Leonardo Sakamoto.
Pedi para Daniela Matielo, jornalista e pesquisadora sobre a indústria da internet na Universitat Oberta de Catalunya, na Espanha, para escrever um texto sobre o lixo gerado pela informática. Em um momento em que todos louvamos o admirável mundo novo trazido pela tecnologia, faz-se necessário manter os olhos bem abertos sobre os seus efeitos colaterais:
Quando surgiu, há 50 anos no lugar que hoje conhecemos como Vale do Silício , a indústria de eletrônicos se auto intitulou como uma “indústria limpa”. Trabalhadores, que antes trabalhavam nas grandes plantações que existiam na região, assumiram seus postos nas fábricas de chips, placas, discos rígidos e todos os outros componentes “high-tech” sem saber que na verdade essa mudança de ocupação estava colocando suas vidas em risco. Já em 1970, foram publicados os primeiros relatórios mostrando que muitas substâncias usadas na fabricação desses componentes eram altamente tóxicas, como o cádmio e o chumbo, e associando sua manipulação com o desenvolvimento de cânceres, problemas na formação de fetos e outras complicações de saúde entre os trabalhadores. Foi necessária uma grande movimentação para tentar melhorar essas condições de trabalho. Os principais locais de produção de componentes acabaram sendo transferidos para outros lugares do mundo, criando novos problemas em países como Índia e China.
Ou seja, o problema não foi resolvido, apenas jogado para baixo do tapete.
Há 50 anos, por seu alto custo, poucas pessoas tinham acesso a essas “novas tecnologias”. Hoje, no entanto, são itens indispensáveis no nosso dia-a-dia: celulares, computadores, monitores e uma infinidade de aparelhos cujos preços cada vez mais acessíveis estão permitindo que se popularizem entre a população. O aumento do acesso é bem-vindo, sem dúvida. O acesso à internet e a possibilidade de obter informação, comunicar-se e ampliar redes, possui um indiscutível potencial, e deve ser considerado um direito. Entretanto, o rápido aumento do consumo também implica em um aumento de produção, e as substâncias tóxicas que causaram incontáveis problemas aos primeiros trabalhadores da indústria de eletrônicos continuam existindo. E, naturalmente, não é apenas na hora da produção que estas substâncias são tóxicas, mas também na hora do descarte: o lixo eletrônico é um problema que está no centro das discussões ambientais, preocupando governos e organizações em todo o mundo.
A reciclagem destes materiais precisa ser feita de maneira correta, pois a manipulação ou incineração dos componentes sem os devidos cuidados pode causar duradouras contaminações ao meio. Uma prática adotada por muitos países era o envio desse material (que de maneira nenhuma pode ser descartado junto ao lixo comum) para a África ou a China, onde passavam a ser reciclados sem nenhuma preocupação, fosse ambiental ou com a saúde dos trabalhadores.
Para tentar resolver essa situação, foi assinada e retificada em 1989 a Convenção da Basiléia, que regulamenta os movimentos internacionais de resíduos perigosos. A grande maioria dos países assinou o documento, com exceção de alguns menores e dos Estados Unidos. Ainda assim, o problema persiste no mundo, como é possível verificar em diversos vídeos-denúncia disponíveis no YouTube.
(Prova de que nem sempre a Convenção é cumprida foi o envio de toneladas de lixo contaminado da Inglaterra aqui para o Brasil, que recentemente ganhou as páginas dos noticiários.)
A Convenção, porém, não cobre todo o ciclo de produção dos eletrônicos, e os países tiveram que elaborar legislações que regulamentassem a gestão interna desses resíduos. Na União Européia, cuja legislação é uma referência na área, a diretiva Weee (Waste Electrical and Electronic Equipment) regulamenta a produção e descarte dos eletrônicos, definindo limites nas quantidades de substâncias tóxicas utilizadas na fabricação. Ela impõe que uma porcentagem mínima dos materiais possa ser reciclado e institui a chamada “logística reversa”, que responsabiliza a indústria eletrônica pela coleta e descarte adequado dos resíduos de seus produtos. Ou seja, se produziu algo que pode causar problema, você também é responsável pelo destino final da mercadoria.
E no Brasil?
No Brasil, desde 1991, está em trâmite na Câmara dos Deputados o projeto de Lei da Política Nacional dos Resíduos Sólidos (PL 203/91) que deveria, teoricamente, também regulamentar a reciclagem e a logística reversa dos resíduos eletro-eletrônicos. Recentemente, porém, o grupo de trabalho responsável excluiu os resíduos eletrônicos do projeto de lei. Sem justificativa plausível.
Foi nesse contexto que o Coletivo Lixo Eletrônico lançou seu Manifesto e um abaixo-assinado pedindo a reinserção do lixo eletrônico no projeto, tornando a logística reversa obrigatória: ou seja, responsabilizando a indústria de eletrônicos pela coleta e destinação adequada dos resíduos de seus produtos.
O projeto não resolve todos os problemas relacionados ao lixo eletrônico, porém é essencial para garantir que haja uma regulamentação sobre o tema, que defina responsáveis pelo descarte e amplie a base legal referente à gestão desses resíduos. A obrigatoriedade da logística reversa tem potencial para afetar toda a cadeia de produção, incentivando as empresas a produzirem componentes e aparelhos com menos substâncias tóxicas e mais fáceis de reciclar, para reduzir o custo final.
O Manifesto do Lixo Eletrônico está disponível aqui, e o abaixo-assinado estará aberto até que o Projeto de Lei seja votado no Congresso
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