Petrobras ou ''Petrosal'': entre a nação, os acionistas e os especuladores
A discussão sobre o modelo de exploração das grandes reservas de petróleo prometidas pelas camadas do pré-sal vem chamando a atenção do país. Essa opção é uma decisão estratégica que mobiliza todo o governo brasileiro e apresenta duas propostas básicas: conceder todas as reservas – as já descobertas e as por descobrir – à Petrobras, sob concessão exclusiva; ou criar uma nova estatal (já apelidada de “Petrosal”), para gerenciar essas reservas em nome da União – todas ou as por descobrir
A grande mídia, como sempre, toma partido de um só lado, o que prejudica o entendimento que todo o país deve ter do problema. A tentativa de contrapor os interesses dos acionistas da Petrobras (inclusive os trabalhadores que usaram seu FGTS) aos dessa eventual nova estatal é uma tentativa de embuste. E vamos explicar por quê.
O governo Lula parece, por declarações sucessivas, vir se inclinando pela criação de uma nova estatal e pelo direcionamento dos grandes e valiosos recursos que advirão do pré-sal para atingir objetivos nacionais de longo prazo.
Antes que a posição do governo Lula se clarificasse a grande imprensa já se posicionava “a favor” da Petrobras como exploradora dessas novas reservas. Em editorial da semana passada, o Estado de S. Paulo já “defendia” a Petrobras, tendo como argumento a defesa dos interesses dos seus acionistas privados (que possuem a maioria do seu capital e, em conseqüência, se apropriam da maior parte de seus lucros [1]). Nesta quarta-feira, artigo em O Globo, de Paulo Bornhausen, deputado do DEM e filho de outro prócer direitista, foi mais além. Bornhausen filho argumenta que “tirar” da Petrobras a exploração direta e exclusiva do pré-sal pela criação da Petrosal significa um “calote” nos 310 mil trabalhadores que compraram ações da Petrobras com dinheiro de suas contas no FGTS, já que eles perderiam dinheiro com isso.
Já é de desconfiar ver o Estadão transformado em defensor da Petrobras. Mais espantoso é ver Bornhausen filho preocupado com os interesses financeiros dos trabalhadores. O fundo da questão é decidir se essa nova riqueza soberana, grande, mas finita, deve ser explorada tendo em vista critérios de mercado, segundo a lógica capitalista do lucro individual e imediato, ou se deve guiar pelos interesses políticos nacionais e em favor das futuras gerações. Os primeiros defendem os acionistas da Petrobras, os segundos, a Petrosal.
Porém, mesmo a simples contraposição entre os interesses nacionais e o dos acionistas privados da Petrobras é uma falácia. Apenas uma pequena minoria dos atuais acionistas poderiam ser prejudicados pela opção governamental da Petrosal: aqueles que vieram adquirindo ações da empresa nos últimos meses (na Bovespa e na Bolsa de Nova York) com a intenção de especular com os enormes ganhos propalados pelo pré-sal.
Mesmo a grande imprensa sabe que a criação da Petrosal não retirará da Petrobras a condição de explorador principal ou mesmo único de todas as reservas do pré-sal. A Petrosal gerenciará essa exploração, mas não furará nenhum poço. Ela apenas tomará as grandes decisões quanto ao ritmo da produção e sua destinação principal. [2] A Petrobras continuará, sob contrato, a ser a maior exploradora do petróleo, detendo para si parte do óleo extraído. E provavelmente de forma exclusiva pelo fato de só ela deter a tecnologia necessária às águas profundas (pelo menos durante os próximos anos).
O problema de dar à Petrobras a concessão direta sobre as novas reservas não seria tanto a divisão dos lucros com seus acionistas privados, mas, sim o fato de que os grandes acionistas minoritários (a maior parte deles estrangeiros, na bolsa de NY) teriam direito legal de discutir e contestar as decisões estratégicas de sua exploração, quanto ao volume comercializada ou à sua destinação – venda do óleo bruto ou seu refino – por exemplo. Com a Petrosal não haverá esse problema: ela pertencerá inteiramente ao Estado brasileiro e será a concessionária direta das reservas de óleo.
Mas os acionistas privados, de toda forma, também não sofrerão perdas. Primeiro, porque provavelmente a Petrobras continuará a deter, como concessionária, os grandes campos já descobertos, pois o governo não irá alterar as condições contratuais em vigor. Só isso garante à petrolífera nacional dobrar suas reservas conhecidas. E segundo porque, como vimos, sua capacidade tecnológica a colocará como beneficiária principal dos contratos de exploração dos campos a serem descobertos, permitindo a apropriação de parte importante – embora não majoritária – do óleo extraído. A Petrobras continuará a ser assim a melhor opção de investimento nos próximos anos para seus acionistas, inclusive os 310 mil trabalhadores brasileiros que tanto preocupam Bornhausen filho. Eles continuarão a usufruir de grandes lucros, e suas ações continuarão a valer bem mais do que valiam no começo deste ano.
Quem perderá são os especuladores que comparam maciçamente ações da Petrobras aqui e em Nova York nos últimos meses. Esses tiveram o azar de comprarem ações quando essas atingiam o pico de preço determinado pela bolha especulativa internacional sobre as commodities. Quando a bolha furou agora em agosto, os preços do óleo caíram de 150 dólares para 115, levando consigo a cotação da ação da Petrobras. Devido à subida adicional da notícia da descoberta do pré-sal, a ação da petrolífera foi a que mais caiu entre todas as ações da América do Sul, ficando com seu preço abaixo do praticado no início de 2008.
Resultado, esses grandes especuladores ficaram com um “mico” na mão. Não porque as ações sejam ruim, mas porque o objetivo de ganhar dinheiro com elas no curto prazo se esfumou, e a possibilidade de terem prejuízo é muito, muito grande. E são centenas de milhões, tanto de reais como de dólares. Daí o desespero desse grupo de capitalistas em gerarem de imediato uma grande notícia que evite esse desastre. Desastre só deles, porque essa flutuação de preço de suas ações em pouco ou em nada afeta a Petrobras nem os demais acionistas: o investimento continua tão bom ou melhor que antes.
Bem decidirá o governo Lula se vier a optar por uma nova estatal, inteiramente pública, para gerir o petróleo do pré-sal. Penso ser essa a melhor opção para o Brasil, para a Petrobras e os seus acionistas. Exceto para os especuladores.
*Lecio Morais é economista, mestre em Ciência Política e assessor da Liderança do PCdoB na Câmara dos Deputados.
Fonte: Blog Vermelho.
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