A bancada ruralista no Congresso Nacional, apoiada por entidades do agronegócio, são os grandes responsáveis pelas inundações no Rio Grande do Sul. A redução das Áreas de Proteção Permanentes (APP), principalmente das matas ciliares (vegetação às margens dos rios), na aprovação do Código Florestal em 2011, tem contribuição fundamental para as inundações provocadas não só no Sul do Brasil, mas em todas as regiões.
Um dos pontos cruciais foi a redução da proteção das matas ciliares. Depois de muita luta, em 2011 o governo Dilma Rousseff (PT) e os partidos progressistas conseguiram, pelo menos, a manutenção de um ponto aprovado no Senado que previa a recomposição de mata desmatada nas margens de rios. Pelo texto aprovado, os desmatadores deveriam recompor uma faixa de apenas 15 metros de mata ciliar ao longo das margens, o que é insuficiente para manter a qualidade da área de proteção.
A bancada do agronegócio queria impedir qualquer recomposição. Mais recentemente, em 2021, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei (PL) 2.510/2019, que permite ocupações irregulares antigas e novos desmatamentos e ocupações nas Áreas de Preservação Permanente (APP) às margens de rios. A decisão sobre a metragem de recuo das ocupações passará a ser dos poderes legislativos de cada um dos 5.568 municípios brasileiros. Uma tragédia anunciada.
Sem proteção das matas ciliares, há assoreamento de rios e excesso de drenagem de água, ampliando e agigantando o volume de água em períodos de chuva. Para os especialistas, o correto seria uma distância de proteção de 50 metros nas margens dos rios.
Em artigo científico de 2017, os pesquisadores da Universidade Federal de Fortaleza, Ana Maria D´Ávila Lopes, Mônica Mota Tassigny e Diego Monte Teixeira alertaram que a redução das áreas de proteção seria um ‘atestado de ineficiência’. Hoje a população do Rio Grande do Sul e do Brasil sentem com inundações o projeto de destruição da bancada ruralista. Mas a situação tende a piorar. Em março deste ano, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou, por 38 votos a 18, um projeto que permite desmatar vegetações nativas não florestais em todos os biomas brasileiros.
Para os pesquisadores, no artigo ‘A Redução das áreas de preservação permanente de recursos hídricos pelo novo código floresta e o princípio da proibição proteção deficiente’, a proteção dos recursos hídricos, as APPs são criadas, sobretudo, para a preservação das matas ciliares, que podem ser compreendidas como sistemas de vegetações estabelecidos naturalmente em faixas às margens dos rios e riachos, no entorno de lagos, represas e nascentes, exercendo função de instrumento redutor do assoreamento e da degradação do meio ambiente e como meio natural de processamento e transformação da diversidade ambiental (CASTRO, 2013, p. 230).
E continuam:
A mata ciliar protege os rios, lagos e nascentes, cobrindo e protegendo o solo, deixando-o fofo e permitindo que funcione como uma esponja que absorve a água das chuvas. Com isso, além de regular o ciclo da água, evita as enxurradas e propicia a formação de corredores ecológicos para plantas e animais (CAMPANILI; SCHAFFER, 2010, p. 22).
As relações da presença da vegetação no fluxo dos rios foram quantificadas em
estudos desenvolvidos por Likens et al. (1992), em 1990, na reserva ecológica Hubbard
Brook, dos Estados Unidos da América, para demonstrar que o volume de água dos rios mantém-se aproximadamente constante durante o ciclo estacional, devido ao fator regulador da vegetação na quantidade de água escoada. Enquanto que estudos físico-químico e ecológico dos rios da bacia hidrográfica do Ribeirão e represa do Lobo, desenvolvidos por Tundisi e Tundisi, no ano de 1988, demonstraram que a qualidade da água está diretamente relacionada com a presença da vegetação ripária e sua densidade ao longo do rio (TUNDISI; TUNDISI, 2010, p. 68).
Sob esse especial aspecto, cumpre ao aplicador do Direito observar os diversos estudos científicos que apontam para a necessidade de faixas de vegetação com conectividade de limites mínimos de pelos menos 100 (cem) metros (cinquenta metros de cada lado do rio), independentemente do bioma, do grupo taxonômico, do solo ou do tipo de topografia, para a conservação da biodiversidade (METZGER, 2010).
O trabalho do ecologista Jean Paul Metzger (2010), além de apontar que a conservação da biodiversidade é provavelmente um dos fatores mais limitantes para a definição de larguras mínimas de APPs, concluiu que, para a maioria das espécies de plantas e vertebrados, a faixa de no mínimo 30 (trinta) metros ao lado de cursos d’água, antes prevista pelo Código Florestal de 1965, geralmente, sequer seria suficiente para assegurar a manutenção dessa biodiversidade em longo prazo, e tampouco para promover a conectividade da paisagem.
Da mesma forma, em tempos de escassez de água e de deterioração em massa da
biodiversidade, , admitir a redução das matas ciliares ao longo dos cursos hídricos pelo novo Código Florestal, em descompasso com tantos estudos que demonstram que o Código revogado continha padrões mínimos de proteção, é o atestado da insuficiência de proteção do direito fundamental (Untermaβverbot) ao meio ambiente equilibrado e a violação ao seu conteúdo essencial pelo Estado-legislativo. (Veja artigo completo)
Reblogado do Blog Educação Política, de Glauco Cortez.
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