EUA subestimaram a ascensão da China, diz Joseph Stiglitz
“Mesmo sem subsídios, a China poderia vencer a concorrência simplesmente em razão da escala de sua economia e do número de engenheiros que tem. Investimos pouco em engenharia e eles investem muito”, diz economista
Publicado 03/05/2024 12:30 | Editado 03/05/2024 13:18
O economista norte-americano e Prêmio Nobel Joseph Stiglitz acredita que os Estados Unidos não conseguirão mais competir com a China nos próximas anos. Pior: a seu ver, a culpa é do próprio país, que subestimou a ascensão chinesa e perdeu competitividade no comércio exterior.
Em entrevista ao Financial Times, Stiglitz elogia o empenho da gestão Joe Biden de criar “empregos industriais verdes”, com base em indústrias como as de carros elétricos e painéis solares. A seu ver, as acusações contra a China de concorrência desleal não necessariamente se sustentam.
“Mesmo sem subsídios, a China poderia vencer a concorrência simplesmente em razão da escala de sua economia e do número de engenheiros que tem. Investimos pouco em engenharia e eles investem muito”, afirma. “Isso não é uma violação comercial. É um erro estratégico (dos Estados Unidos). Eles se colocaram em uma vantagem comparativa e ainda não aceitamos isso.”
Contrário à lógica de incentivos e guerras fiscais na política climática, Stiglitz diz que uma regulamentação moderna é sempre a melhor saída para as economias. A China, em sua opinião, sobressai nesse sentido. Como exemplo, o economista evoca um encontro seu com o então primeiro-ministro chinês Wen Jiabao.
“Mais de uma década atrás, tive uma reunião com o premiê em que ele disse às montadoras: vocês têm que ser elétricos em cinco anos, ou estarão fora”, recorda-se Stiglitz. “A China deixou claro que será um país de veículos elétricos; nós, não.”
Outra lição da nova ordem, diz ele, foi o enfrentamento à Covid-19. “A pandemia deixou muito claro que não temos uma economia resiliente e que as fronteiras são importantes”. Além disso, o economista defende apoio aos países mais pobres e às regiões desindustrializadas.
É um contraponto ao também economista e Prêmio Nobel Angus Deaton, que exorta líderes de países ricos a priorizarem os próprios cidadãos. Para Stiglitz, o protecionismo é um obstáculo à “cooperação global sobre as mudanças climáticas”, que é urgente. “Podemos implantar políticas industriais nas quais haja mais partilha de tecnologias verdes”, sugere.
Porém, como a economia ocidental está há anos estagnada, líderes autoritários e ultraliberais ganham cada vez mais prestígio, sobretudo em sociedades mais desiguais. “A estagnação dos padrões de vida e a consequente perda de esperança criam um campo fértil para um demagogo como Trump. Ele é o que o neoliberalismo produz”.
De acordo com Stiglitz, o espírito colaborativo rendeu frutos como o Vale do Silício. “Muita coisa se deve ao apoio do governo e a universidades sem fins lucrativos como Stanford e Berkeley. Esse mundo tecnológico é a antítese do mundo de Trump, que queria cortar os gastos com pesquisas”.
Ao mesmo tempo, ele critica as condições de trabalho nos Estados Unidos, onde o “salário mínimo federal está no nível de 65 anos atrás, ajustado pela inflação”. Stiglitz não vê justificativa para tamanho descaso. “É quase inacreditável!”
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