol et caterva, que esfolam, estupram, matam e não deixam nada debaixo de seus tratores.
Expulsam da terra o homem nativo, sufocam os rios, derrubam todas as árvores, concentram a riqueza, fazem o ar ficar podre, espantam os pássaros, amedrontam os índios. Cada árvore que cai é um miserável a mais nas favelas, nos presídios.
Tudo em nome do grande negócio, da riqueza, para que filho de governador possa vender carro contrabandeado e presidente de tribunal de justiça, aqui falo de Rondônia, possa enriquecer, fazendo negócio sujo com as suas sentenças.
Amazônia internacionalizada é Amazônia devastada, sem rios, ‘sojeada’, ‘encanada’, ‘boiada’, ‘eucaliptada’, sem reservas indígenas, extrativistas, sem recursos naturais em abundância. Amazônia internacionalizada é essa brutal e avassaladora biopirataria, biocanalhice de culpar os inocentes e dar sol aos culpados.
O que muita gente procura esconder é o verdadeiro conteúdo da existência de reservas indígenas. O que elas escondem dos olhos obscenos do homem branco. Os povos indígenas vivem em comunidade e a sua terra é coletiva, de propriedade do Estado. Isso dá arrepios aos donos do capital e da vida.
É que um modelo adverso, construído na ancestralidade, na resistência contra a morte e no verso, está sendo erguido sob o nariz fidalgo de uma elite que não suporta conviver com povos indígenas, quilombolas, extrativistas, favelados.
O que eles não dizem é que as terras indígenas são as únicas propriedades territoriais do Brasil que não estão sob o controle do mercado fundiário. O deus mercado não conseguiu erguer nenhum templo nas aldeias indígenas.
Assim, a opinião de um membro do STF, ao defender a demarcação em ilhas, fica com jeito de parecer jurídico de auditor agrário, como se fosse um demarcador de terras e não ministro do Supremo Tribunal Federal.
Moisés Diniz é deputado estadual pelo PC do B e líder do governo na Assembléia Legislativa do Acre
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