Palestina, o algoritmo e as lutas estudantis
PORISABEL PIRES
Independentemente da plataforma digital, a luta por uma Palestina livre e pelo fim ao genocídio está viva e não irá parar por aqui.
Entre o dia 10 e 12 de maio o meu feed do TikTok foi quase exclusivamente sobre a Palestina. Pode parecer estranho que consiga identificar exatamente os dias, mas, como sabemos, o algoritmo das redes sociais, no geral, não trabalha a favor das causas sociais ou, neste caso, da causa palestiniana. Daí me ter chamado a atenção.
O que vamos conseguindo conhecer do algoritmo leva-nos sempre a ficar surpreendidas quando o que nos aparece corresponde a uma luta pelo que é certo. A minha questão foi: porquê? O mais provável é não conseguir chegar a uma resposta exata, não tenho acesso ao algoritmo, há vários fatores que têm influência e a maioria deles está fora do nosso controlo.
Mas nas redes ali ao lado, Instagram e X, interajo muito com conteúdo pelo fim do genocidio na Palestina, postando também nesse sentido. Então, porque razão antes o TikTok quase não me dava conteúdo sobre esse tema?
Por esses dias, houve 3 momentos em particular que se conjugaram: a entrada de Israel em Rafah; as polémicas no festival da Eurovisão com a censura de símbolos ou demonstrações de solidariedade com a Palestina; o Met Gala e a quantidade de publicações que comparavam esta demonstração dos super ricos com os Hunger Games e a forma como, ao mesmo tempo que se mostravam vestidos e malas de vários milhares de dólares, crianças estavam a ser assassinadas por Israel.
Fui então tentar encontrar artigos que abordassem a questão palestiniana e o algoritmo. Imediatamente, a grande maioria dos artigos referia-se à forma como imensos utilizadores tinham encontrado formas de contornar o algoritmo (já em 2023) para conseguirem postar conteúdo pró-palestina: utilização de emojis como a melância, utilização de palavras entrecortadas ou que façam parecer as palavras “Palestine” ou “genocide” sem serem escritas corretamente[1].
Apesar disso, as maiores queixas eram de uma atitude de censura para com estes conteúdos. O interesse político e financeiro de empresas ligadas a Israel é grande também nas redes sociais. Nos Estado Unidos, mais recentemente, políticos com maiores ligações ao Estado de Israel pedem ainda mais censura sobre estes conteúdos com a acusação de antisemitismo[2].
No site do Institute for Palestine Studies, encontramos alguns artigos que refletem sobre o papel das redes sociais e do agora chamado “digital warfare”, acompanhando o aumento da censura de conteúdo pró-palestiniano ao mesmo tempo que os ataques de Israel sobre Gaza iam aumentando de intensidade[3].
Num outro artigo, é explorado o termo “digital apartheid”[4], onde dados da Amnistia Internacional e do The Arab Center for the Advancement of Social Media (com um briefing dos direitos digitais palestinianos desde 7 de outubro interessante[5]) reiteram, mais uma vez, a forma nada neutral como as plataformas digitais funcionam, sendo a Meta (que detém o Facebook, Instagram, Whatsapp) talvez a mais óbvia.
A discussão tem sido ligeiramente diferente (mas não muito) sobre o TikTok. É claro que também aqui o algoritmo funciona contra o conteúdo de palestinianos ou pró-palestina. Mas também tem sido mais fácil furar e muitos se questionam porquê.
Em resposta a várias críticas de dirigentes políticos americanos pró-Israel a resposta veio, talvez inesperadamente, da própria plataforma TikTok, utilizando dados da Gallup Pooling Data[6] para dizer o seguinte: os jovens americanos são muito mais pró-palestinianos do que as gerações mais velhas muito antes da existência do TikTok[7].
A lógica é: não é o algoritmo que está a puxar para um lado ou para outro, as pessoas que utilizam a plataforma é que têm ideias que pendem mais para o lado palestiniano, em particular os mais jovens, e quanto a isso não podemos fazer nada.
Creio que tudo isto é interessante e leva-nos a muitas questões sobre o funcionamento das redes sociais, a forma enviesada como cada um de nós tem o seu feed ou timeline e que mesmo que existam formas de censurar determinados conteúdos por razões políticas, nunca será possível censurar tudo porque as crenças e ideais das pessoas no mundo real têm correspondência no mundo digital. É um debate que temos necessariamente que acompanhar.
Além disso, a questão geracional sobre a Palestina tem-se demonstrado óbvia. Basta olharmos para as acampadas de estudantes um pouco por todo o mundo, e que agora também já chegaram a Portugal, que têm sido uma força de solidariedade e pressão sobre os governos e instituições de ensino superior muito importante.
Tendo começado este artigo pelo TikTok, acabo nas lutas estudantis porque me parece que tudo isto está ligado. Achar que em algum momento vamos ter uma clareza total sobre o funcionamento dos algoritmos das redes sociais (ainda para mais com o papel cada vez maior da inteligência artificial) pode ser naive. Mas há algo inegável: as novas gerações estão com a Palestina e demonstram-no tanto nas redes sociais como nas suas faculdades e na rua.
Estamos a assistir a um genocídio em direto, por mais que o algoritmo tente banir esse conteúdo. E isso marca uma geração. Tal como a guerra do Vietname marcou outra geração e por aí fora. Não nos temos calado sobre a Palestina porque é impossível fazê-lo. Mais recentemente, o Tribunal Penal Internacional emitiu mandados de captura para Benjamin Netanyahu e o líder do Hamas por crimes de guerra. Fica cada vez mais difícil aos que querem negar o que está a acontecer fazê-lo.
No entanto, a guerra continua e continuam a morrer milhares de pessoas, na sua maioria mulheres e crianças. Utilizar todas as plataformas que temos ao nosso alcance para não calar este facto é essencial: seja acampar nas nossas faculdades ou tentar ultrapassar de forma criativa a censura dos algoritmos nas redes sociais.
Não pretendo com este artigo ter qualquer resposta face à interrogação inicial do algoritmo e das redes, mas uma reflexão sobre como funciona este mundo digital que usamos literalmente todos os dias mas do qual, na verdade, conhecemos pouco ao nível do seu funcionamento. Mas acima de tudo, serve o presente para dizer que, independentemente da plataforma, a luta por uma Palestina livre e pelo fim ao genocídio está viva e não irá parar por aqui.
Notas:
[1] https://www.washingtonpost.com/technology/2023/10/20/palestinian-tiktok-instagram-algospeak-israel-hamas/
[2] Sobre o debate do antisemitismo, ler este artigo da Leonor Rosas: https://www.publico.pt/2023/11/05/opiniao/opiniao/serve-lembrar-holocausto-2069132
[3] https://www.palestine-studies.org/en/node/1653973
[4] https://globalvoices.org/2023/11/14/digital-apartheid-and-the-use-of-social-media-algorithms-in-humanitarian-crises/
[5] https://7amleh.org/2023/11/01/briefing-on-the-palestinian-digital-rights-situation-since-october-7th-2023
[6] https://news.gallup.com/poll/472070/democrats-sympathies-middle-east-shift-palestinians.aspx
[7] “Attitudes among young people skewed toward Palestine long before TikTok existed,” the release stated. “Support for Israel (as compared to sympathy for Palestine) has been lower among younger Americans for some time. This is evidenced by looking at Gallup polling data of millennials dating as far back as 2010, long before TikTok even existed.”, https://newsroom.tiktok.com/en-us/the-truth-about-tiktok-hashtags-and-content-during-the-israel-hamas-war
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