domingo, 14 de fevereiro de 2010

ECONOMIA - Sobra emprego? A culpa é do "povinho despreparado"?

Sobra emprego? A culpa é do “povinho despreparado”?

Falta trabalhador para limpeza? Na fila da prova para gari está sobrando. Por que?

Volta e meia, nos dias em que as notícias escasseiam, aparecem estas matérias dizendo que “sobra emprego no Brasil, mas falta mão de obra qualificada”. É o que faz hoje a Folha, dizendo em sua manchete, dizendo que “sobram” 1,6 milhão de vagas, em todos os níveis de qualificação, por falta de pessoas capazes de ocupá-las.Naquela categoria de mentiras que outro dia citei aqui, do inglês Disraeli, esta é um misto de mentira deslavada e estatística, usando dados do SINE, o Sistema Nacional de Emprego. É, ideologicamente, uma forma de nos fazer crer que é “o povinho despreparado” que atrasa o desenvolvimento do país.

Claro que falta mão de obra qualificada, como é que não poderia faltar num país que historicamente despreza a educação como o Brasil? Mas tem muito, muito mais coisas por detrás desta história.

Vou reproduzir aqui o comentário de um leitor deste blog, o Fernandes, feito no post em que falei que o nosso empresário quer “operário japonês “ prontinho, sem investir nisso. Leiam só, e deixo a forma original como ele escreveu, que revela sua sinceridade:

Brizolinha, trabalho em um dos vários SINEs espalhos pelo país e vejo isso constantemente. Empresário pedem, algumas vezes, coisas absurdas para ter um trabalhador, e ficam chupando dedo esperando algum “japonês”.
Constantemente tenho de fazer cara de bunda pro trabalhador e explicar que não tenho como encaminha-lo para uma vaga pois não cumpre um detalhe que a empresa pede.
Funções específicas, que exigem treinamento específico, são difíceis de se encontrar gente, mas eles não pensam em treinar alguém para essas funções.
Empresas que demitem funcionário e se recusam a recontratar.

Agora, o que mais me irrita, me emputece: SEMPRE exigem a obrigatoriedade da experiência em carteira de trabalho. Aí, aquele jovem que quer começar a trabalhar não pode, pode ter uma vontade absurda para começar a ganhar seu dinheiro e ajudar em casa e poder ter dinheiro para fazer suas coisas, mas não pode, porque a carteira ainda tá branca. Aquele senhor que sempre trabalhou sem registrar a carteira, porque outros patrões não registravam, se ferra. Eles exigem carteira mas não a assinam. E quem sempre se ferra? O trabalhador.

O que é dito pelo Fernandes, sobre exigências leoninas está lá no gráfico que a Folha publicou. Porque, francamente, achar que falta qualificação para auxiliar de limpeza é debochar das pessoas. Aliás, porque é que nas empresas falta gente para faxina e quando a Comlurb abre concurso, para um salário de R$ 856 formam-se filas de dezenas de milhares de pessoas? O que exigem e quanto querem pagar? Um amigo meu diz que no Brasil, o conceito marxista de “mais-valia” é diferente. Como é? E ele, um gozador, explica: é que para pagarem o salariozinho que querem pagar, mais-valia ficar em casa.

Falando sério, formação de trabalhadores qualificados é um problema grave no Brasil há mais de 60 anos. Getúlio introduziu o ensino profissional na Constituição de 1937, atrbuindo seu financiamento ao empresariado. Houve muita reação e, afinal, se chegou a um sistema que dava às confederações patronais o direito de gerirem os recursos assim arrecadados. O Senai – de Aprendizagem Industrial – foi criado por decreto-lei de Vargas, em 1942.

Ao mesmo tempo, o Governo Federal assumiu seu papel e criou diversas escolas técnicas de qualidade, voltadas para formar não os trabalhadores da indústria, diretamente, mas os seus filhos, como foi o caso da Escola Técnica Nacional, também de 42 – hoje o respeitadíssimo Cefet – que, curiosamente, funcionava como um Ciep: horário integral, alimentação completa, assistencia medico-dentária, etc…

Ninguém está aqui dizendo que Senai, Senac e outras instituições do Sistema S sejam ruins, ao contrário. Ao contrário, são muito boas. E ninguém duvida de que, por serem administradas pelo empresariado se tornaram ágeis e eficientes. Mas, como qualquer empresa, passaram a focar-se mais em receitas que em seu papel social.

Quer um exemplo? Consulte essa tabela de preços aqui, do Senai do Paraná. Reproduzi na ilustração: um curso de torneiro mecânico, como o que fez o Presidente Lula, custa R$ 1.060, em quatro parcelas, por dois meses de aulas de três horas e meia! Ou seja, R$ 530 por mês!

Na Constituinte de 1988, o empresariado se mobilizou e colheu mais de um milhão de assinaturas para evitar que o “Sistema S” fosse estatizado. Muito bem, mas tem de ter a função social que se propõe.

Veja aqui como eles resitiram à proposta do MEC de passarem a prestar serviços de forma socialmente mais justa.

Finalmente, em meados de 2008, conseguiu-se um acordo com os empresários, que pode ser resumido assim:

A partir de 2009, o Senac destinará 20% das vagas aos cursos gratuitos. A cada ano, essa porcentagem aumentará em média cinco pontos, até que a gratuidade alcance 66,6% das vagas em 2014, o que representa dois terços dos recursos da entidade. Já o Senai destinará 50% das vagas a cursos técnicos gratuitos em 2009. Em 2014, a partir de evoluções anuais, a alocação de recursos para vagas gratuitas será também de 66,6%. A diferença no percentual já em 2009 entre Senai e Senac ocorre porque o primeiro destina percentual superior a vagas gratuitas.

Em relação ao Sesi e ao Sesc, em 2009, cada entidade oferecerá 10% da receita líquida para educação básica e continuada e ações educativas nos demais programas de saúde, transporte, lazer e cultura. Esse patamar subirá, com progressão anual, para 33,3% em 2014. Metade desses valores financiará alunos de baixa renda com vagas e atividades gratuitas

Se isso pode ser aceitável, é preciso lembrar que o acordo foi feitojustamente porque não era assim. E, por não ser assim, quantos milhares deixaram de aprender um ofício, por falta de dinheiro para pagar o ensino profissional.

Existem muitas coisas enovolvidas nesta questão. Uma das mais importantes é a baixa qualidade de nossa educação geral, pois um aluno bem formado consegue, com muito mais facilidade, aprender um ofício. Outra é a rotatividade da mão-de-obra.

Veja, por exemplo, como agem as empresas e órgãos estatais: Fazenda, Correios, Petrobras fazem seus concursos exigindo o razoável em matéria de capacidade. Depois, completam a formação específica dos selecionados para suas funções específicas. Elas os preparam para trabalhar 10, 20 anos ali. Meu eu pergunto quantas vezes se vê – há exceções – uma grande empreiteira da construção que peque os seus serventes de obra e os transforme, ali mesmo, em pedreiros, estucadores, ladrilheiros… Quanto tempo levaria, um hora por dia, durante dois ou três meses? Pra quê, se daí a pouco vão demitir?

Como eu disse, ele gostam de trabalhador ” japonês”, mas pronto, grátis e descartável.

Fonte:Blog "Tijolaço", do Brizola Neto.

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