14 Março 2024
De um lado, quem pensa que aquele de Pietro Parolin, Secretário de Estado do Vaticano e autor de uma entrevista ao Corriere della Sera, “não é o pensamento do Papa”. Do outro lado, quem corta pela raiz qualquer contraposição entre o Pontífice e o seu “primeiro-ministro” e sugere considerar aquelas palavras “um complemento” daquelas de Francisco. São duas leituras diferentes e ambas provêm de altas posições do mundo vaticano, sinalizando algum descontentamento e tensão interna.
A reportagem é de Salvatore Cannavò, publicada por Il Fatto Quotidiano, 13-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O Papa Francisco foi acusado por todos os lados de querer levar a Ucrânia à “rendição”, levantando a "bandeira branca". Como bem salienta uma voz do Vaticano, a referência à "bandeira branca” estava ligada ao branco, tema do programa de televisão. “Certamente, interpretando de determinada maneira a resposta do Papa, poder-se-ia pensar que toda a responsabilidade esteja sobre as costas da Ucrânia. Enquanto o Papa chamou em campo a comunidade internacional”. Segundo essa versão, não haveria, portanto, distância entre Francisco e o Cardeal Parolin.
Ainda mais acima, porém, comenta-se que aquela entrevista “não é o pensamento do Papa”. E de fato a diferença emerge. Francisco disse na TV suíça que “hoje se pode negociar com a ajuda das potências internacionais. A palavra negociar é uma palavra corajosa. Quando você vê que está derrotado, que as coisas não vão bem, você precisa ter a coragem de negociar.” E depois: “A negociação nunca é uma rendição. É a coragem para não levar o país ao suicídio. Os ucranianos, com a história que têm, coitados, os ucranianos no tempo de Stalin, quanto sofreram...". A transcrição da entrevista esclarece o mal-entendido de um Papa que aconselha Kiev a “render-se”. Como lemos acima, não é isso.
Mas também é claro que as suas palavras foram dirigidas à Ucrânia (que, não por acaso, se ressentiu).
Parolin diz exatamente o contrário: “O apelo do Pontífice é que ‘sejam criadas as condições para uma solução diplomacia em busca de uma paz justa e duradoura’. Nesse sentido é óbvio que a criação de tais condições não cabe apenas a uma das partes, mas sim a ambas, e a primeira condição parece-me ser precisamente a de pôr fim à agressão”. Negociações entre as partes, mas Moscou é quem deve agir primeiro. E depois: “A Santa Sé segue essa linha e continua a pedir um ‘cessar-fogo’ – e a cessar o fogo deveriam ser em primeiro lugar os agressores– e, depois, a abertura de negociações”. Portanto, se as palavras do cardeal “complementam” as do Papa, o fazem num ponto sensível, a ponto de delinear uma distinção.
Parolin certamente não é um prelado hostil a Francisco, pelo contrário. Mas essa ênfase sugere a necessidade de esclarecer e manter as relações diplomáticas a salvo de palavras consideradas provavelmente muito definitivas. No entanto, a diferença de tom é perceptível. Também é vista nos dois principais jornais da Igreja.
Ontem, o Avvenire, jornal da CEI presidida pelo Cardeal Zuppi - que não por acaso o Papa nomeou como mediador do conflito - entrevistou o Professor Marco Mascia, presidente do Centro Ateneo para os Direitos Humanos, que desenvolveu inteiramente o raciocínio de Francisco: “Se entrarmos nessa lógica (que se deve partir da Rússia e não da Ucrânia, ndr.) a guerra continuará”. O professor explica como o Papa “se preocupa e sofre pelo povo ucraniano” que corre o risco de ser abandonado pelo Ocidente. “Faz sentido continuar a guerra entre um pequeno estado e uma superpotência?” se pergunta. “Faz sentido saber que se não for daqui a um mês será daqui a um ou dois anos, mas ainda assim será preciso sentar à mesa de negociações? A resposta do Papa é: trégua”.
Por outro lado, L'Osservatore Romano, jornal oficial da Santa Sé, publicou a entrevista de Parolin na íntegra. Duas leituras diferentes.
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