quinta-feira, 18 de junho de 2009

SOMÁLIA - Lutadores pela liberdade ou criminosos?

“Quando os media de direita nos EUA começaram a pressionar o exército norte-americano para levar a cabo operações em grande escala para limpar o «ninho» de piratas na Somália, havia razões para a preocupação com a alhada em que os legítimos lutadores pela liberdade estavam metidos…”

Mark P. Fancher* Black Agenda Report - 18.06.09

Depois de franco-atiradores da marinha de guerra dos EUA terem disparado à cabeça dos companheiros do somali Abdiwali Abdiqadir Muse, o problema da «pirataria» nas águas costeiras do corno de África assenhorou-se das notícias. Muse e outros somalis, supostamente, tinha sequestrado um barco norte-americano e mantido como refém o seu capitão até que os captores fossem abatidos ou, no caso de Muse, capturado. Estes factos causaram preocupação em muitos observadores progressistas, tal como há quase 40 anos causou Kwame Nkrumah, então o primeiro-ministro do Gana. Este comentou: «por meio da imprensa e da rádio, dá-se conta da captura de “terroristas” por parte das “forças de segurança” (…) os “terroristas” são normalmente descritos como pobremente treinados, mal equipados, desmoralizados e inseguros sobre a causa porque estão a lutar.» Nkrumah continua a observar que «esta recusa a reconhecer os lutadores pela liberdade como soldados é de novo parte da estratégia do imperialismo desenhada para menosprezar os movimentos armados revolucionários, ao mesmo tempo desanimar aqueles que se poderão juntar a eles»…

Não se está aqui a sugerir que Muse e os seus companheiros eram lutadorespela liberdade e, possivelmente, há pequenos delinquentes entre as fileiras daqueles que têm capturado barcos nas costas da Somália. No entanto, os media ocidentais têm sido tão persistentes na sua caracterização de todos os que capturam barcos como «piratas» que há pouca gente a saber que um dos primeiros grupos a fazer isto e conhecido como A Guarda Costeira Nacional Voluntária da Somália» foi, de acordo com alguns relatórios, criado por pescadores que se armaram e expulsaram os barcos estrangeiros suspeitos de estarem implicados em actividades de pesca ilegal lançado dejectos em águas somalis.

«Um dos primeiros grupos a fazer isto é conhecido como A Guarda Costeira Nacional Voluntária da Somália.»

Quando os media de direita nos EUA começaram a pressionar o exército norte-americano para levar a cabo operações em grande escala para limpar o «ninho» de piratas na Somália, havia razões para a preocupação com a alhada em que os legítimos lutadores pela liberdade estavam metidos. Os EUA já estão implicados em actividades militares e operações encobertas, que incluem cumplicidade na mudança do regime da Somália em 2006. Há também uma significativa presença dos EUA numa instalação militar especial em Djibouti. A procura pelos EUA de «piratas», «terroristas» e outros «malfeitores» (como Bush tinha por costume chamá-los) não se limitou ao Corno de África. Há muito tempo que a AFRICOM impôs uma ampla presença ao mais alto nível na costa Ocidental de África – particularmente no Golfo da Guiné e no Delta do Níger.

Apesar da sua declarada missão oficial, a AFRICOM está a mostrar ser um veículo para utilização pelos EUA de tropas delegadas dos exércitos africanos para manter África segura para as corporações ocidentais que necessitam aceder aos recursos de petróleo e minério do continente. Compreende-se, por isso, por que razão estão os quadros dirigentes da AFRICOM tão interessados em África Ocidental como estão da Somália. Um estudo do governo nigeriano mostra que durante 2008, o país perdeu 28 milhões de dólares, em consequência de rebentamentos por grupos armados dos seus oleodutos. Além disso, estas organizações sequestraram pessoal das companhias petrolíferas. O estudo do governo estima que no ano passado se perderam cerca de 1.000 vidas, relacionadas com roubo de petróleo e actividades de sabotagem.

Os ataques à indústria petrolífera não surgiram do nada. As operações petrolíferas provocaram catástrofes meio-ambientais, arruinaram a pesca, as actividades agrícolas e as fontes de água limpa em numerosos povos do Delta do Níger. Nestas áreas, segundo estimativas do governo, o desemprego excede os 80%, alimenta um espírito de rebelião e resistência entre a juventude que continua a alastrar. Patrick Aziza, um líder tradicional do Reino Okpe no Delta do Níger, pediu aos rebeldes para deporem as armas, mas também reconheceu que a sua frustração fortemente enraizada tem justificação. Esta conclusão é particularmente significativa, até porque provém de um coronel na reserva do exército nigeriano. No entanto, o governo nigeriano começou a traçar planos para reforçar a capacidade de forças militares especiais para combater os rebeldes. Com tanto petróleo em jogo, AFRICOM não ficou na expectativa sem fazer nada. Colaborou na operação de uma «Missão Conjunta de África» que foi, de porto em porto da costa ocidental, treinando pessoal da marinha africano para executarem operações militares úteis aosinteresses das corporações dos EUA na região.

AFRICOM justificou as suas actividades afirmando que a região está infestada de crime e terrorismo. Também protestou quando foi acusada de intervenção militar imperialista, insistindo que os EUA foram «convidados» para a região pelos próprios africanos. O almirante Robert T. Moeller, um oficial de alto nível da AFRICOM declarou: «Eles próprios reconhecem ameaças de pirataria, contrabando de petróleo e outros delitos, por isso os africanos nos pediram que déssemos este tipo de assistência.» Além disso, para acalmar receios de que os EUA estão em África para militarizar o continente, deu-se muito ênfase ao trabalho humanitário da AFRICOM. Por exemplo, durante uma «Missão Conjunta de África» entregaram comida a doentes com sida e a órfãos.

A história já demonstrou que sempre que corporações estrangeiras criam instabilidade e penúria para as pessoas de África, é mais que seguro que existirão os que estarão decididos a resistir – pelas armas se for preciso. Há já quatro décadas, Nkrumah compreendeu quão fácil é esquecer as causas subjacentes a um conflito amado, trocando-as pelas mentiras dos media e pela caricaturização dos africanos que resistem à exploração estrangeira.

Quando se comemorar o Dia da Libertação, nós os que desejamos assegurar a autodeterminação africana deveríamos dar uma particular atenção aos organizadores dos contecimentos e «prestar honras a Nkrumah» (ver: www.africanliberationday.net), esforçando-nos por ser tão habilidosos como ele foi para ver longe no meio de tanto lixo. Quando Moeller diz que «se trata de construir a capacidade dos nossos amigos africanos para que sejam capazes de satisfazer as suas próprias necessidades de segurança», devemos saber, instintivamente, que para a AFRICOM se trata de colar-se a África como uma sanguessuga e secar totalmente os recursos naturais mais valiosos do continente.

*Mark P. Fancher é escritor e activista político.
Fonte:O Diário.info

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