Aliança Para o Progresso: Kennedy Não Gostava de Jango e Brizola
Gilberto Felisberto Vasconcellos
A história não é o forte da direita.
A direita odeia a história.
Marx dizia, referindo-se ao ano de 1848 na Europa: para a burguesia, houve história, mas já não há mais. Antecipando o que um filósofo japonês pós-moderno picareta andou dizendo por aí ultimamente sobre o “fim da história”.
Eu gosto da inteligente provocação feita pelo cineasta Jean-Luc Godard: o passado? O passado ainda não passou.
Vejo que quase tudo o que está acontecendo na atualidade remete ao acontecimento trágico de 1964: o golpe de Estado tirou o país do rumo, disse Darcy Ribeiro.
O golpe implantou a ditadura durante décadas, e não conseguimos ainda sair dela, sobretudo do ponto de vista da dominação econômica.
Veio a abertura política mas a economia do país permaneceu com o mesmo modelo de 1964, conforme não cansou de repetir Leonel Brizola.
O golpe de 64 fez parte de uma sucessão de golpes na América Latina, comandados de fora, montados no exterior e executados aqui dentro pelas burguesias e oligarquias locais. O ponto de inflexão para entender essa sucessão de golpes transcorridos em um mesmo tempo histórico foi a revolução socialista de Cuba em 1959, a primeira e única revolução socialista vitoriosa na América Latina.
Campanha da Legalidade
A reação da direita desde 1959 deve ser entendida como uma estratégia para impedir revolução socialista na América Latina. É o caso por exemplo da Aliança para o Progresso concebida por um presidente norte-americano que até hoje é tido como progressista, benevolente, generoso e democrático. Refiro-me ao presidente John Fitzgerald Kennedy, do qual descende Barack Obama.
O kennedismo está contraditoriamente associado ao trabalhismo varguista de João Goulart e Leonel Brizola. Em 1961, no ano da Campanha da Legalidade em Porto Alegre, Kennedy (querendo diferenciar-se do antimarxismo primário de Truman e Eisenhower) lançou em março a Aliança para o Progresso com o maior estardalhaço, dizendo que havia chegado a hora de transformar a América inteira sem fazer uso do “imperialismo da força ou do medo”. Pois sim, algumas semanas mais tarde, Kennedy estava preparando a invasão de Cuba, aliás a Aliança para o Progresso teve por objetivo neutralizar a influência de Fidel Castro na América Latina, tal qual o Plano Marshal de 1947 foi concebido a fim de conter revoluções socialistas na Europa depois da II Guerra Mundial.
Ajuda Que Não Ajuda
Kennedy armou a maior mídia: os EUA querendo ajudar os hermanos latinoamericanos. Vamos dar uma ajuda. De lá para cá, volta e meia um presidente da república brasileiro vai lá na metrópole caçar empréstimo e “ajuda” dos ricos. É a crença de que a bolsa dos ricos cobrirá as necessidades do pobre. Ilusão idiota. “Os felizes não são piedosos”, dizia o filósofo Hegel.
Sob a vigência do neoliberalismo, Darcy Ribeiro mostrou que cada presidente da república disputará quem vai ser o mais queridinho e amado pelos EUA, com o detalhe de que o Brasil desde a época da diplomacia inglesa tem atrapalhado a unidade latinoamericana.
É de supor que o próprio Kennedy não acreditasse que a ajuda iria produzir o “take off”, a arrancada do subdesenvolvimento para o desenvolvimento. Cinismo. A Aliança para o Progresso deu dinheiro para o Somoza na Nicarágua e para os governadores golpistas Magalhães Pinto, Ademar de Barros e Carlos Lacerda derrubarem João Goulart.
Revolução Socialista ou Subdesenvolvimento Capitalista
A expressão “take off”, aplicada na economia, é de autoria do professor Rostow, que é referência obrigatória para qualquer economista de direita até hoje.
Rostow foi o principal articulador da política vietnamita de Kennedy e de Johnson. O autor de As Etapas do Desenvolvimento econômico foi o principal alvo de ataque do marxista André Gunder Frank em seu livro O Desenvolvimento do Subdesenvolvimento (1966), que fez a cabeça de Darcy Ribeiro em Montevideo quando estava escrevendo O Dilema da América Latina. Para Darcy Ribeiro, esse dilema consistia no seguinte: ou revolução socialista com desenvolvimento ou subdesenvolvimento capitalista.
A concepção do “take off” de Rostow, que fez uso do napalm bacteriológico produzido pela Monsanto e lançado no Vietnã, está embutido nas entranhas do Plano Cruzado e do Plano Real, assim como a falácia deste take off presidirá necessariamente a política econômica de José Serra, se este chegar à presidência da República em 2010.
A Aliança Para o Progresso queria ajudar a América Latina a se desenvolver sem alterar a estrutura agrária, ou seja, sem fazer a reforma agrária, que continua sendo o principal inimigo do imperialismo norteamericano, conforme dizia o historiador Toynbee em 1962, autor de quem Darcy Ribeiro tomou de empréstimo a expressão “proletariado externo” para caracterizar a América Latina.
Em 1963, no mesmo ano em que Leonel Brizola era entrevistado pela Monthly Review, os editores dessa revista marxista, Leo Huberman e Paul Sweezy, os primeiros intelectuais norte-americanos amigos da revolução cubana, desmascaravam a Aliança para o Progresso, assim como Paul Sweezy, o mestre de Gunder Frank e de Chomsky, havia desmascarado o plano Marshal.
Burguesia Capacho
O critério decisivo para avaliar a natureza social e política de qualquer governo na América Latina não é senão a reforma agrária: tal governo fez ou não, faz ou não a reforma agrária?
Leo Huberman e Paul Sweezy mostraram que não havia uma burguesia brasileira independente dos latifundiários, portanto não existe burguesia urbana interessada em fazer a reforma agrária. As famílias da burguesia urbana têm os seus filhos casados com os filhos dos latifundiários. A mesma coisa dizia Darcy Ribeiro a respeito do bloco uníssono da direita: não há antagonismo algum entre os partidos políticos, embora a sociedade brasileira social e economicamente seja cada vez mais desigualitária.
Kennedy soltava o dinheiro da Aliança para o Progresso segundo o critério dos interesses das corporações norte-americanas na América Latina. É curioso constatar que Gunder Frank qualificou de kennediana a patota de Milton Friedman (o guru de Roberto Campos) no Chile genocida de Pinochet, assim como Glauber Rocha em 1974 acusou o anti-marxismo de FHC de “kennediano”.
Quando Leonel Brizola no Rio Grande do Sul expropriou a ITT norteamericana ( havia 700,000 pessoas na lista aguardando telefones), a Aliança para o Progresso o considerou um inimigo da democracia, ou seja, um anti-kennediano.
Em 1962 um senador de Towa, Hickenlooper, espumando de ódio, pediu a cabeça política de Leonel Brizola. Em 1964, o kennediano do Ceará, marechal Castelo Branco, atendeu o pedido do reacionário senador norteamericano.
A diplomacia do governo Kennedy reconheceu, sem nenhum constrangimento, sete golpes militares contra regimes constitucionais na América Latina.
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