Enquanto fechava o primeiro texto da cobertura do Intercept Brasil sobre a tragédia climática no Rio Grande do Sul, na segunda-feira de manhã, recebi uma tarefa: ligar para a Defesa Civil de Porto Alegre solicitando um resgate. Expliquei que estava em São Paulo, mas estava ligando porque ninguém que precisava ser resgatado tinha bateria.
Meu companheiro, que estava preso há três dias em um prédio na capital gaúcha com outras dezenas de pessoas, inclusive idosos, crianças e bichos de estimação, precisaria evacuar o local.
A água suja já estava na altura do peito de um homem adulto. Sem nenhum aviso da prefeitura, nenhuma orientação oficial, os moradores assistiram o Guaíba subindo por dois dias, sem saber o que fazer.
Primeiro o prédio ficou cercado pela água. Depois, a luz foi cortada. Os moradores não sabiam se ficavam ou se saíam, ou quanto tempo a situação iria demorar. Informações oficiais pífias e contraditórias. Por fim, na segunda-feira, foi a água potável que acabou, dificultando que o grupo continuasse no local.
No fim daquela manhã, barcos conseguiram resgatar o grupo, entregue em segurança na área seca. Não foi a defesa civil – mas, sim, voluntários que passavam no local. Quando recebi a primeira mensagem do celular recém-carregado, respirei aliviada. A minha reportagem, sobre um estudo do governo brasileiro, engavetado há uma década, que antecipava tragédias climáticas como essa, havia sido recém-publicada.
O alívio do resgate fez com que o medo se transformasse em raiva. E raiva, se bem dosada, é combustível. Tudo bem que as chuvas foram extremas, mas como foi que deixaram a situação chegar naquele ponto? O relatório Brasil 2040 avisou, o IPCC avisou, jornalistas especialistas avisaram, ambientalistas gritaram, mas não foram ouvidos. No ano passado, os servidores da secretaria estadual de Meio Ambiente também avisaram.
E para quem acha que "mudanças climáticas" é um termo hermético e não acredita nessas coisas, posso dizer que, em um espaço mais curto de tempo, os meteorologistas também avisaram – e muito. O fato de que o Rio Grande do Sul viveria chuvas extremas naqueles dias era de conhecimento público.
E para um estado que já havia sido assolado poucos meses atrás, qualquer ameaça deveria ser motivo para evacuar a população imediatamente das áreas de risco e prevenir tragédias maiores. Mas, como sabemos, não foi.
Certas coberturas são mais desafiadoras do que outras, e essa certamente foi uma das mais pesadas para mim, pessoalmente, em um bom tempo. Como somos uma redação enxuta, decidimos que era hora de concentrar nossos esforços de apuração no Rio Grande do Sul.
Como resultado, nossa equipe se unificou e fez uma cobertura extensa, que deu conta de explicar o contexto da tragédia, oferecer um serviço de como ajudar – mas mostrar que, mais do que vaquinhas, é preciso cobrar o poder público – inclusive antes da situação virar uma cena apocalíptica.
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