por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile
15 de março de 2024Saindo da zona de confronto
Olá, Lula optou pela conciliação com o centrão, o mercado, o agronegócio, os militares e os evangélicos. O resultado está aí.
.Onde foi que eu errei? Todas as pesquisas indicam queda na aprovação do governo e os problemas cotidianos se avolumam. Além das difíceis relações com o Congresso, e dos desgaste com a segurança pública, há uma nova ofensiva vinda do mercado e do agronegócio. Tudo isso com o avanço da direita no mundo e faltando apenas alguns meses para as eleições. Nesse cenário, pululam explicações simplórias. Para os analistas da direita, o problema seria o excesso de esquerdismo e o espírito voluntarista do presidente. Já para a esquerda YouTuber, tudo não passaria de um problema de comunicação: Lula está no caminho certo, mas a população não está vendo tudo de bom que foi feito. Obviamente, não há uma explicação única e simples para o problema. Alon Feuerwerker aponta cinco fragilidades que se combinaram de maneira preocupante. Em primeiro lugar, a economia, apesar do discurso triunfalista, não está bem, como mostra a inflação dos alimentos. Soma-se a isso a manutenção de um mercado de trabalho precário. Por outro lado, o esforço arrecadatório do governo não estaria se convertendo em perceptível melhora da qualidade dos serviços públicos. Ademais, a agenda do presidente não estaria refletindo as preocupações mais urgentes da população, como saúde e segurança pública. Por fim, a posição de Lula sobre Israel teria contribuído para reativar a oposição. Deve-se acrescentar ainda a negligência em enfrentar os militares golpistas, como o atual diretor-geral da Abin, Luiz Fernando Corrêa, que se tornou alvo das investigações da PF, e os saudosos do golpe de 64. Neste cenário, há aqueles que propõem mais conciliação, com o agronegócio e, principalmente, com os evangélicos, o que obrigaria o governo a abandonar a disputa em torno da “pauta de costumes”. Ao mesmo tempo, a pauta punitivista avança a passos largos no Congresso. Porém, há os que pensam exatamente o contrário: o problema seria o desengajamento da esquerda e um governo envelhecido precocemente, sem projeto de futuro. Neste caso, seria necessário apostar numa real melhora das condições de vida da população e na mobilização da sociedade para enfrentar a direita.
.Gasolina na fogueira. A “crise da semana”, a queda nas ações da Petrobras provocada pelo descontentamento dos acionistas com a redução do pagamento de dividendos, é bem ilustrativa dos tipos de problemas que o governo enfrenta. A direção da estatal tem feito exatamente o que Lula prometeu durante a campanha eleitoral: rever a política de preços e de distribuição dos lucros da empresa. Desde o governo Temer, a Petrobras jogou os preços lá no alto, alavancando a inflação, mas garantindo lucros polpudos para os acionistas. Entre eles, 45% estão nas bolsas de Nova York e na Bovespa. Somente no segundo trimestre de 2022, esta turma em Wall Street e na Faria Lima, embolsou, respectivamente, R$ 17,35 bilhões e R$ 21,55 bilhões em dividendos. O fato é que não é surpresa nenhuma que agora o governo tenha decidido distribuir R$ 14,2 bilhões em dividendos ordinários e reter os chamados dividendos extraordinários, avaliados em R$ 43,9 bilhões. Mas foi suficiente para mais um choro orquestrado entre o mercado financeiro e os meios de comunicação, que escondeu o fato de que, mesmo segurando os extraordinários, a empresa brasileira pagou mais do que suas cinco concorrentes americanas. Não faltaram as tradicionais acusações de intervencionismo que revelam, como lembra Luis Nassif, ignorância ou má fé sobre como funciona uma empresa pública de capital aberto. Mas há também os problemas internos. O presidente da Petrobras Jean Paul Prates se absteve na votação do conselho porque discordava do governo do qual faz parte e pretendia pagar todos os dividendos. Já o chefe da Casa Civil Rui Costa aproveitou a ocasião para acelerar sua campanha pela derrubada do presidente da estatal, colocando mais combustível numa fogueira pública. Sobrou para Lula enquadrar os subordinados pessoalmente. E, novamente, a ofensiva da direita combinada com as trapalhadas do Planalto esconderam o foco das boas notícias, como a redução do número de famintos no país.
.Ponto Final: nossas recomendações.
.Lições da eleição portuguesa. No A Terra é Redonda, Valério Arcary analisa o impacto da vitória da direita em Portugal e o que ela tem a ensinar para a esquerda brasileira.
.Escolheu a desonra e provavelmente terá a guerra. No Holofote, Lúcia Rodrigues lembra Lula que a covardia é a antessala da derrota contra o fascismo.
.Instituto Butantan produziu veneno para ditadura chilena assassinar opositores. Conheça a investigação que aponta novas conexões macabras entre as ditaduras do Conesul. Na Pública.
.Teologia do domínio é mais perigosa para democracia que bolsonarismo, diz historiador. No podcast Pauta Pública, João Cezar de Castro Rocha analisa a mais recente onda religiosa vinda dos Estados Unidos.
.Bandeira de Israel, guerra santa: o que se sabe sobre a 'facção evangélica'. No UOL, quem são os narco-pentecostais que aterrorizam as comunidades cariocas.
.PL dos Apps transforma trabalhadores em nem-nem: nem empregados e nem autônomos. Camila Bezerra mostra porque a nova legislação é um retrocesso trabalhista. No GGN.
."Zona de interesse": os mil sons do terror nazista. Quando o cinema explora o perturbador cotidiano do holocausto. No DW.
.O feminismo em “Pobres criaturas”. Nathalie Reis Itaboraí analisa o filme que traz reflexões importantes sobre o patriarcado contemporâneo. Em A Terra é Redonda.
Ponto é elaborado por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.
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