Francisco Viana
De São Paulo
Hoje, abro espaço para Ricardo Lauricella, 27 anos, estudante de pós-graduação da PUC-SP e especialista em mídias sociais. Tendo como ponto de partida o candente tema da Petrobrás, ele analisa a questão da apuração jornalística e da concorrência num ambiente em que as mídias digitais se afirmam e se tornam onipresentes.
Ao ler o artigo de Ricardo, lembrei-me da Florença renascentista e do eterno duelo entre Guelfos e Gibelinos, partidos que dominaram a cena política italiana entre os séculos XIII e XVI. Os Guelfos, papistas, empedernidos defensores da política da Igreja, ensombreciam o céu da modernização política, com posições retrógradas que favoreciam ao jogo de interesses pessoais e de facções. Dominavam o comércio, à época bem maior do que os negócios em Londres, e os cargos públicos; os Gibelinos se posicionavam na vertente oposta, alinhando-se com o humanismo cívico. Dante foi um dos seus militantes.
Guardadas as infinitas proporções no tempo e na história, há no ambiente da mídia uma disputa parecida: uns apegados aos cânones do passado e uma crescente maioria se movimentando para abolir esses mesmos cânones. A face comercial da imprensa precisa mudar e um número considerável de jornalistas precisa acordar para a realidade dos novos tempos. Notícia não é mercadoria. Noticia pública é pública. E o poder público tem o direito - e mesmo o dever - de falar diretamente com a sociedade.
É isso que poderíamos chamar de modernidade da comunicação. Manter a mediação da mídia tradicional, que merece respeito e precisa desfrutar de legitima liberdade de ação, mas também aproveitar as infinitas possibilidades das novas mídias. E por que não? Vamos ao texto de Ricardo que vou titular com o nome dos dois antigos partidos da Florença Renascentista de Dante e também de Maquiavel.
Entre Guelfos e Gibelinos
* Por Ricardo Lauricella
"As novas mídias realmente representam a nova vanguarda e suas inovações são pelo menos tão radicais quanto as inovações formais da década de 1920".
Lev Manovich
Na última semana o meu twitter não parou de pipocar com comentários dos mais diversos perfis de pessoas sobre o blog "Fatos e Dados" da Petrobrás. Na mesma toada corriam eventos de Comunicação para o Governo e Cidadania que discutiam a atual era da informação e, ainda, comentários sobre a medida da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) de pulverizar publicidade de acordo com parâmetros de circulação e audiência. A questão aqui não é discutir o Governo atual, mas o modo como a informação é tratada. Afinal, nos dias atuais, o que é informação? Qual é o seu papel? A quem ela pertence?
Vamos a uma tentativa de respostas. A informação é notada, registrada, distribuída e compartilhada. Sendo assim, seria o produtor da matéria o dono dela? E no caso dos releases? Seriam os assessores de imprensa os donos? Afinal eles recebem a informação e divulgam para a grande imprensa. Sendo assim, nas newsletters e informações nos portais de comunicação, os webdesigners poderiam reclamar para si a propriedade pelo produto final?
De acordo com o crítico e pesquisador Lev Manovich, o remix tem extrapolado o universo musical e se estabelecido como re-utilização de materiais já existentes. No caso da informação tratada no jornalismo, não são poucos os casos em que matérias são requentadas, diluídas de um meio de comunicação e colocadas em outro. Esse processo se dá pela recriação, através de marcas do autor original e do autor do remix.
A "cultura do remix" está presente em tudo: artes plásticas, música, moda, aplicativos web, mídia colaborativa, gastronomia e até fusões entre empresas. O rádio faz muito disso recortando e repercutindo notícias dos jornais durante sua programação. E o conceito da autoria, como fica? Então, a informação pertence ao jornalista ou este estaria se apropriando dela quando quer exclusividade sobre seu conteúdo? Voltamos ao conceito de Michel Foucault ao perguntar De quem é a autoria?
Disponibilizar informações através de softwares como blogs para qualquer um acessar parece ser uma medida de transparência irrefutável. É como deixar também para o julgamento público a ordem dos acontecimentos à revelia da edição deste ou de outro veículo. Então, os mais afoitos poderão logo contestar falando que existe uma questão comercial de ordem capitalista. Que capitalismo? Capitalismo social? Neoliberal? Que os jornais precisam de dinheiro para existir e esse rendimento viria dos furos, notícias em primeira mão é algo muito óbvio. Só que a sociedade mudou.
A informação não pode ser mais tratada como mercadoria. A informação precisa ser democratizada. Não é produto de prateleira. A mídia, como negócio e serviço público, precisa ser repensada. A era dos monopólios da mediação com a sociedade acabou ou está acabando. Hoje, qualquer pessoa, além de receptor, é produtor de notícias das mais diversas formas. Atingindo um grande número de pessoas, através do twitter, ou mesmo para um número selecionado usando mensagens curtas (SMS) dos celulares. E esta novidade vem mudando as relações da sociedade com os agentes econômicos e políticos. Há mais saber em meio à sociedade e menos opinião, que, por definição, é volátil e, geralmente, movida por paixões.
Voltando ao negócio jornalístico, este é como o mitológico Janus, exibe duas faces. Uma de negócios e outra de serviço público, que não pode ser suprimida pela primeira. A notícia deve ser pensada como um valor público. Depois, com a existência das mídias sociais, o furo não pertence mais à imprensa. Ou seja, o furo passa a ser uma forma de interpretar a realidade, de ver os fatos, de encadeá-los em perspectivas amplas.
A informação é oferecida, de graça, em diversas plataformas. Twitter, Blogs, Flickr, Orkut, Podcastings, RSS, Facebook e diversos outros mash-ups e widgets. É o moderno boca-a-boca que ganhou o mundo facilitado pelas novas tecnologias. Em tempos como esse, a pergunta que os donos dos jornais devem se fazer é por que é que um leitor compraria um jornal com manchetes de notícias que já foram vistas? O que a mais é possível oferecer para estar um passo à frente da notícia quando o jornal impresso dá sinais de falência dos órgãos, o New York Times é socorrido na UTI por capital do mercado e até o mais famoso telejornal do Brasil anuncia que está reformulando sua forma e conteúdo para se aproximar mais do espectador através de linguagem clara e estruturas menos herméticas entre âncoras e links?
O espaço público voltou a existir. A informação é tudo e tudo é informação. Há espaço para tudo. A única coisa que as máquinas ainda não conseguem fazer com eficiência é definir quais são os seus conteúdos preferidos. Mas, já existe muita gente pensando nisso. Porém, existe algo que as máquinas não podem ocupar. O espaço público, que é dinâmico, deve ser ocupado por aqueles que têm o que dizer para contribuir com a sociedade.
O caso da vitória do presidente norte americano, Barack Obama, que utilizou uma plataforma similar a do Facebook, o MyBo (criado pelo mesmo jovem de 25 anos que é um dos criadores do Facebook) mostra claramente como o poder público está atento às novas realidades colaborativas. Em novembro, quando o presidente Obama estava eleito, o site contava com 2 milhões de perfis de participantes que organizaram 200 mil eventos, 400 mil blogs e somaram a quantia de arrecadação de US$ 30 milhões. No Brasil, não tem sido diferente. Governos como o do Governo do Estado da Bahia já têm seu twitter, flickr e espaço próprio no youtube.
A Secretaria da Segurança Pública, do Governo do Estado de São Paulo, tem usado cada vez mais as novas mídias. Para atender, de maneira profícua, as mais de 100 solicitações diárias da imprensa, utiliza um blog para centralizar as informações e, também para oficializá-las. Então a questão: por que uma companhia como a Petrobrás, freqüentemente sitiada pelas pressões da mídia, não pode ter um blog para se relacionar diretamente com a sociedade? Claro, que pode. É legitimo. Aliás, como muito bem enfatizou a ABI em nota oficial. O que não pode ocorrer é a censura. A perseguição a jornalistas, o boicote à apuração de reportagens. E isso não acontece no Brasil dos dias atuais. Salvo a publicação da íntegra de perguntas e respostas antes da veiculação da matéria (o que foi resolvido com a ação de atender a critérios éticos e publicar no blog somente após a veiculação da notícia) o que o blog da Petrobrás significa é uma saudável forma de enfrentamento da realidade.
Existe no Brasil dos nossos dias uma intensa corrida para ocupação dos espaços públicos. De um lado, por aqueles que teimam em tentar travar o avanço da modernização política. De outro, pelos que ambicionam e se movimentam por essa mobilização. A imprensa é parte indissociável desse processo, mas tem se confundido ao fazer da notícia matéria prima constante para escândalos, denúncias e sensacionalismos esquecendo o debate em torno dos destinos do país, esquecendo ainda de se esforçar para responder a uma questão essencial: que país ambicionamos ser? Para onde iremos?
O blog da Petrobrás é emblemático da necessidade de uma mudança de visão do trabalho jornalístico nos tempos da comunicação em tempo real. É preciso refletir e agir tendo como ponto de partida o real. O mais será pura lamúria. A ênfase à comunicação pública não prejudica o bom jornalismo. Até porque o bom jornalismo deve ser produto da boa apuração. E se o jornalista deseja matérias exclusivas e contundentes deve buscá-las em fontes exclusivas. O trabalho da assessoria de comunicação pública é como diz o próprio nome: público.
Francisco Viana é jornalista, consultor de empresas e autor do livro Hermes, a divina arte da comunicação. É diretor da Consultoria Hermes Comunicação estratégica (e-mail: viana@hermescomunicacao.com.br)
Fonte:Terra Magazine
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