Do Site Brasil Atual.
Euro: um cavalo de Troia na (ou da?) Grécia...
Por: Flavio Aguiar
Greve geral incluiu protestos contra violência policial na Grécia (Foto: Subterranean Tourist Board/Flickr)
É conhecida a legenda de como os gregos derrotaram os troianos, na guerra cantada no poema de Homero (Ilíada/Odisseía), introduzindo dentro de suas muralhas um cavalo de madeira oco e cheio de soldados. Essa “tropa de elite” abriu as portas durante a noite, e o exército grego numa única noite conseguiu o que não conseguira durante dez anos de guerra.
Agora quem tem dentro de suas “muralhas” um cavalo de Troia é a própria Grécia, e ele se chama euro, a moeda única da União Européia. Ou será que é o contrário? A Grécia e sua crise do déficit público seria um novo cavalo de Troia dentro da Zona do Euro? Diga-se de passagem: trata-se de uma crise anunciada (V. post neste blog, "União Européia: Arca de Noé ou Titanic", de 04/01/2010).
Na quarta-feira (24/02) a Grécia parou: uma greve geral no setor público e outros setores paralisou transportes, escolas, cidades, aeroportos, ferrovias, tudo. Uma multidão de 500 mil pessoas manifestou em Atenas contra medidas chamadas de “austeridade” propostas pelo relativamente novo governo dos socialistas, que, liderados por George Papendreau, assumiu depois da eleição de outubro do ano passado.
Nessa eleição, o governo conservador anterior, liderado por Kostas Karamanlis do partido Nova Democracia, perdeu a maioria. A ND caiu 8,38 % em sua votação, indo para 33 %. Já os socialistas subiram 5,82%, indo a 43 % e não tiveram dificuldade para formar o novo governo, já que os partidos à esquerda no espectro político obtiveram cerca de 57 % dos votos.
Mas aí começaram as dificuldades. Aparentemente os conservadores, enquanto no poder, tinham maquiado dados para fixar o déficit público do país numa estimativa de 4 % ou 5 % do Produto Interno Bruto (PIB). Quando os socialistas assumiram, o novo cálculo catapultou a dívida pública para 12,7 % do PIB. Isso tornou a Grécia um país na prática à beira da bancarrota. Os "investidores estrangeiros", essa praga que já devastou o México, a Rússia, Dubai e fez estragos enormes no Brasil do passado, ameaçaram/começaram a retirar seus investimentos, além de recusarem a comprar letras do Tesouro grego. Além disso, a Grécia tem uma dívida com bancos estrangeiros orçada em 300 bilhões de euros (mais de 800 bilhões de reais). Um terço dessa dívida pertence a bancos alemães e franceses.
Resultado: a Grécia se viu na contingência de pedir socorro internacional. Aonde? Só há duas fontes: a própria União Européia, de que a Grécia faz parte desde 1981, ou o FMI. A segunda hipótese arrepiou os cabelos dos demais países da UE, sobretudo a Alemanha e a França, porque isso significaria a possibilidade de ingerência direta (a indireta já é uma indigesta realidade) dos Estados Unidos (que são, na verdade, o “boss” na instituição...) na economia do continente. Teoricamente até o Brasil, que de devedor passou a credor do FMI, poderia dar o seu teco de palpite na economia européia...
Resta a primeira hipótese, ampliada porque a bancarrota da Grécia poderia arrastar o euro, a moeda única continental criada a partir do Tratado de Maastricht, de 1992 e adotada por 16 países da União Européia (a chamada Zona do Euro) a partir de 2002, a uma crise sem precedentes em sua ainda curta vida. A fuga de capitais da Grécia já vem provocando uma desvalorização da moeda frente ao dólar e uma ameaça sobre os países da “periferia do euro”, cujas economias estão também na berlinda e não podem (como a Grécia) desvalorizar suas moedas para tornarem-se competitivas no mercado internacional, porque elas não mais existem. Essa contingência atinge duramente Portugal, Espanha e Itália, pelo menos. A presente desvalorização do euro, por outro lado, não traz vantagens adicionais para a zona da moeda, em estagnação econômica: simplesmente capitais entram em refluxo, migrando para moedas e mercados mais rentáveis e seguros, uma vez que a “saúde monetária” geral está ameaçada.
A perspectiva de uma ajuda européia, liderada, sobretudo, pela Alemanha, que é a “irmã rica” do bloco, introduziu uma cunha, ou um amargo veneno na economia grega, onde a presença estatal é grande. O governo alemão, às voltas com uma economia estagnada, aumento da pobreza, concordatas ou falências entre médias e pequenas empresas, e despendendo bilhões para socorrer as grandes e o sistema financeiro, vai ter de dar muitas explicações internas e externas para justificar empréstimos bilionários a um país que, aos olhos hegemônicos na União Européia, “não fez a lição de casa”, isto é, não privatizou o suficiente nem enxugou o Estado a um nível aceitável para os demais, além de ter de reduzir a relação déficit público/PIB a 3%. Resultado: o governo alemão e a UE aumentaram a pressão para que o governo grego fizesse exatamente o contrário do que parte do seu eleitorado esperava que fizesse, quando o elegeu.
Essa “lição de casa” que agora está sendo exigida para que a ajuda se concretize visa reduzir no curto prazo o déficit público para 8,7% do PIB. Ela compreende (exige): aumento de impostos, aumento da idade para aposentadoria e congelamento dos salários no setor público. Seu resultado imediato foi a greve de quarta-feira e a manifestação de 500 mil, embora seu alcance tenha sido menor do que o esperado pelos organizadores. Por outro lado, além das contas sobre PIB e déficit, a pressão que ora se faz, sobre a Grécia e os socialistas gregos, visa estrategicamente “enquadra-los” na moldura e nas balizas da UE que são hegemonicamente herdeiras do Consenso de Washington, ainda que mitigado. As exigências mais dramáticas deste foram reservadas para os países da América Latina no passado, antes da vaga de esquerda que cresceu no continente no século XXI.
Algumas quase certezas apontam no horizonte. Apesar de sua extraordinária capacidade de mobilização, dificilmente os sindicatos do setor público grego terão forças para impedir as duras medidas que o governo anuncia e, pelo visto, sem outra alternativa, vai implementar. Por outro lado, o governo socialista terá de, nelas, fazer algumas concessões, porque não só não conseguirá impedir os sindicatos de se mobilizarem, mas se não o fizer, estará se suicidando com um tiro no próprio pé, já que está batendo de frente com uma de suas mais importantes bases eleitorais. A União Européia, Alemanha à frente, vai continuar batendo pé nas suas exigências; mas terá também de fazer concessões, porque um divórcio da Grécia com a Zona do Euro seria catastrófica para a moeda e os outros membros, podendo ser o estopim de uma corrida “para trás” em outro países. Até mesmo, pelas razões já expostas, um “flirt”, ainda que momentâneo, da Grécia com o FMI seria também uma catástrofe, pelo golpe na auto-segurança monetária da Europa e pelo “mau exemplo” para os demais países que acabam de entrar ou estão pleiteando a entrada na UE.
Todo mundo vai fazer de tudo para que a corda não arrebente. Mas enquanto isso, os trabalhadores, os aposentados e os pobres de um modo geral continuarão pagando a maior parte pesada da conta, em termos de suas expectativas de sonhos e de aspirações na vida.
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