O calote que a Vibra pretende aplicar no mercado
É a tentativa mais canhestra de calote que presenciei. Golpe que poderá superar, em falta de limites, o que Lemann aprontou com a Americanas.
Os CRIs da BR Distribuidora
Em 2007, a BR Distribuidora emitiu CRIs (Certificados de Recebíveis Imobiliários) afim de captar recursos para construir sua sede, o Edifício Lubrax. Pelos CRIs, o investidor aplica um dinheiro na construção de um imóvel e sua renda virá do contrato de aluguel do próprio imóvel.
O CRI da BR oferecia correção de IPCA +5,0769% ao ano, e um contrato de aluguel até julho de 2031. A BR Distribuidora captou cerca de R$ 276 milhões com a emissão dos CRIs.
A operação foi estruturada por meio da Brazilian Securities Companhia de Securitização. Os CRIs foram lastreados por recebíveis imobiliários, mais especificamente pelos aluguéis pagos pelas unidades da BR Distribuidora.
Os pagamentos de juros eram realizados semestralmente, oferecendo um fluxo de caixa regular aos investidores.
A operação foi importante para reforçar a confiança dos investidores no uso de CRIs como um instrumento de financiamento seguro e atrativo, especialmente quando lastreados por recebíveis de empresas de grande porte e com boa reputação.
No mês passado, no entanto, a Vibra deu início a um golpe que poderá superar, em falta de limites e de imaginação, o que Jorge Paulo Lemann aprontou com as Americanas.
Primeiro, a Vibra entrou com uma ação uma ação judicial contra a Confidere OGB, proprietária do imóvel, questionando as cláusulas do contrato de locação. Alegava que o aluguel de R$ 5 milhões por mês era excessivo e havia descumprimento do contrato pela Considere.
Ora, o edifício era da Considere, mas os aluguéis eram da securitizadora e, através dela, dos detentores de CRIs, pelo menos até 2031. A Considere entrou em crise e o prédio foi vendido por decisão judicial. Mas o leilão judicial, corretamente, vendeu o prédio com ônus de que o comprador cumprisse o contrato.A própria Vibra arrematou com o lance de R$ 133 milhões, valor abaixo do lance mínimo inicial de R$ 212 milhões.
A razão do desconto é que, até 2031, os aluguéis não iriam para o proprietário do edifício, mas para a securitizadora.
O golpe
O passo seguinte foi declarar à empresa securitizadora que, já que comprou o prédio, não pagaria mais aluguel. Em abril, deu o primeiro calote. O valor dos aluguéis futuros é de pelo menos R$ 427,8 milhões, segundo cálculos do mercado.
O cálculo da Vibra foi simples. O calote não seria aplicado em um grande banco, mas em um fundo com pouco mais de mil investidores pessoa física. Haveria uma disputa na justiça, na qual tentaria convencer algum juiz incauto dessa lógica confusa. A mídia não entraria na defesa dos investidores, porque, afinal, a Vibra e a BR são grandes anunciantes.
E, aí, se armaria o que ela imaginou ser o golpe perfeito:
- A Vibra conseguiu adquirir o edifício por metade do preço, justamente porque os aluguéis futuros estavam comprometidos com o contrato com a CRI.
- Ganhou um imenso desconto e, em seguida, economizará deixando de pagar os aluguéis contratualmente devidos. O preço foi baixo justamente devido aos compromissos futuros com aluguel.
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Digamos que “A” seja o inquilino, “B” seja o CRI detentor do direito de receber alugueis durante os próximos 7 anos e “C” seja o dono do prédio com direito de receber alugueis apenas a partir do oitavo ano (ou usar o prédio gratuitamente a partir do oitavo ano). Se a Vibra comprar o prédio de “C” e comprar os CRIs de “B”, então, sim, ela terá os direitos de receber alugueis nos 7 primeiros anos e também o direito de usar o prédio gratuitamente a partir do oitavo ano.
Nesse caso, ela pode cancelar o Contrato de Aluguel alegando que não tem sentido “pagar a si mesma”. Mas a Vibra não comprou de “B” os CRIs. Comprou apenas de “C” o prédio com ônus pagar alugueis a “B” por 7 anos. Assim, ela não é parte e contraparte nos 7 primeiros anos. Ela é apenas devedora dos alugueis, não é simultaneamente credora dos alugueis.
Confesso que, em décadas de jornalismo econômico, é a tentativa mais canhestra de calote que presenciei. Não apenas pelo primarismo, mas pela não avaliação das consequências.
Primeiro, porque a reputação da Vibra no mercado despencará da mesma maneira que a dos três sócios da 3G.
Segundo, porque comprometerá um instrumento de financiamento que, apenas em 2023, captou R$ 48,8 bilhões.
Terceiro porque, se a tese for aceita, será a desmoralização final da segurança jurídica nos contratos.
Quarto porque ficará comprovado que a venda de estatais sempre vem cercada de negócios obscuros.
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