domingo, 28 de fevereiro de 2010

CUBA - Direitos Humanos em Cuba.

Do blog ASSAZ ATROZ.


O Problema dos Direitos Humanos em Cuba


“Acredito que não existe nenhum país no mundo, incluindo os que estão sob status colonial, onde a dominação econômica, humilhação e exploração tenham sido piores do que em Cuba, em parte devido aos políticos de meu país durante o regime de Batista. Eu aprovo a proclamação que Fidel Castro fez em Sierra Maestra, onde ele corretamente exigiu justiça.” (John F. Kennedy, entrevista com o jornalista de esquerda Jean Daniel, 24/10/1963)

Carlos Alberto Lungarzo*

No dia 23/02/2010, faleceu em Cuba o dissidente Orlando Zapata Tamayo, depois de uma greve de fome de 85 dias. Ele tinha sido adotado por nossa organização como prisioneiro de consciência, pois os atos que lhe imputaram eram tipicamente pacíficos.

Refletir sobre os DH em Cuba é difícil, por causa de dois fatores opostos. Por um lado, alguns setores de esquerda e pseudo-esquerda, atribuem à Revolução Cubana, além de seus méritos reais, “virtudes” tão místicas como as da burguesia: heroísmo, patriotismo, transcendência, sacrifício e assim por diante, o que conduz, é claro, ao desprezo dos DH, concretos e visíveis. Pelo lado inverso, a direita e o centro denunciam infinitos crimes não provados, e exacerbam a gravidade de violações que realmente existem.

Tentarei nesta nota uma apreciação isenta. Desejo enfatizar que Anistia Internacional nunca conseguiu licença para visitar Cuba. Portanto, os dados concretos que possuímos provêm de fontes indiretas que foram testadas até onde foi possível.

Revolução e Direitos Básicos

A Revolução Cubana de 1959 foi a mais famosa revolta dos oprimidos pela sociedade pós-colonial das Américas (camponeses, índios, operários e semi-escravos), dotada de uma direção de intelectuais e pequeno-burgueses esclarecidos. Está caracterizada pela homogeneidade ideológica e por ter conseguido eliminar antigas mazelas sociais.

Cuba produziu a única revolução social da região que teve sucesso, e que acabou assumindo a ideologia marxista-leninista, embora já deformada pelo pós-stalinismo. Conseguiu atingir alguns objetivos que pareciam utópicos: (1) Libertar a população da exploração, o racismo, o genocídio, a escravidão e a humilhação. (2) Permanecer fora da tutela do imperialismo. (3) Construir um sistema de saúde, educação e proteção social comparável ao dos estados sociais capitalistas desenvolvidos. (4) Eliminar a grande propriedade e transformar em patrimônio social os grandes sistemas produtivos.

Entretanto, o projeto impulsionado por Ernesto Che Guevara, de estimular o surgimento de um ser humano novo, dotado de numa ética solidária, secular, internacionalista e objetiva foi apenas vislumbrado, e sua força moral não durou muito tempo.

Desfrutar dos DH básicos e os compartilhar com nossos semelhantes e outros seres vivos, é a autêntica finalidade da vida humana para os que têm uma visão naturalista e objetiva do universo. Portanto, nenhuma violação consciente dos DH pode ser justificada em troca de uma duvidosa sociedade futura, cuja felicidade compensaria os abusos sofridos durante sua construção. Muito menos é legítimo basear as ações políticas em fetichismos inventados pelas castas militares e sacerdotais, como nacionalidade, tradição, subordinação hierárquica, destino ou prevalência histórica. Numa sociedade socialista com base marxista, os DH são exatamente os direitos da população em seu conjunto, e a felicidade é a segurança e o bem estar da mesma, sem qualquer apelo a símbolos ou totens.

Dentro da visão marxista (mesmo reconhecendo suas limitações), o valor social é conferido pelo ator histórico concreto, e não inversamente. O homem de Engels, capaz de um uso sofisticado de suas mãos, gera a sociedade. Mas a sociedade não pode gerar os humanos, e nada é sem eles. Isto está explícito nos Manuscritos e em A Sagrada Família, apesar dos tênues resíduos idealistas que ainda ficavam em Marx e Engels. Mas, a prevalência do concreto está proclamada com ênfase em A Ideologia Alemã (Vorwort, §3) com o exemplo do homem que pensava que afundava na água porque acreditava na lei de gravidade. (A partir da década de 20, parte do marxismo, porém não todo, foi ofuscado pelo pragmatismo stalinista e pelo esnobismo de algumas correntes filosóficas como o estruturalismo, o que produziu um estrago maior que o esperado na prática do socialismo.)

A Influência da Agressão Americana

Ao longo da construção da nova Cuba, alguns Direitos Humanos básicos foram violados. Entretanto, Anistia Internacional têm reconhecido que a persistência dessas violações está influenciada pelo bloqueio imposto pelos EEUU. Nossa organização insistiu neste ponto desde seus primeiros relatórios, mas recentemente produziu um documento mais completo analisando todos os detalhes. No seguinte link, você pode encontrar versões em várias línguas:

http://www.amnesty.org/library/info/AMR25/007/2009/en

O texto é muito detalhado e documentado, mas quero destacar apenas este parágrafo que é um dos que melhor representa pelo menos meu ponto de vista:

“O governo americano não conta com um mecanismo formal para vigiar o impacto do embargo sobre os direitos econômicos e sociais em Cuba. Cada ano, desde 1999, o Departamento de Estado publica relatórios sobre a situação dos direitos humanos na maioria dos países. Estes informes se limitam em grande medida aos direitos civis, políticos e trabalhistas, reconhecidos na Declaração Universal dos Direitos Humanos, mas não considera o desfrute dos direitos econômicos, sociais e culturais em Cuba (reconhecidos também na Declaração), nem o impacto do embargo em sua realização”.

[Os grifos são meus.]

Nenhum país conhecido sofreu meio século de bloqueio, agressões políticas, militares e econômicas, campanha contínua de difamação, e milhares de atentados terroristas, atingindo aviões, hotéis, fábricas, lojas, chácaras e escolas. Nenhum outro tem seu pior inimigo instalado no melhor setor de seu território, dentro de uma enorme base militar e um campo de tortura. Tampouco estado algum deveu viver praticamente rodeado, a pouca distância, pelo território do país cujo governo quer destruí-lo.

O governo cubano deveria ter encontrado uma maneira de lidar com as ameaças imperialistas sem lesionar os DH da população. Portanto, não estou sugerindo que a administração castrista deva ser “perdoada”. Mas, por outro lado, seria irracional negar que esse clima de provocação estimulou a máxima insegurança entre os cubanos. As violações do direito de ir e vir, que causaram muitas fugas por mar com resultados fatais, estavam baseadas no temor à espionagem, à sabotagem, e aos processos de infiltração de terroristas entre os cidadãos cubanos. Este temor, no entanto, deveria ter sido avaliado sensatamente.

Não há outro estado cuja segurança total tenha estado sob um risco semelhante. A simples infiltração de um profissional do terrorismo, como Posada Carriles, era suficiente para desestabilizar por alguns dias a vida do povo. O trânsito entre Cuba e Miami e a enorme proporção de agentes americanos entre os exilados, colocava o governo num estado de absoluta vulnerabilidade, maior que a do Chile durante a Unidade Popular. No Chile, embora a infiltração de terroristas e sabotadores americanos fosse grande, o projeto socialista conseguiu defender-se durante três anos, mantendo as normas democráticas e os DH.

Tendo em conta a variedade de inimigos do governo cubano (os restos da ditadura, a CIA, os outros governos latino-americanos, os exilados, a máfia, as igrejas, a mídia, o capital internacional), o socialismo cubano não teria resistido nem alguns meses sem medidas de controle especiais. Cuba diferia do Chile em que o terrorismo estava em ótimas condições quando o Movimento 26 de Julho (doravante, M26) tomou o poder, e os novos líderes não podiam esperar apoio das leis, da justiça, e dos partidos democráticos, que não existiam.

Entretanto, estas medidas excepcionais de defesa não deveriam ter afetado os DH.

A Repressão do Terrorismo

Depois do triunfo da Revolução, o mundo se espantou pela violência com que o governo revolucionário puniu torturadores e terroristas de Battista. Devemos considerar dois aspectos: (1) Os DH são antagônicos com a pena de morte, em qualquer circunstância. Portanto, nenhum crime justifica um fuzilamento frio e programado. (2) É necessário diferenciar entre pena de morte e o uso de força defensiva, que pode ser letal.

A pena de morte é um ritual sádico, aplicado sobre pessoas já rendidas, submetidas a uma enorme tortura psicológica (como nos Estados Unidos e na China, e incluso física, como no Irã), durante o processo de condena, espera, apelações, preparativos, adiamentos, que deixam o réu destruído antes da execução.

O próprio Guevara reconheceu em alguns momentos que a luta revolucionária confrontava inimigos mortais, e que o fuzilamento era um método legítimo de defesa. Não sei se existia solução alternativa, mas o ponto de vista do Che é incompatível com os DH. Em 2006, nossa organização repudiou a execução de Saddam Hussein, qualificando-a de ato cruel e gratuito, apesar de que o executado deve ter sido um dos piores criminosos da história.

É natural que a maioria do povo cubano nutrisse extremos ressentimentos contra o sadismo de Batista e seus cúmplices, mas a vazão destas retaliações deixou marcas negativas na moral revolucionária, borrando a clareza da divisão entre justiça e vingança. Os atos públicos em que Fidel conseguiu consenso em favor dos fuzilamentos não eram verdadeiros tribunais, mas manifestações de linchadores enfurecidos. Estas execuções (que tiveram a aprovação de 1 milhão de cidadãos) só contribuiu para canalizar os ódios populares, e não para incutir um sentido de justiça, algo muito parecido, nesse sentido, aos Julgamentos de Nuremberg.

Uma questão diferente é a necessidade de força defensiva, contra centenas de membros da polícia de Batista, jagunços, mercenários americanos e terroristas profissionais, nos muitos momentos de tensão que seguiram os ataques ou invasões. No caso de sabotadores americanos, Cuba podia devolvê-los aos Estados Unidos, ou trocá-los por bens, como aconteceu em 1961. No caso dos torturadores de Batista, o governo tinha poucas possibilidades: não existiam prisões seguras, e os americanos nem sempre os asilavam. Aliás, vários aparentes exilados voltaram depois a Cuba, treinados como terroristas.

Entretanto, muitos ex-repressores foram presos ou apenas demitidos, e alguns autores de crimes “menores” foram empregados longe do país. O número de fuzilados ordenados por Castro e Guevara proclamado por cada grupo de exilados, difere muito de um caso a outro, apesar de que alguns se gabam de ter investido anos em suas investigações. Para o período 1959-1967, aparecem resultados que oscilam entre os 5 mil e os 73 mil mortos.

Os dados mais confiáveis são os do Foreign Office (FO) do UK, dotados da típica objetividade britânica. Alguns arquivos do FO contabilizam cerca de 500 executados nos 6 primeiros meses da Revolução.

www.adam-matthew-publications.co.uk/collections_az/fo-cuba-1/description.aspx

Estes comentários não visam justificar nenhuma execução premeditada de pessoas rendidas. Apenas quero assinalar a incoerência dos que simulam ignorar que países tidos como democráticos mantiveram a pena de morte para tempos de guerra. Brasil não derrogou esta forma de punição, e a Argentina só o fez há alguns meses, apesar da insistência da ONU. (Um argumento dado por juristas da Idade de Pedra é que os crimes contra a “pátria” são mais graves que os crimes contra seres reais, como pessoas. Então, os cubanos podem ser acusados apenas de ter mantido aqueles fetiches da sociedade feudal e burguesa: patriotismo, obediência, disciplina, fantasmas colocados acima do valor das vidas humanas.) A referência ao estado de guerra se refere ao seguinte:

Cuba viveu, desde a invasão a Playa Girón, até vários anos depois, uma autêntica situação de guerra. Há um aspecto singular, que não era visto desde 1945, e nunca visto depois: Cuba foi ameaçada com ataque nuclear durante a crise dos foguetes de 1962.

Os atentados terroristas contra Cuba durante os anos 60 somam vários milhares. Não existem estatísticas exatas, mas diversas ONGs publicaram relatórios com quantidades aproximadas. Lamentavelmente, não possuo atualmente esses dados. Portanto, vou mencionar alguns ataques cometidos durante a década de 90, que foi a mais calma (além da atual) da história do país.







A lista completa de todos os atentados com maiores detalhes pode-se ver no site:
www.ain.cubaweb.cu/patriotas2/escalaing/terroring1.htm; informação adicional em:
http://www.radiohc.cu/heroes/ingles/cronologia/cronologia7.htm

O Direito de Propriedade

As desapropriações que seguiram o triunfo da Revolução foram consideradas pelos centros de poder como violação do direito de propriedade.

Entre os DH está o direito à propriedade básica (moradia, comida, medicamentos, objetos culturais, transporte), indispensáveis para desenvolver dignamente a vida. Mas não existe um direito “básico” ou natural à propriedade supérflua. O direito de propriedade foi incorporado aos códigos ao longo dos séculos, pelas classes sociais, castas, exércitos e seitas que queriam justificar sua apropriação de objetos e pessoas. Durante a transferência de poder das elites feudais às burguesas, o “direito” de propriedade se manteve, e até foi justificado por John Locke, que o considerava “o mais natural de todos”.

Com as lutas sociais no século 19, apareceram leis que contemplavam, muito precariamente, alguns direitos de outros setores (camponeses, operários, etc.). Por causa do sistema de herança, a grande propriedade atual continua baseada na acumulação predatória das classes dominantes do passado. Portanto, as primeiras ações da Revolução para expropriar e coletivizar a grande propriedade e as grandes corporações, não tem nada a ver com os DH. Não houve casos de expropriação de pequena propriedade em Cuba, inclusive nos picos de entusiasmo revolucionário. A propaganda anticubana sobre a violação do “direito de propriedade” está baseada numa confusão entre os privilégios que se atribuem as classes dominantes e o direito humanitário.

Os Direitos Políticos

Um argumento muito repetido como prova da falta do DH em Cuba, é a carência de uma democracia formal. Ora, os direitos imediatos que fornece a democracia são: o direito de eleger e o direito de ser eleito. Por sua vez, ambos podem contribuir à observância dos direitos básicos, porque um governo democrático tem menos arbítrio que uma ditadura. Mas esses direitos políticos (eleger e/ou ser eleito) não são básicos, e seu único valor é garantir os outros (liberdade, julgamento limpo, não ser executado ou torturado, etc.)

Todavia, a vigência dos direitos eleger/ser eleito não implica que os governos democráticos respeitem os DH básicos. Brasil é um exemplo grave. Aqui, governadores, ruralistas, empresários, policiais e jagunços, executam ou mandam executar centenas de crimes por ano, eliminam ou atemorizam movimentos sociais, aplicam torturas e planejam chacinas. Portanto, a existência de democracia é (até onde mostra a experiência) condição necessária para a validade dos DH, mas não suficiente. Até democracias mais antigas e estáveis podem violar os direitos básicos à vida, à integridade física, à dignidade, em alguns países. Exemplos típicos são os Estados Unidos, a Itália, e em menor medida, a Espanha e Portugal. Já os países latino-americanos, salvo Costa Rica, são recorrentes violadores dos DH, seja por culpa dos governos centrais, ou pelos governos locais ocupados pela oposição, como em Bolívia e Equador.

Mesmo se a construção de uma democracia no estilo americano tivesse sido necessária para melhorar a Revolução Cubana, aparece de imediato este problema:

Como poderia ter sido criada uma democracia na Ilha? O país foi a última colônia da Espanha nas Américas e, portanto, a barbárie hispânica durou muito mais tempo que em outros países. Depois da independência, Cuba foi reduzida pelos americanos a algo pior que uma colônia: uma simples toca para tráfico, jogo, assassinato, máfia, escravidão, conspiração e crimes políticos, numa proporção maior que em outros países ocidentais. Em 1959, Cuba tinha uma multidão de mercenários de Batista, uma oligarquia que fugiu em seguida, uma classe média pouco desenvolvida, e uma grande maioria de miseráveis. Não existia nenhuma tradição de democracia.

Se o M26 tivesse querido convocar eleições, não teria sabido como fazer. De onde surgiriam os partidos e candidatos? Como se criaria uma legislação eleitoral num país com criminosos fantasiados de juízes e legisladores? Como os partidos poderiam fazer projetos com base numa realidade ainda sem forma? Ao exigir democracia (que não exigia às ditaduras do continente), os EEUU pretendiam que o governo facilitasse a criação de um partido financiado pelo governo americano e obediente a ele.

Entretanto, depois de aprovada a Constituição Socialista (1976), que deveria ter sido produzida muito antes e com base numa visão marxista mais eclética e não centrada, como esta, na União Soviética do período de decadência, Cuba teria tido condições para construir uma verdadeira democracia. Obviamente, nenhuma direção política pode abrir as portas do poder a tendências contrárias aos princípios que sustenta. Ainda hoje, em países superdemocráticos, como a Suécia ou a Dinamarca, não é reconhecido nenhum partido nazista. Dentro do respeito aos DH, ao desenvolvimento do socialismo, à defesa da autonomia, à colaboração com revoluções similares, o governo deveria ter favorecido uma variedade de tendências, que concorreriam saudavelmente para criar um verdadeiro comunismo.

Uma nota pessoal sobre isto: quando meu tio José Lungarzo (1922-2000) chamado “camarada Juan”, veterano da 4ª Internacional e voluntário das luta de libertação da África, reprochou a Fidel Castro, em 1962, a falta de democracia popular na Ilha, foi detido e esteve preso várias semanas, até que Guevara intercedeu por ele, porém sem muito entusiasmo.

Os Direitos Raciais

Após a invasão à Baia dos Porcos, Fidel Castro entendeu que tornar-se aliado da União Soviética era a única maneira de não ser esmagado. Não sabemos por que os membros da cúpula do M26 adotaram a forma soviética de “marxismo”. Provavelmente, alguns amigos de Fidel que provinham da esquerda, como o próprio Guevara, entenderam que a visão marxista balizaria as decisões éticas e sociais da Revolução.

Não se pode descartar, porém, que apesar de que o marxismo tinha sido reduzido por Stalin a um ritual (algo como o cristianismo para os Estados Unidos), existisse em alguns setores da União Soviética uma convicção séria da superioridade ética do socialismo sobre o capitalismo, e do pensamento científico sobre o misticismo. Então, a cúpula cubana encontrou nos soviéticos, além do apóio econômico, um modelo de sociedade. Inicialmente, Fidel era um nacionalista católico de mentalidade popular e caridosa, e o contato com a visão secular, científica e aparentemente internacionalista dos soviéticos, deve tê-lo impressionado. Esses fatos influíram na premência do governo para melhorar a educação, a saúde pública, e combater o racismo, a xenofobia e outras discriminações.

Antes da Revolução, os negros (cerca de 10%) e os miscigenados (23%) sofriam uma discriminação de fato como no Brasil, proporcional também ao grau de negritude. Além disso, existia uma segregação oficializada semelhante à do Sul dos Estados Unidos, que proibia o acesso de afrocubanos a certas profissões e lugares de lazer ou cultura. O racismo do catolicismo espanhol, para o qual os negros eram ferramentas de escasso valor, encontrou reforço no racismo americano, menos cruel, porém mais arguto.

A direção cubana traçou vários planos de luta contra o racismo, eliminando as proibições legais e tentando capacitar afrocubanos nas universidades soviéticas. Entretanto, para alguns membros do governo de extração pequeno burguesa era difícil modificar sua própria visão dos negros, cujas famílias tinham tratado sempre como semi-escravos.

Os planos contra o racismo progrediram lentamente, mas, apesar dos esforços do governo, esta mazela não pôde ser erradicada. A antiga elite branca e católica com fortes raízes hispânicas se recusava à integração racial. Só houve uma diminuição sensível, parcialmente devida ao aumento do êxodo da classe alta, alguns anos depois. Mas ainda hoje o preconceito racial é forte, porém menor que em qualquer outro país do Continente.

Direitos da Vida Privada

Até tempos recentes, a direção cubana nutria preconceitos contra homoeróticos e alternativos sexuais. Estes preconceitos estiveram enraizados na liderança revolucionária, que provinha da pequena e média burguesia branca, católica e hispânica. Seus membros careciam de toda formação sociológica, estando movidos apenas por certa filantropia com os miseráveis, e seus valores eram fortemente machistas. A este preconceito se adicionaram as teorias pseudo-científicas sustentadas pelos soviéticos, que, seguindo a biologia mecanicista do século 19, consideravam a homossexualidade uma doença, que devia ser tratada pela psiquiatria.

Esta discriminação se manteve até a década de 80, quando as autoridades psiquiátricas de Havana começaram a desenvolver um projeto para “ajudar aos homossexuais a curar-se” (sic!). Nos anos seguintes, o preconceito diminuiu em intensidade, e os alternativos deixaram de ser punidos, mas isso não eliminou a tendência policial a incomodar as comunidades GLBT.

A primeira grande abertura em direção à diversidade sexual, foi muito tardia. Depois de aposentadoria de Fidel Castro, em 2006, algumas leves mudanças propostas por seu irmão melhoraram a vida sexual em geral.

Em maio de 2009, a sexóloga Mariela Castro, filha do presidente, que liderou grandes campanhas em defesa dos direitos dos GLTB, e promoveu a implantação de cirurgias de mudança de sexo, organizou uma grande festa semelhante às celebrações do Orgulho Gay.

http://worldfocus.org/blog/2009/05/29/gays-in-cuba-join-conga-line-against-homophobia/5571/

O Direito de Crença

Cuba não conseguiu lidar corretamente com o direito individual de ter ideologia própria. A liderança cubana acredita que as crenças ou ideologias opostas ao governo são, elas próprias, projetos para prejudicar o estado. Um estudo favorável ao capitalismo pode ser interpretado como “conspiração capitalista” para derrubar o governo.

Nos últimos anos (possivelmente desde 1990), quando o entusiasmo socialista arrefeceu entre a própria liderança, essa diversidade ideológica passou a ser interpretada não já como um desafio ao socialismo, mas como um desafio pessoal aos dirigentes. Por causa dessa visão, dissidentes pacíficos com projetos legítimos são tratados como inimigos.

No relativo às crenças religiosas, o governo adotou critérios menos duros que em outros países socialistas, mas teve três tipos de problemas: (1) O enorme patrimônio da Igreja Católica e das maiores Igrejas Reformadas obstruía a socialização da propriedade. (2) A educação, que pretendia ser progressista e humanista, era monopolizada pelos católicos e, numa medida muito menor, pelos protestantes. (3) Tanto católicos como protestantes tentaram abertamente sabotar a Revolução, e depois do ataque à Baia dos Porcos, a CIA ofereceu a 80% do clero cristão, polpudos contratos e cidadania americana.

Não houve combate à religião como crença independente do poder. Uma prova disto é que nenhuma das muitas seitas sincréticas foi incomodada. Mas, Fidel Castro em particular se envolveu em críticas à Igreja Católica, o que culminou em sua excomunhão em 1962. Mas, em 1992, a tensão diminuiu, e, em 1998, o Papa incluiu a Cuba em sua lista de fregueses.

Apesar de ter uma educação técnica e científica de qualidade, Cuba não pôde brindar à juventude uma educação sociológica e humanista para transformar o ser humano no “novo homem”, de que Guevara falava muito, porém sem dar uma definição operativa. Para superar as superstições injetadas no povo, uma solução teria sido oferecer cursos sobre a origem do capitalismo, a história da América Latina, o papel dos EEUU, a função da Igreja, e os princípios científicos da vida e a natureza usurpados pela charlatanagem. Em vez disso, em 1962, talvez por esnobismo intelectual, o Ministério de Educação introduziu os conceitos mais filosóficos, estéreis e marginais do marxismo, agravados pelas adaptações russas. Assim, na Universidade de Havana se ministravam, na primeira metade dos anos 60, três disciplinas de materialismo dialético (!) nos cursos de engenharia.

Segurança e Direito de Emigração

A necessidade de segurança de Cuba não era nova no mundo socialista. Quando os bolchevistas ganharam o poder, sua imediata preocupação foi a defesa contra ataques de outras potências, dos reacionários remanescentes, dos separatistas, dos czaristas, dos futuros nazistas, em fim, de todos. Quando uma sociedade se subtrai do domínio dos poderosos, a reação destes chega na forma mais violenta possível.

Após a vitória da Revolução Cubana, sua relação com outros países não alterou em seguida. Os americanos estavam cansados dos problemas criados por Batista, e tinham certeza de poder comprar o novo governo, mantendo a opressão com a máscara de democracia. Mas, depois dos primeiros atos autônomos dos cubanos, a Casa Branca reagiu com agressividade. À medida que foi passando o tempo, as ameaças de espionagem, sabotagem, terrorismo e difamação induziram o governo cubano a restringir algumas liberdades individuais. Cuba estava na seguinte alternativa: manter as liberdades arriscando a segurança, ou cuidar da segurança, restringindo as liberdades. A opção pela segurança é, na maioria dos casos, um pretexto para manter maior controle sobre a população e estender o poder do governo. Argumenta-se, às vezes, que o descuido da segurança pode favorecer sabotagens e contragolpes que, de maneira imediata, produziriam um dano maior aos DH.

Cuba fez opção pela segurança radical. Se a segurança do país tivesse sido descuidada, permitindo a circulação internacional de “turistas”, a formação de uma eficiente rede terrorista teria sido facílima. Formada uma “quinta coluna”, um ataque como o da Baia dos Porcos não teria fracassado. Entretanto, o equilíbrio entre segurança e DH deve ser balançado. Os DH são princípios universais, indivisíveis e imprescindíveis na sua totalidade. Apesar disto, deve reconhecer-se que existem algumas fronteiras difusas, embora elas sejam rígidas em sua maioria. Por exemplo, tortura, pena de morte, racismo, humilhação, e outros, são direitos absolutos e qualquer polêmica sobre eles é uma perversão dos DH.

Mas, alguns direitos não são básicos. Por exemplo, toda pessoa tem direito ao deslocamento. Ninguém deve ser proibido de sair de seu país, mas poderia estar sujeito a condições que evitem que sua viagem possa alterar a segurança de outros cidadãos.

Em geral, as restrições sobre deslocamento nos países socialistas, incluindo Cuba, não estão nessa fronteira entre o direito comum e o direito humanitário. Os cidadãos aos que se impediu viajar eram, em sua maioria, pessoas normais que procuravam uma vida que consideravam melhor. O único “perigo” que representavam para o governo era a possível propaganda contra Cuba. Então, esses direitos não foram limitados por real segurança, mas por um sentimento chauvinista e patrioteiro de ocultar os problemas do país no exterior.

Não há fontes para comparar exatamente as proibições de ir a vir por motivos de segurança, com as proibições produto do arbítrio, da desconfiança e do autoritarismo. Mas uma visão intuitiva sugere que estas são muito mais.

Um ponto de vista interessante sobre a relação segurança/DH (menos radical que o meu) está na conferência de Jean-Louis Roy, neste link (Canadá, 05/2004):

www.dd-rd.ca/site/_PDF/publications/intHRadvocacy/bridgingrightsandsecurity.pdf

Censura e Direito de Expressão

Repudiar a participação estatal ou social na mídia é uma posição política que nada tem a ver com DH. As oligarquias são donas de jornais, rádios, TV e outros meios, e defendem seus privilégios, como sempre há acontecido. Ora, querer mostrar que um limite a esses privilégios é uma violação dos DH, é uma hipocrisia que nem merece ser discutida. Apenas uma observação: Que porcentagem os habitantes de um país (qualquer país!) tem alguma possibilidade de expressar-se por meio da mídia privada?

Mas, as acusações de real limitação do direito de expressão em Cuba são verdadeiras. Não é que a política cubana seja condenável porque não há mídia privada. Isso afeta apenas o privilégio da propriedade de meios, um privilégio que só os muito ricos têm. O grave é que o governo pune a pessoas individuais ou a grupo de pessoas, que expressam sua dissidência com a política do governo.

As autoridades cubanas continuam aplicando punições contra pessoas independentes que as criticam. Aliás, mesmo nos momentos mais críticos de uma sociedade, o direito de opinião, crítica, contestação e desafio não devem ser confundidos com a difamação ou a criação de rumores golpistas. Aliás, se um sistema social é tão frágil que pode ser destruído apenas pela crítica, será que vale a pena defendê-lo?

A negativa a aceitar a crítica originou-se nas teocracias, especialmente com credos monoteístas. Nesses sistemas políticos, há uma opinião oficial (como as declarações “infalíveis” do Papa), que não pode ser contestada sob pena de punição. Os movimentos socialistas se apresentaram sempre como defensores da emancipação humana; portanto, seu uso de censura que é de origem religiosa, significa um grave desvio.

A explicação para este fato em Cuba, na China e na URSS é a brusca transição da sociedade tradicional, supersticiosa e obscurantista, a um estado que pretende ser socialista sem ter passado pelo Iluminismo. A direção cubana se manifestou muitas vezes científica e laica, e o tem demonstrado em algumas campanhas sociais. Entretanto, alguns resíduos da censura teológica continuaram poluindo as decisões do governo. Vale observar que, em países capitalistas com culturas conservadoras existe também este tipo de sacralidade, porém de sinal oposto. Na Itália, por exemplo, críticas contra a Igreja podem ser punidas com cadeia.

Cuba tem levado aos níveis mais absurdos, dignos de uma sociedade do século 13, a submissão de seus cidadãos. Pode ser crime criticar o presidente, faltar com o respeito “aos símbolos pátrios” (!) e outras bobagens.

Direito a Trato Digno

Muitas vezes, os dirigentes cubanos têm contraposto seu sistema político com a brutalidade de outros estados, onde se praticam de maneira sistemática tortura e extermínio. Os países latino-americanos são atualmente democráticos. Então, as torturas e crimes cometidos nesses países não podem ser atribuídos a nenhuma ditadura. Apesar da escassa informação que temos sobre Cuba, supõe-se que os tormentos aplicados a prisioneiros estão num nível muito menos brutal que os utilizados pelas prisões argentinas, brasileiras ou peruanas, e são menos freqüentes. Também se desconhecem genocídios e massacres no campo ou em favelas.

Entretanto, o tratamento dos prisioneiros é extremamente rude e pode ser uma forma indireta de tortura. Em alguns casos, se registraram mortes por espancamento.

www.cubaverdad.net/torture_in_cuba.htm

Direitos Sociais

Anistia Internacional e muitas outras organizações neutrais reconhecem o bom nível dos direitos sociais em Cuba, quando comparados com a maioria dos países latino-americanos e até com alguns países industriais. Seguem fragmentos de uma tabela sobre o Desenvolvimento Humano de vários países, na que aparecem Cuba e o Brasil.

Este texto foi extraído do Relatório de Desenvolvimento Humano 2009 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, compilado com base em dados de 2007 e publicada no dia 5 de Outubro de 2009.











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*Carlos Alberto Lungarzo foi professor titular da UNICAMP até aposentadoria e milita em Anistia Internacional (AI) desde há muitos anos. Fez parte de AI do México, da Argentina e do Brasil, até que esta seção foi desativada. Atualmente é membro da seção dos Estados Unidos (AIUSA). Sua nova matrícula na Organização é o número 2152711.

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