DIREITOS HUMANOS
Abandonados no deserto: como a UE financia os crimes da “gestão migratória”
Uma investigação do Lighthouse Reports em colaboração com jornais europeus e dos EUA revela como Marrocos, Mauritânia e Tunísia levam a cabo operações clandestinas para despejar dezenas de milhares de migrantes negros em zonas remotas e assim impedir que cheguem à Europa.
A União Europeia gasta anualmente cada vez mais verbas destinadas a países do norte de África para fazerem a chamada “gestão migratória”, que por outras palavras significa impedir pessoas de chegarem ao espaço europeu. São centenas de milhões de euros por ano que a União Europeia diz monitorizar e garante que não são gastos em violações dos direitos humanos.
Mas a realidade é bem diferente, como mostram os dados e testemunhos recolhidos pela Lighthouse Reports em colaboração com o Washington Post, Enass, Der Spiegel, El Pais, IrpiMedia, ARD, Inkyfada e Le Monde. Eles permitem concluir que “a Europa está a financiar conscientemente, e por vezes diretamente envolvida, em expulsões sistemáticas de refugiados e migrantes negros para desertos e áreas remotas em três países do Norte de África, numa tentativa de os impedir de chegar à UE”.
Os casos analisados dizem respeito a Marrocos, Tunísia e Mauritânia e revelam uma prática comum de prender pessoas com base na cor da pele, quer sejam migrantes ou pessoas com a vida estabelecida nesses países, para a seguir serem postos em autocarros e levados para o meio do nada, frequentemente em zonas do deserto. São deixadas sem dinheiro, água ou comida, muitas vezes em zonas controladas por milícias que os deixam em risco de serem raptados, extorquidos, sofrerem torturas e violências sexuais, ou mesmo a morte. Também há casos em que são levados pelas autoridades para zonas fronteiriças e vendidos a gangues locais que os torturam e obrigam a pedir às famílias dos países de origem muito dinheiro pelo resgate.
A equipa de investigação entrevistou mais de 50 sobreviventes destas operações nos três países, todos provenientes da África ocidental ou subsariana e alguns conseguiram precisar os locais por onde passaram. Com esses dados e a pesquisa através de geolocalização online, conseguiram confirmar 13 casos ocorridos entre julho do ano passado e este mês, em que grupos de pessoas negras foram apanhadas em rusgas nos portos e cidades na Tunísia e levadas para perto das fronteiras com a Líbia e a Argélia, onde foram despejadas. Num dos casos, um grupo foi entregue às forças de segurança líbias e levados para um centro de detenção. Em Marrocos, filmaram os paramilitares na capital Rabat - que são financiados diretamente pela UE - a deter pessoas negras e os detidos em edifícios do Estado a serem postos em autocarros sem matrícula com destino a zonas remotas. O mesmo testemunharam na Mauritânia, a par da entrada regular da polícia espanhola no centro de detenção. Neste caso os migrantes foram deixados perto da fronteira com o Mali, numa zona atualmente em guerra.
Um consultor que trabalhou em projetos financiados pelo EU Trust Fund, que nos últimos anos pagou mais de 400 milhões de euros à Tunísia Mauritânia e Marrocos, descreveu assim os objetivos desta “ajuda à gestão migratória”: "É preciso dificultar a vida dos migrantes. Complicar-lhes a vida. Se deixarmos um migrante da Guiné no Sahara duas vezes, à terceira vez ele vai pedir-nos para o trazermos voluntariamente de volta para casa."
O conhecimento por parte das autoridades europeias desta realidade de abusos que continua a financiar também ficou patente nos documentos a que os investigadores tiveram acesso. Um tem a data deste ano e pertence à agência Frontex, que afirma que Marrocos estava a fazer perfis raciais e a deslocalizar à força migrantes, principalmente negros. Outros documentos indicam a existência de debates entre funcionários europeus sobre estes abusos desde pelo menos o ano de 2019.
O cruzamento de dados permitiu concluir que os próprios veículos usados nas rusgas e expulsões foram fornecidos pela UE. No caso tunisino, eram veículos de marca Nissan oferecidos pela Itália e Alemanha.
Para Marie-Laure Basilien-Gainche, professora de Direito da Universidade de Lyon e especialista em migrações e direitos humanos, os países europeus “não querem sujar as mãos” e por isso financiam estas operações na esperança de não serem chamados à responsabilidade pelas violações dos direitos humanos. Mas a jurista diz que “à luz do direito internacional, eles são de facto respons
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