O retorno de Lula ao Palácio do Planalto deu esperança às famílias da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Era o fim de um período de trevas. Saía, enfim, Jair Bolsonaro, um presidente assumidamente contrário aos defensores de direitos humanos e entrava o petista, com promessas de dedicar esforços, tempo e verba para solucionar o crime.
Naquele momento, a investigação só havia avançado em um único ponto. Na véspera do crime completar um ano, o ex-PM Ronnie Lessa foi preso pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, suspeito de ter disparado contra Marielle Franco. O policial aposentado Élcio de Queiroz também foi detido, apontado como o motorista do Cobalt prata que perseguiu o carro da vereadora naquela noite do dia 14 de março de 2018.
Os anos seguintes foram de silêncio e uma briga judicial pelo direito de acesso dos familiares a todos os autos do processo. Afinal, eles queriam saber em que pé estava a investigação para cobrar eficiência das autoridades.
A desconfiança não era em vão. A Delegacia de Homicídios da capital fluminense era alvo de suspeitas de corrupção – havia indícios de um esquema de propina para não encontrar os reais mandantes de homicídios praticados na cidade. Com o caso Marielle não foi diferente. Depois de meses desperdiçados atrás de provas para incriminar o ex-vereador Marcello Siciliano, colega de casa de Marielle, a Polícia Federal entrou no jogo para investigar a própria investigação da Polícia Civil.
Ao mesmo tempo, as famílias lutavam contra o deslocamento de competência – não queriam transferir a responsabilidade da investigação da polícia estadual para a federal. Era um risco.
Bolsonaro tratava o crime como só mais um entre tantos outros, e, com desdém, chegou a chamar a vítima pelo nome errado em entrevistas — "Mariela", disse ele, em visível deboche.
Era desesperador.
Lula assumiu a Presidência e colocou o caso como "questão de honra" – assim anunciou Flávio Dino, então Ministro da Justiça. Em fevereiro de 2023, por determinação do governo, a Polícia Federal montou uma força-tarefa para, em parceria com o MP-RJ, encontrar respostas ao crime político de maior repercussão nacional desde a morte de Chico Mendes, em 1988.
Quem mandou matar Marielle e por qual motivo?
Em poucos meses, o caso teve um andamento mais acelerado. Em julho, a PF homologou a delação do motorista Élcio de Queiroz. Ele assumiu a participação no crime e confirmou Ronnie Lessa como o autor dos disparos.
Deu mais detalhes do pré e pós-crime, colocou o ex-bombeiro Maxwell Simões Corrêa, o Suel, como partícipe na vigília da vereadora e no descarte das provas e do carro clonado. Suel acabou preso logo em seguida.
Faltavam informações sobre os mandantes. Apesar de serem amigos, Ronnie não compartilhava todos seus segredos com Élcio, mas, vez ou outra deixava escapar alguma coisa.
Vários indícios apontavam para um nome, desde o primeiro ano de investigação: Domingos Inácio Brazão, ex-deputado estadual e conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.
Em janeiro, publicamos no Intercept Brasil que o MP havia voltado a analisar documentos que ligavam a família Brazão ao crime. Parte do material, ao qual o tivemos acesso, tinha relação direta com a milícia de Rio das Pedras, na zona oeste do Rio.
Esse grupo é suspeito de ter ligação com a família Brazão e também ao Escritório do Crime, de acordo com as investigações da Polícia Civil do próprio MP.
Dias depois, veio outra boa notícia para a resolução do caso: Lessa tinha finalmente falado com a Polícia Federal e dado informações sobre o crime.
Em primeira mão, revelamos que Lessa apontou Brazão como mandante da morte de Marielle Franco. Ele nega qualquer envolvimento com o crime. A PF diz que o acordo com Lessa ainda não foi fechado, nem homologado pelo STJ.
A delação de Lessa renovou as expectativas de que o caso fosse solucionado nos meses seguintes – Andrei Rodrigues, diretor-geral da PF, anunciou em entrevista que o caso teria "resposta final" no primeiro trimestre. Isso ainda não aconteceu.
Diferente dos outros anos, as famílias de Marielle Franco e Anderson Gomes passarão este dia 14 de março com um nome, delatado pelo autor dos disparos, como mandante do crime. No entanto, há seis anos, o mandante segue livre, sem responder na justiça.
Quanto tempo mais os familiares precisarão gritar por justiça e respostas? São seis anos de angústia. Seis anos de uma completa e estarrecedora impunidade.
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