segunda-feira, 12 de maio de 2008

ARTIGO - Dilma, a companheira Stela.

Não concordo inteiramente com o que escreveu o jornalista Pedro Porfirio na Tribuna da Imprensa. Por exemplo, não acho que o Presidente Lula esteja operando nos bastidores a conclusão do projeto de ajustes prometido ao sistema internacional, que inclui o desmantelamento da legislação trabalhista, o enfraquecimento do Estado etc, como ele afirma no seu artigo. Pelo contrário, o Lula vetou o projeto que acabava com a obrigação do imposto sindical e, está fortalecendo o Estado como indutor do processo de desenvolvimento econômico.

"Esse troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser." (General Ernesto Geisel).

A sra. Dilma Vana Rousseff Linhares, nascida em 14 de dezembro de 1947, ministra da Casa Civil do governo Luiz Inácio Lula da Silva, não é a mesma "companheira Estela", que expôs a vida numa romântica luta armada que embalou os sonhos de uma geração disposta a derrubar a ditadura militar, sob influência da vitoriosa revolução cubana e das manifestações que varreram as ruas de todo o mundo em 1968. Aos 58 anos, a filha do engenheiro búlgaro Petar Rosseav, que emigrou para o Brasil nos anos 30, é hoje uma referência do poder. Tida como a única pedra do PT para a sucessão de Lula em 2010, já se comporta como aquela que poderá ser a primeira mulher a presidir a República do Brasil.Se ela fosse apenas uma carta para pavimentar a fórmula do terceiro mandato do sr. Luiz Inácio, ultrapassou esse papel por obra e graça do senador Agripino Maia, saído das entranhas da ditadura a que pretende renegar como o bando de maus-caracteres que se cevou naqueles idos e pendurou a conta exclusivamente nas costas dos militares.De comum acordo com seus colegas de bancada, representantes das oligarquias e da mediocridade, o senador achou que podia pegar Dilma pelo pé ao lembrar que ela mentiu para os seus torturadores nos 21 dias que passou debaixo de porrada. Foi aí que acabou prestando um grande serviço ao País. A resposta da ministra emocionou toda a sociedade, que tem uma dívida com todos os que sacrificaram sua juventude para enfrentar um regime de força, apoiado diretamente pela CIA e pelo sistema internacional.E que, protegido pelo arbítrio, pela censura e pela cumplicidade, enriqueceu as oligarquias, endividou o País até a medula, entupiu as estatais de oficiais - que ganhavam também como se estivessem na ativa - e fez tudo o que o sistema internacional mandava para saciar a volúpia de poder que devorou seus aliados civis de proa, como Ademar de Barros, Carlos Lacerda e o próprio Juscelino (que apoiou a "eleição" do general Castelo).Ser ou não serAo contrário do sr. Luiz Inácio, que surgiu no bojo da "distensão" como um antídoto aos comunistas e aos trabalhistas, Dilma Rousseff participou diretamente da resistência, em todos os seus momentos. E só começou a adaptar-se à cartilha do poder quando, à frente do Ministério de Minas e Energia, deu continuidade aos leilões das áreas petrolíferas, iniciados no governo FHC como forma de abrir nossas jazidas ao capital estrangeiro. Com o episódio do Senado, uma casa de grandes canastrões e raros legisladores, que conta no seu plantel milionário com suplentes sem voto, Dilma Rousseff entrou definitivamente na constelação shakespeariana da dúvida atroz.Para ser presidente da República de um país que chegará aos 200 milhões de habitantes em 2011, com toda essa potencialidade econômica explosiva e uma Amazônia rica e cobiçada, a ex-guerrilheira terá de enquadrar-se numa pauta de compromissos, a menos que o senador negro Barack Obama seja eleito presidente dos Estados Unidos e mantenha o seu propósito de mudança radical, que é a essência da catarse que poderá protagonizar.Eleita, ela poderá ser, à medida que a oposição de direita tem a cara de bolacha do senador Agripino Maia, rabo preso e uma folha corrida vulnerável. E a oposição de esquerda está inteiramente confinada em função de uma realidade em que ideológico é o que menos conta. Além de que esse "ideológico" não tem uma formatação consistente e coerente.É possível que, ao jogar Dilma no proscênio, Lula esteja em condições de operar nos bastidores a conclusão do projeto de "ajustes" prometido ao sistema internacional, que inclui o desmantelamento da legislação trabalhista, o enfraquecimento do Estado e das Forças Armadas, a sofisticada desnacionalização da Amazônia através da política de demarcação das terras indígenas iniciada pelo governo entreguista de Fernando Collor e o esvaziamento da Previdência Social pública.Vasectomia políticaDilma cumprirá um papel de inocente útil no grande jogo sujo do poder. Embora seja comprovadamente uma pessoa íntegra e a corrupção seja uma das manchas maiores do governo atual, como foi também dos anteriores (só que agora não há mais boca pequena), a pré-candidata é também "um chega pra lá" nos chamados petistas históricos, alguns dos quais, como José Dirceu e Gushiken, já perderam a cerimônia e ingressaram no rendoso mundo do lobismo.Isso tudo acontece porque as escolas da política verdadeira fecharam as portas, cedendo espaço a todo tipo de trampa e arrivismo.E porque o período obscurantista serviu como uma grande vasectomia política, tornando estéril a vida pública decente.Alguns dos meus leitores, pessoas inegavelmente sérias, padecem da síndrome da revanche dos tipos 1, 2 e 3. Como não têm coragem cívica de admitir que os porões do DOI-CODI, Cenimar e CISA foram transformados em sádicos centros de tortura e morte, odeiam todos os sobreviventes daquele período em que, como disse um dia o general Dale Coutinho, primeiro ministro do Exército de Geisel, "o Brasil começou a melhorar quando começamos a matar".Esses leitores estão ainda hoje chocados com o desempenho da sra. Dilma Rousseff e a visibilidade que ganhou por apontar com todas as letras e todos os detalhes as agruras de uma quase menina nas mãos de torturadores depravados, que, entre outras coisas, faziam questão de despir suas vítimas para que a violência física fosse recheada de traumas inesquecíveis.Independente de todo esse jogo pragmático de cartas marcadas, que desfigura a todos os que dispõem de qualquer nicho de poder, seja no Executivo, Legislativo ou no Judiciário, Dilma Rousseff entrou definitivamente para a lenda do respeito da cidadania, graças à firmeza com que desmascarou o ex-engenheiro da empreiteira EIT, que por essa condição e por rebento da oligarquia dos "Maias", entrou para a vida pública ao ganhar de presente, por nomeação, a Prefeitura de Natal.Como tudo pode acontecer, quem sabe, o Barack Obama possa ser presidente dos EUA e, por conseqüência, se ele não amarelar, possamos ter enfim um (ou uma) presidente no Brasil com sangue nas veias.

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