A HISTÓRIA ATRÁS DAS GRADES
Raul Longo
O primeiro sistema de governo imposto ao Brasil foi o das Capitanias Hereditárias e, desde então, nunca alguém da elite governante foi condenado.
O Governador do Distrito Federal, José Roberto Arruda, inaugura novo capítulo da história do Poder neste país. Isso merece uma revisão de memória e você está convidado para uma breve viagem por capítulos da
História da Impunidade do Poder no Brasil – Origens
Há quem considere Hildebrando Pascoal, também do DEM, quando ainda PFL, como o primeiro caso. Mas há de se convir que, até onde se saiba, Arruda não mandou matar ninguém. E mesmo se outros daquele partido chegaram a praticar pessoalmente uma execução, não há notícias de que se tenha empregado esquartejamento a golpes de motosserra.
Daí que comparar ou querer antepor Hildebrando Pascoal ao seu coopartidário do governo do Distrito Federal, aparenta exagero.
Por enquanto, todas as provas contra Arruda são de mera prática de crime de corrupção, não de assassinato e sequer como mandatário de execução. Ainda que também corrupto, Arruda não é nenhum Antônio Carlos Magalhães.
Já aos que deram origem aos poderes ainda hoje usufruídos pelas elites econômicas brasileiras, e seus representantes políticos, tais comportamentos não causavam os constrangimentos que hoje atingiriam até um Bornhausen.
Naquele primeiro sistema de Poder instituído no Brasil, o direito de escravizar, matar, esfolar, estuprar, empalar, esquartejar ou o que e como se resolvesse dispor da vida dos naturais da terra, os índios, posteriormente também de negros e outros servos, inclusive brancos pobres; era hereditário.
Para entender quem eram esses herdeiros de tantos poderes, precisamos, lembrar que os Lusitanos surgem da acomodação de tribos proto-célticas e celtas ao ocidente da península Ibérica que resistiram bravamente ao exército Romano durante a II Guerra Púnica (Roma x Cartago), mas foram dominados através do assassinato do líder Viriato por seus próprios companheiros de armas subornados por Roma, em 140 a.C.
Em 409 d.C inicia-se uma série de invasões bárbaras e as presenças mais duradouras naquele extremo da Península Ibérica foram as dos Suevos e Visigodos. Estes últimos, de origem indo-iraniana, mantinham sistemas religiosos arianos baseados nos Vedas, chocando-se culturalmente com a população Lusitana, já então cristã e católica.
Os choques bélico/religiosos e culturais entre Lusitanos e bárbaros provocaram a destruição de muitas cidades e a ruralização daqueles povos, facilitando a invasão moura em 711 d.C.
Ao longo de 8 séculos os muçulmanos desenvolveram a urbanização, a arquitetura, a arte e a cultura da Ibéria, notadamente a náutica que mais tarde impulsionaria as descobertas ultramarinas. Ao norte da península, resistia o Reino de Astúrias que se subdividiu nos Reinos de Leão, Navarra, Aragão e Castela. O rei de Leão e Castela entregou ao genro as terras que formaram o Condado Portucalense e, mais tarde, se tornou no Reino de Portugal, reconhecido pela Igreja como uma nova monarquia em 1143.
Mas a Península Ibérica só foi definitivamente desocupada pelos mouros em 1492, no mesmo ano em que Colombo descobriu a América e a Inquisição Católica expulsou também os judeus de Espanha.
Acolhidos pelo reino de Portugal por influência de seus patrícios que ali alcançaram altos cargos junto à corte: conselheiros reais, diplomatas, médicos, administradores, comerciantes, banqueiros e tudo o mais a que os lusitanos, de costumes campesinos, não eram afeitos. Após sobreviver ao genocídio inquisitorial e com o que conseguiram salvar do saque clerical em Espanha, os fugitivos foram achacados pelos próprios patrícios em prol da coroa e para financiamento da reconstrução das metrópoles lusitanas.
Então os judeus constituíram ¼ da população de Portugal, mas a anterior ascensão daquela elite judaica, mesmo após a expulsão de seus protetores muçulmanos, se deu pela consciência lusitana de que deveriam imitar os vizinhos espanhóis buscando caminhos e terras ultramarinas. Falida pelos dispendiosos combates aos mouros e as guerras intestinas e familiares entre seus herdeiros, a Coroa portuguesa buscou recursos entre técnicos, engenheiros, construtores náuticos e financistas. Todos judeus.
Cerca de dois milênios antes e através do longo período em que se asilaram na Babilônia, a princípio como escravos depois voluntariamente, os judeus se aperfeiçoaram na matemática, uma ciência desenvolvida e aprimorada pelos Assírios. Esses conhecimentos chamaram a atenção dos senhores feudais que os contrataram como contabilistas, em substituição aos representantes da Igreja Católica para tais misteres. A necessidade fora criada pelos preceitos difundidos pela própria Igreja, condenando aos infernos aqueles que lidassem com valores monetários sem o salvo-conduto clerical, exclusivamente concedido aos vigários. Na origem, a palavra vigário designava: “aquele que substitui outro”. Substituíam os sacerdotes da Igreja nos cofres dos castelos.
Não demorou muito para darem origem ao termo “vigarista” e, buscando auxílio de pessoas mais honestas e não comprometidas com as infernais condenações que tantos os assustavam, os nobres europeus transformaram ex-pastores em financistas que não interferiam no que competia ao patrão, mas reservavam o arrecadado pela especulação. Assim, e com a miscigenação, foram se tornando nos tais “loiros de olhos azuis” que da Europa e da América Norte provocaram a atual crise financeira mundial.
Mas naquele importante ano de 1492, os ainda castanhos e morenos judeus mais interessavam pelos conhecimentos herdados de outros de seus tantos primos semitas: os fenícios que para ali os levaram por volta dos anos 70 d.C., quando os Romanos destruíram Jerusalém, atravessando o Mediterrâneo por suas artes de navegação à vela, da qual, então, detinham exclusivo know-how.
Se assim foi construído Portugal, através da sabedoria e do labor de judeus e muçulmanos árabes e africanos; o que haveriam de construir aqui aqueles nobres Donatários? O que fariam além de caçar índios e depredar a Mata Atlântica para extrair pau-brasil?
Ainda há poucas décadas era muito comum a expressão “trabalhar como um mouro”. Mesmo neste Brasil d’além mar, qualquer pessoa com mais de 40 anos haverá de na infância ter ouvido dizer o pai, ao chegar a casa cansado, no final do dia: “Hoje trabalhei como um mouro!”.
Temos até o verbo “mourejar” para designar o que é conseguido com muito esforço.
Isso quer dizer que os mouros eram excessivamente trabalhadores? Por tudo o que construíram em Ibéria, sem dúvida era uma gente laboriosa, mas comparando o tão pouco ou quase nada realizado pelos colonizadores lusitanos com o que descendentes de espanhóis e ingleses erigiram e providenciaram em outros países das Américas; concluiu-se que os males do Brasil provêm dos lusitanos degredados, dos condenados ao desterro.
Será? Estaria naqueles destituídos de quaisquer condições e provimentos pecuniários a origem de nossas deficiências? E os nobres? Por que os agraciados pela Coroa portuguesa com áreas duas a cinco vezes maiores do que a do próprio Portugal e da maioria das nações européias, nunca são lembrados como responsáveis pelo crônico atraso que nos acompanhou ao longo de cinco séculos de história?
Voltando aos mouros e considerando as diárias abluções à Meca entre outros cumprimentos de obrigações religiosas, se pode imaginar que não fossem mais trabalhadores do que qualquer povo que, com alguma sinceridade, sem especulação e exploração do suor alheio, se esforce pela evolução da própria comunidade étnica ou nacional. Sem saques aos estipêndios públicos, nepotismos e corrupções tão comuns na Lisboa daqueles antanhos quanto na Brasília, São Paulo, Porto Alegre ou Florianópolis de hoje.
Os mouros trabalhavam como qualquer outro povo, mas nossa elite, sim, é que desde seus primórdios diletantemente se dedica a vagabundagem, ao dinheiro fácil e fornecido pelo povo que, para sustentá-los, tem de trabalhar mais que mouros. Antes como servos, depois como escravos e, hoje, para mantê-los pelos impostos.
Segundo o IBPT – Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, em setembro do ano passado, ainda que em meio à crise financeira mundial, a carga tributária teve a primeira queda em 6 anos. Mas o histórico dos aumentos de impostos bem demonstra quanto nos custam os Arrudas. Em 1947, na primeira vez em que se calculou quanto pagávamos de impostos, a porcentagem em relação ao PIB era de 13,8%. Em 1965, já no início da ditadura militar, a carga subiu para 19%. Após 5 anos, em 1970 pulou para 26% enquanto a dívida externa crescia a patamares nunca d’antes vistos.
Ou seja: em 2 décadas anteriores aos militares a carga tributária subiu 5,2 pontos percentuais. Em meia década, eles a subiram 7 pontos. E tem gente que ainda tem saudade da ditadura militar, como se a culpa fosse dos mouros e não da vagabundagem de Arrudas protegidos pelas fardas dos generais.
Calma que não pára por aí e o pior estava por vir, justo quando parecia que as coisas melhorariam com queda da carga tributária após a ditadura. Entre 91 e 94, com Collor de Melo, PC Farias e tudo o mais, desceu para 25,2%; mas já no primeiro ano da chamada “era FHC”, pulou para 29,8% do PIB.
Acha pouco? Quer mais de FHC? Pois tome 34,7% de carga tributária em 2001. E assim chegamos ao status de país dos mais elevados impostos do mundo, apesar das privatizações, triplicação da dívida externa, aumento de inflação e absoluto abandono de obras e implementos em infra-estrutura.
Onde se enfiou esse dinheiro todo? Pergunte às meias dos Arrudas.
Apesar da queda da carga tributária no ano que passou, ainda detemos a mais alta do continente. Culpa de quem? Dos mouros? Do Lula que manteve os níveis atingidos por FHC para resgatar a maioria da população da miserabilidade, retomar o desenvolvimento, salvar a produção, eliminar o desemprego, reconstruir estradas, portos, aeroportos, gerar energia e pagar as dívidas a todos os credores loiros de olhos azuis?
Nem de judeus nem de mouros, a culpa é dos Arrudas que elegemos a cada pleito. Claro que não será pela prisão de um único que diminuirá substancialmente nossa carga tributária, mas na queda apontada em 2009 pelo IBPT, provavelmente se reflita algo das mais de 500 operações da Polícia Federal. Sem esquecer que o atual Procurador Geral da República não é um engavetador como seu antecessor que colecionou nada menos do que 600 processos, garantindo a histórica impunidade do Poder no Brasil.
Ainda assim: passamos por um triz, pois não fosse o Arruda ir pra trás das grades, corríamos o risco de tê-lo como vice-presidente, conforme se subentende das palavras do José Serra ao pedir votos garantindo que duplicaríamos a desvantagem: “- Votando num careca, vocês ganham dois?”.
Ganhamos dois, o quê?
Ah, sim! Claro! Duplo aumento de carga tributária para financiar esquemas como o do Detran de Porto Alegre, da árvore de natal de Florianópolis, dos piscinões de São Paulo, dos panetones de Brasília, e por aí vai.
Pelo menos com o Arruda já não vai mais, mas o eleitorado Demotucano, aqueles que se beneficiam com algum recheio para suas meias e cuecas, não devem desanimar, afinal ainda sobra um careca e, avaliando bem, foram precisos 510 anos de saques dos bens públicos e doce vagabundagem para que alguém da elite dirigente do Brasil fosse pro xilindró. Talvez o caso Arruda não passe de mero acaso, certamente será apenas um hiato, deslize, falta de sorte.
Ou será um tênue e tardio eco da Revolução Francesa?
*Jornalista, poeta e escritor, colabora com esta nossa Agência Assaz Atroz
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