quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

ELEIÇÕES - Urna eletrônica.


Especialista: TSE inviabiliza investigação de fraude em urna

Do Terra Magazine

Antonio Cruz/Agência Brasil

Só um bom pai de santo poderia garantir ao eleitor que seu voto foi computado, critica advogada

“Só um bom pai de santo” poderia garantir ao eleitor que seu voto foi computado, critica advogada

Marcela Rocha

Para a advogada Maria Cortiz, falta de transparência e o custo da urnas eletrônicas brasileiras são dignos de maior atenção. Contudo, alerta, o Tribunal Superior Eleitoral “inviabiliza” investigação sobre fraudes e “ridiculariza” quem levanta essas questões. Em entrevista a Terra Magazine, a especialista em auditoria de processo eleitoral aponta essas e mais uma série de falhas no sistema que adota o voto eletrônico desde 1996.

- As urnas não são invioláveis – pontua Cortiz.

A advogada presta consultoria para o PDT e PT, mais recentemente. Por conta disso, conta ter visto e denunciado uma série de fraudes envolvendo as urnas eletrônicas brasileiras. Na entrevista abaixo ela detalha casos em que elas foram violadas e, segundo a advogada, nada foi feito. Segundo ela, pelo contrário, “os pedidos foram indeferidos”. “Estão parados”.

Para fundamentar suas críticas, Maria Cortiz destaca desfechos de processos como o descrito abaixo:

- Como o TSE não tinha como contestar aquelas provas, a única forma de auditá-las era subindo o preço. No TSE, então, estipularam quem faria a perícia e o preço seria este (R$ 2 milhões). Ou seja, inviável.

“A pessoa que questionou o Tribunal declarou não ter esse dinheiro todo”, relata. O órgão, por sua vez, “deu a sentença, encerrou o processo e condenou o impetrante por litigância de má fé” (utilizar procedimentos jurídicos desonestos para vencer ou prolongar o andamento processual, causando dano à parte contrária).

Leia abaixo a íntegra da entrevista:

Terra Magazine – Quais críticas a senhora nutre em relação ao processo eleitoral brasileiro?
Maria Cortiz –
A minha maior crítica é em relação ao custo do processo, que foi realizado unilateralmente pela Justiça Eleitoral. Para que um partido consiga fazer uma fiscalização eficiente, ele teria que gastar muito. São oito etapas e, na primeira, que seria uma análise dos códigos fontes de todos os programas das urnas – à disposição dos partidos por seis meses-, ficaria em torno de R$ 300 mil e seriam necessárias 15 pessoas para realizá-la em Brasília. Quem tentou fazer não conseguiu.

Por quê?
Porque é muito caro e os partidos não dispõem desse valor para fazer isso. Além disso, ao final das oito etapas, ainda não é possível ter certeza que a fonte analisada é a mesma que rodou na urna durante o processo eleitoral. Essa forma de verificação é muito cara, então, ela se torna proibitiva.

A senhora mencionou o custo…
A minha segunda crítica ao processo é em relação à dificuldade que enfrentamos de obter- da Justiça Eleitoral – os documentos que são gerados pelos arquivos das urnas no final das votações. É uma dificuldade enorme. Na hora em que o juiz está à frente do processo, ele não é um juiz, ele é um administrador. Então, ele deveria entregar a documentação e não julgar o pedido. Eles indeferem diversos pedidos e é preciso recorrer.

Para os leigos, falta o quê? Participação da sociedade, dos partidos…
Olha, os partidos até que tentaram. O PT e o PDT sempre vão.

Já houve fraudes denunciadas?
Sim e foram indeferidas. Foram julgadas pelo Tribunal e indeferidas. O caso mais patológico foi o de Alagoas, que até hoje não se fez uma apuração decente, eficaz. E eu tenho também uma representação em Marília (SP), que deixou evidente a emissão de dois boletins de urna. Um totalizado às 6 horas da manhã no dia da eleição. Nem tinham começado a votar e já tinha um boletim com os resultados. Eu reclamei, mudaram a data e colocaram 18 horas. Isso está na representação 751 no TSE, aguardando julgamento desde 2005.

Esse processo, então, está parado. E o de Alagoas?
Fizemos um relatório preliminar. Tínhamos um prazo curto, mas, ainda assim, descobrimos problemas sérios. 22% das urnas estavam dando problemas nos arquivos. O boletim de urna era válido, foi para a totalização. Mas ela tinha coisas incoerentes como: após emitido o comprovante de que a urna estava vazia, sem nenhum voto, começaram as votações; até aí, tudo ok. Ao longo dos votos, o software passou a mudar de cidade, de número de urna e trabalhou o dia todo assim. Tinha um comando dentro dessa máquina dizendo para trabalhar de determinada forma e, no momento da totalização, programou-a para voltar ao normal. Por que esses boletins foram aceitos na totalização? Pois estavam com a característica da urna oficial, contudo, durante o dia, essa urna trabalhou com características de não oficial.

Mas, e aí?
O Tribunal pediu R$ 2 milhões ao candidato que estava impetrando as urnas. E assim, pararam o processo. Fizemos um relatório preliminar. Eles, então, contrataram um perito da Unicamp para fazer um segundo relatório, que saiu muito pior, no sentido de que denunciou muito mais. Entraram com processo e tudo mais, com advogado que, inclusive era ex-ministro. Como não tinha como contestar aquelas provas, a única forma de auditá-las era subindo o preço. No TSE, então, estipularam quem faria a perícia e o preço seria este (R$ 2mi). Ou seja, inviável. Como a pessoa que impetrou declarou não ter esse dinheiro todo, eles deram a sentença, encerraram o processo e ainda condenaram o impetrante por litigância de má fé. Ele sabia que a urna era inviolável e ele entrou com uma ação temerária, por isso a acusação do TSE, que acabou encobrindo isto.

Algum outro caso emblemático?
No ano passado, fui para Itajaí, peguei um outro problema. Olha, eles são criativos, viu? O candidato tinha certeza de que ganharia o pleito e não ganhou. Nos chamou e queria saber o que havia acontecido. Conseguimos pegar os documentos, que estavam dentro da urna. A legislação prevê um teste, quando está acontecendo a carga da urna.

Sim…
Os partidos deveriam estar dormindo e eles escolheram somente uma urna para fazer o teste. Não me conformo com isso. Alguém foi lá e carregou a urna com outro cartão de memória oficial. O pessoal testou, viu que estava tudo certo e sabe o que aconteceu depois? Essa urna não foi usada na votação. Ou seja, as urnas que foram usadas em Itajaí sofreram fraude no teste.

As campanhas são sempre questionadas. Por que a segurança das urnas não é?
Porque as pessoas que falam de urna são ridicularizadas perante o Tribunal. Os juízes costumam tratar de maneira diferente as pessoas que questionam as urnas eletrônicas. Em Itajaí, por exemplo, foram 15 advogados importantes, mas ninguém tem coragem de abordar isso. Os partidos até conhecem, sabem, mas a base não conhece. A hora que eles levam uma derrota é que eles se alertam. Aí, bom, é tarde, mesmo que haja algum resultado ilegítimo.

A Lei de Licitações prevê alternância de fornecedor no caso das urnas eletrônicas?
A Diebold já ganhou várias vezes a licitação. Nesse problema da licitação, eu discuto muito o preço que se paga. É muito alto, compram urnas desnecessariamente. Mas enfim, isso já foi muito falado. Na questão da licitação em si, eu defendo o consórcio. A Diebold não tem todos os componentes, então, ela terceiriza coisas que ela não pode fazer. Ela terceiriza até a montagem das urnas. Em 2008, acharam uma urna na Radial Leste.

E ninguém foi responsabilizado?
Exatamente. Ninguém. Quem pegou essa urna, sabia o porquê, embora os programas não estivessem lá dentro, na verdade a Diebold está montando as urnas.

Como assim? Mas não foi ela que venceu a licitação para fornecer?
Mas não fabrica. Podemos questionar a segurança. Essa pessoa que fabrica não pode vender para outro comprador? Pode. Os partidos não têm acesso às essas informações. E mais, quem transporta é uma empresa de logística. Qual a segurança desse procedimento?

O TSE, recentemente, divulgou um teste de segurança das urnas. A senhora estava presente nesse teste…
Esse teste aconteceu por conta de um pedido feito pelo PT e PDT em 2006. Queríamos que eles entregassem uma urna com o programa, em um ambiente fechado, controlado, com a presença dos partidos e sem imprensa. Nós atacaríamos a urna, porque sabemos como se faz para atacar. Não são invioláveis. O TSE resolveu chamar uma comissão de pesquisadores indicados pelos partidos e pelo Tribunal. Quando foi proposto na Câmara o voto impresso – que barateia e aumenta a segurança -, começaram a articular uma forma de mostrar que seria desnecessário colocar o voto impresso, cuja existência fiscalizaria o TSE. Mas e o teste?
Então, com essa ameaça iminente, fizeram uma nova resolução para o teste, excluindo os partidos da participação. Esse teste seria totalmente controlado por pessoas CONVIDADAS (NR: destaque dado pela entrevistada) pelo Tribunal.

E qual a legitimidade do teste?
Nenhuma. Desistimos, então, do teste. O TSE, por sua vez, afirmou que estávamos de acordo com a urna.

Fala-se muito em auditorias externas, ao se tratar de tecnologia da informação. Isso é feito? Qual a importância?
Para confiarmos num sistema, ele tem que ser auditado de forma externa, não só de pessoas isentas, mas externas ao próprio sistema. Os testes que são propostos são mais ou menos como se eu perguntasse para a própria urna se ela é honesta e, é óbvio, ela diria que sim. Para a auditoria ser eficaz e válida, ela precisa ser feita externamente ao software e por uma pessoa externa ao sistema.

Sou uma eleitora. Vou lá e voto. Como eu faço para ter certeza de que meu voto foi computado?
Olha, arranja um bom pai de santo. Estamos buscando justamente isso: A segurança. Poderíamos pegar 2% das urnas e ver se os votos batem. Se baterem, ótimo. Quem sabe fazer isso? Qualquer um. Não precisa contratar uma empresa de auditoria, um advogado especializado.

Mas isso não ocorre? Nenhum tipo de verificação, nem primária como essa?
Pois é. O TSE diz que esse processo brasileiro é o melhor do mundo. Mesmo o paraguai que recebeu urnas brasileiras em doação do Brasil, não aceitou o sistema porque não dava pra conferir. Quando uma pessoa vota, a urna grava o voto num registro. Como fazer para saber se gravou certo? Não dá. Se não fizermos auditoria, esse modelo não serve para nós.

Sobre a biometria (tecnologia que permite o reconhecimento do eleitor pela digital e pela foto), a senhora acredita que isso pode melhorar a condição de segurança?
O processo de biometria começou em 2004. Não existia verba no orçamento para fazer esse processo de biometria. Indeferiram meu pedido de comprovação de verba, dizendo que ela viria depois. No TCU, o processo ficou lá e está até hoje sem solução. Descobrimos, então, que a verba viria toda do FBI. Mas isso não tem por escrito porque foi um acordo feito entre o TSE e o FBI. Seria um compartilhamento de dados em troca da tecnologia do processo. O processo foi suspenso.

E agora?
Voltaram a falar nele agora, mas com a nossa verba. Contudo, o compartilhamento de informações será feito da mesma forma e de todos os brasileiros. Por que não dizer aos brasileiros que isso será, também, para um banco de dados? Essa é a minha crítica. A biometria no modelo Sagem – Afis não é um método de reconhecimento de eleitor, mas de criminoso. Para que tudo isso? Pinta o dedo, oras. Mas o TSE quer o espetacular, o fantástico. Mas usa esse mantra para esconder esse reconhecimento de digitais e faces. Custava devolver a foto para o título de eleitor? Para o voto, sabe qual é a consequência jurídica disso? Nenhuma. Se o eleitor não for identificado, ele pode votar do mesmo jeito. Quem vai verificar as identificações depois? Ninguém

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