Quem não se lembra das eleições para governador em 1982? Naquela ocasião,as "Organizações Globo", macumunadas com a Pro-consulte, tentaram manipular o resultado das eleições.Com a descoberta da fraude, o Brizola reuniu a imprensa estrangeira e denunciou o fato, um dos mais repugnantes da política brasileira. Brizola foi o único que teve coragem de enfrentar o império dos Marinho. Num determinado momento, o Cid Moreira foi obrigado pela justiça a ler, no JN, um direito de resposta dado ao Brizola, num dos episódios mais marcantes da televisão brasileira. Hoje, no governo Lula, que é massacrado pela TV Globo, esta emissora recebe sozinha, 1/3 de toda a verba publicitária governamental destinada às televisões. Este absurdo foi um dos temas tratados no recente Fórum de Mídia Livre, realizado na UFRJ.Agora, em que será comemorado o quarto aniversário desse líder nacionalista, reproduzo neste blog, o artigo do jornalista Pedro Porfírio.
Tributo a Leonel Brizola, com saudade, carinho e afeto.
"Serei como um cavalo inglês: só vou morrer na cancha." (Leonel Brizola, aos que sugeriam que ele abandonasse a política depois da derrota eleitoral em 1998)
Ao registrar o transcurso, amanhã, dia 21 de junho, do quarto aniversário da morte de Leonel de Moura Brizola, permito-me uma reflexão serena, que gostaria de dividir com você.
A cada dia que passa aumenta o número de brasileiros que sentem a sua falta e que avaliam com tristeza a escassez de homens de sua têmpera, de sua vocação, do seu despojamento e patriotismo nestes dias em que a vida pública está cada vez mais vilipendiada por interesses e ambições menores, mesquinhas, nocivas, doentias.
Mais doloroso ainda é constatar que o Brasil deixou de tê-lo à frente dos seus destinos, em função de uma deliberação inapelável do sistema internacional, que se valeu de todos os expedientes, os mais sujos, e de todos os meios, os mais influentes, para impedir sua ascensão natural, especialmente no pleito presidencial de 1989.
Abstraindo qualquer paixão pessoal, comprometimento partidário, impulso ideológico, posso dizer, sem medo de errar, que o Brasil estaria muito melhor, mais seguro de si como nação, se, naqueles idos em que o sistema fabricou o "caçador de marajás", Brizola tivesse sido escolhido, em nome de sua história invejável e seu patriotismo inegável.
Ao lembrar os acontecimentos pretéritos, sinto uma angústia a jogar-me na vala da depressão. É difícil entender como tantos e tão imprudentes arautos das novidades recondicionadas tenham se empenhado com tanta persistência em colaborar com esse conluio que mesclou sentimentos de vingança e temor de mudanças reais, que, infelizmente, parecem ter sido esterilizadas para todo o sempre.
Quem ousar livrar-se da bitola da intolerância e tiver a grandeza de abrir a janela para a história verá que nenhum brasileiro acumulou tantos atributos para pôr este País nos eixos de um futuro promissor como esse gaúcho que exerceu o primeiro cargo público com pouco mais de vinte anos e se tornou o único brasileiro a governar dois estados, pelo voto direto e soberano do povo.
Coragem e visão
De tal profundidade foi sua atuação como protagonista dos mais importantes momentos da vida nacional, que seu nome ainda hoje se destaca na proa das grandes causas do povo brasileiro. Os 82 anos vividos foram tão intensos que, mesmo com o prejuízo de 15 no desterro, nenhum outro homem público somou tantas horas, tantos dias, tantos anos de dedicação obstinada à defesa da soberania nacional e da justiça social, pilares irrenunciáveis da pátria de nossos melhores sonhos.
Essa dedicação ao País hoje ninguém poderá negar de sã consciência. Porque se é verdade que o guerreiro de todas as horas foi antes de tudo um bravo, é igualmente incontestável que foi o governante de maior visão e maior sensibilidade. Penitenciam-se nestes dias os que não consideraram o que foi a sua maior bandeira - a educação pública de qualidade, capaz de sedimentar uma nação de cidadãos de verdade, sem o que tudo o mais é mentira pífia, forjada pelas elites que insistem na escravidão da pirâmide social intocável.
Desde que foi prefeito de Porto Alegre, eleito com 33 anos de idade, Brizola arregaçou as mangas para levar a luz do conhecimento a todos, assegurando-lhes oportunidades de ascensão jamais imaginada pelos administradores e nunca tolerada pelas elites.
Ao tomar posse, em 1956, Porto Alegre tinha pouco mais de 400 mil habitantes. Num período de dois anos e meio, até desincompatibilizar-se para disputar o governo do Estado, construiu 137 escolas para 35 mil alunos, triplicando as ofertas de vagas no ensino municipal.
Como governador do Rio Grande do Sul, construiu nada menos de 6 mil e 300 escolas, alcançando os lugares mais distantes, inclusive as zonas do Pampa, onde até então não havia um único equipamento educacional público.
No Estado do Rio, que governou duas vezes, revolucionou o ensino com a implantação de 500 Cieps de tempo integral, uma proposta pioneira no Brasil, de grande alcance social, minada por todos os lados, mas que hoje aparece cinicamente nos manuais dos que investiram contra ele, exatamente porque queria que os pobres tivessem um ensino de base decente, que prescindisse desses gatilhos sob forma de cotas.
Memória agredida
O dramático, ao relembrar o gigante que ainda vive no imaginário de um povo cada dia mais enganado, é constatar que o seu exemplo de dedicação à vida pública não seja observado pelos políticos que hoje, de um lado ou de outro, só tratam de seus interesses privados, de suas vaidades esquizofrênicas, suas ambições insaciáveis, numa sofisticada remontagem de Sodoma e Gomorra, blindada contra a cólera
divina.
É como se com o velho inconformista tivessem sepultado os bons propósitos e as boas intenções, o espírito público e a visão missionária da atividade política.
É como se por castigo de Deus o Brasil ficasse à deriva, ao sabor dos mais espertos, mais inescrupulosos, mais afoitos, mais gananciosos, no sortilégio engendrado por fabricantes de ilusões e quimeras, ingredientes indutores da estupidez cultivada, da alienação acrítica e da passividade pusilânime.
Dá pena pensar que um homem de tantas virtudes tenha desaparecido no apagar das luzes de uma sociedade que entrega seu destino a carreiristas fabricados, a mistificadores e manipuladores loquazes de todos os matizes, a canastrões levianos e irresponsáveis, que se valem do marasmo generalizado, da apatia autofágica e do descuido inercial.
Se outra vida há e se desde o infinito distante o legendário sonhador puder contemplar estes dias em sua própria cidadela, terá a amarga sensação de nunca ter sido entendido por muitos dos que se alistaram em sua caravana libertadora.
Porque, como aconteceu com tantos pregadores e desbravadores, sua memória para os mais audaciosos é apenas o malcheiroso condimento de perdidas ambições pessoais, peças malditas que miniaturizam seu legado e abrem um perigoso fosso entre o hoje sem coração e o amanhã sem cérebro.
Mesmo assim, como a teimosia me fascina, ainda espero que os ventos uivantes da indignação latente produzam um cataclismo moral e façam ruírem os tentáculos do consentimento tácito, da cumplicidade tacanha, da omissão abjeta, reanimando os cérebros e oxigenando os corações do amável mundo novo porque viveu Leonel de Moura Brizola.
Esse é mais do que o nosso sonho. Tem de ser o nosso compromisso.
Fonte: Tribuna da Imprensa.
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