terça-feira, 10 de junho de 2008

AGRICULTURA - Os caubóis do agronegócio.

Quem são, afinal de contas, os personagens de proa na luta contra a política ambiental que o MMA tenta implementar? Muito se fala em Blairo Maggi, governador do Mato Grosso, mas essa articulação política é mais ampla, estendendo-se pelos 300 deputados da bancada ruralista na Câmara e por dezenas de senadores.

Na semana passada, o Dia Internacional do Meio Ambiente (5 de junho) foi celebrado oficialmente pelo governo com uma cerimônia no Palácio do Planalto à qual compareceram o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e diversos ministros. Com o ato, o governo procurou sinalizar a importância que dá à causa, mas o momento que o país atravessa em sua política ambiental é de grande incerteza. A aceleração do ritmo do desmatamento da Amazônia em níveis alarmantes já não pode ser negada por ninguém e, a isso, soma-se a expectativa, para os próximos meses, de aumento da pressão exercida pela expansão da produção de biocombustíveis (ainda que de forma indireta) sobre a floresta.No cenário político internacional, observa-se uma espécie de paralisia. As reuniões da ONU e da FAO sobre biossegurança, soberania alimentar e alternativas energéticas realizadas recentemente em Bonn e em Roma mostraram a falta de disposição política da maioria dos governos em resolver assuntos mais espinhosos. Sobre o desmatamento, bateu-se na já gasta tecla da “criação de mecanismos financeiros que façam a floresta ter maior valor econômico em pé do que derrubada”, mas quase nada se avançou na prática.Sobre os biocombustíveis, apesar do coro de críticas, a pressão dos Estados Unidos (e seu etanol de milho) acabou impedindo qualquer medida restritiva mais séria. Nesse quadro, o Brasil acabou ficando em boa posição, pois conseguiu colar a imagem de “bom etanol” - muito bem trabalhada pelo Itamaraty e pelo presidente Lula - no combustível obtido a partir da cana-de-açúcar. Sobre a alta mundial dos preços dos alimentos, os encontros multilaterais não resultaram em nada além de vagas recomendações aos governos, sem tocar em feridas como os subsídios agrícolas concedidos pelos países ricos aos seus agricultores ou a falência ambiental do modelo de produção baseado no agrobusiness.No plano interno da política brasileira, os setores que historicamente desprezaram e desprezam o meio ambiente vão bem, obrigado. Estão em franca ofensiva, no governo e no Congresso Nacional, para reverter algumas conquistas ambientais obtidas pelo país nos últimos cinco anos. Esses setores comemoraram a saída de Marina Silva do Ministério do Meio Ambiente (MMA), mas já perceberam que o novo ministro, Carlos Minc, resguardadas as diferenças de estilo com a antecessora, também tem um compromisso firme com a causa ambiental. Daí, o clima de disputa e incerteza que paira e pairará sobre a política ambiental brasileira nos dias que seguem.Mas quem, afinal de contas, são os personagens de proa na luta contra a política ambiental que o MMA tenta implementar? Muito se fala em Blairo Maggi, governador do Mato Grosso, mas essa articulação política é mais ampla, estendendo-se pelos 300 deputados da bancada ruralista na Câmara e por dezenas de senadores. Os interesses do agronegócio, que antes eram os interesses do latifúndio e agora são os interesses das grandes corporações transnacionais, são defendidos no parlamento por nomes históricos, como o deputado federal Ronaldo Caiado (DEM-GO), ou até mesmo por estranhos ao ninho, como o guri Rodrigo Maia (DEM-RJ) que, apesar da mãe chilena, foi criado na Zona Sul do Rio.Também têm atuação destacada na luta pelos interesses comuns ao agronegócio tupiniquim e às empresas transnacionais os senadores Kátia Abreu (DEM-GO) e Flexa Ribeiro (PSDB-PA). Ribeiro é o autor do famigerado Projeto de Lei 6424/05, batizado como “Floresta Zero” e que prevê, entre outras coisas, a redução de 80% para 50% da área de reserva legal nas propriedades privadas da Amazônia e a possibilidade de compensar o desmatamento em locais distantes da floresta. O senador paraense é uma das vozes que pressionou o presidente Lula a rever a portaria do Banco Central, elaborada em conjunto com o MMA, que prevê a suspensão do financiamento público aos proprietários rurais que estão desmatando a floresta.Essa pressão também é feita pela senadora Kátia Abreu. Ela acaba de apresentar no Senado o Projeto de Decreto Legislativo 13/08, que busca derrubar as principais medidas de combate ao desmatamento da Amazônia anunciadas pela então ministra Marina Silva e que contam também com o apoio do atual ministro, Carlos Minc. O projeto da senadora do DEM já está na pauta da Comissão de Constituição e Justiça do Senado e tem votação prevista para essa semana. Se aprovado, derrubará cinco artigos do Decreto 6.321, assinado por Lula em dezembro, entre eles o corte do crédito rural e o embargo da produção oriunda das áreas desmatadas. Para quem não se lembra, Kátia Abreu, quando deputada, apresentou o projeto para legalizar no Brasil as sementes Terminator (sementes suicidas), maior sonho transgênico de mega-empresas como Monsanto, Syngenta, Bayer e DuPont, entre outras.Camisa dez É verdade que, nesse time, pelo seu desempenho em campo, Blairo Maggi veste a braçadeira de capitão. Herdeiro do império de sopinhas, caldinhos e outros preparados repletos de conservantes e estabilizantes que leva o nome de sua família, e que ampliou para os setores de energia e navegação, entre outros, o governador do Mato Grosso está entre os cinco maiores plantadores individuais de soja do mundo e é um entusiasta do agronegócio. O incentivo dado por Maggi para que os proprietários rurais mato-grossenses desobedecessem as medidas de recadastramento estipuladas pelo governo federal e sua pressão para que o Plano Amazônia Sustentável (PAS) não ficasse sob a coordenação do MMA foram fundamentais para a saída de Marina.Ao dizer que “se deixar, ele planta soja até nos Andes”, Minc comprou briga com Maggi antes mesmo de assumir o ministério, mas sentiu a força do governador logo no primeiro embate político. Firmemente contrário à resolução do BC que corta o crédito dos proprietários desmatadores - e que entrará em vigor em 1º de julho -, Maggi conseguiu que fossem excluídas da medida as propriedades localizadas no Cerrado (como se esse bioma não fosse tão ou mais ameaçado que a própria Amazônia). Esse detalhe, comemorou o governador, “livrou 70% dos produtores do Mato Grosso que seriam atingidos pelas medidas”. Agora, já avisou Minc, o MMA tentará enquadrar todos os biomas ameaçados numa resolução semelhante do BC, no que promete ser a próxima queda-de-braço política entre o ministério e o governo estadual.Maggi está em plena disputa com o Ministério Público Federal por conta da construção de um complexo de nove usinas hidrelétricas localizadas em rios que correm para terras indígenas no Noroeste de Mato Grosso. O fato de que quatro dessas usinas seriam construídas pela Maggi Energia, um dos braços do império familiar, é emblemático, pois revela duas facetas do governador: seu desprezo pelo meio ambiente e pelas populações tradicionais e a confusão que faz entre o público e o privado.O governador, em seu círculo de confiança, não esconde o desejo de ver o Mato Grosso livre da “obrigação de preservar a Amazônia”. Seu pensamento sobre a floresta amazônica e seu desprezo pelos povos que nela habitam podem ser resumidos numa declaração, dada em entrevista publicada no dia 1º de junho pelo jornal O Globo: “Aqui no Mato Grosso, as pessoas não ficam catando coquinho na floresta para viver. Elas são agricultoras, vieram do Sul do Brasil para trazer a agricultura. As pessoas que vivem no Norte do Brasil é que têm essa cultura de catar coquinho”, disse Maggi.Pessoas como Maggi, Kátia Abreu, Caiado e Flexa Ribeiro são os caubóis do agronegócio brasileiro no Congresso e na política. Estão na linha de frente, mas representam centenas de outras famílias - muitas delas residentes no Sudeste e no Sul - que se escondem atrás de empresas com “responsabilidade ambiental”, mas que, na vida real, contribuem para a grilagem e o desmatamento da Amazônia. Quase todas as famílias do high society paulistano, carioca, mineiro ou gaúcho tem “terras no Norte”, mas saber quem tem a posse real de boa parte das terras na Amazônia, como revelou estudo recentemente divulgado pela ONG Imazon, é uma questão para lá de nebulosa.Enquanto a figura do desmatador permanece difusa e sem rostos identificáveis para a maior parte da sociedade brasileira, o governo federal continua a atender ao agronegócio com a generosidade de sempre. O presidente Lula assinou no fim de maio uma Medida Provisória para reestruturar nada menos do que R$ 75 bilhões em dívidas acumuladas pelo setor desde a década de oitenta. O papagaio poderá ser pago até 2010, com juros de 6,75%, e o bilhete premiado inclui também a destinação de R$ 1 bilhão para os produtores que já desmataram a floresta, mas agora desejam recompô-la. Como se vê, os caubóis do agronegócio são muito espertos e rápidos no gatilho.
Maurício Thuswohl é jornalista.

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