*Voltei ao Brasil faz pouco tempo. Após 11 anos na Venezuela, como correspondente para a América Latina, passei uma longa temporada escrevendo sobre o sudeste asiático. E logo quando cheguei na Tailândia, em 2015, uma história me impactou muito. Os jornais estampam a notícia de que 26 corpos de imigrantes de Mianmar foram encontrados em valas clandestinas no meio da selva tailandesa. Esses imigrantes foram traficados para trabalhar na indústria da pesca e ao cruzar a fronteira, seriam vendidos com mercadoria, no caso, mão de obra escravizada. Mas o esquema acabou dando errado e eles foram mortos pelos traficantes.
Aquilo mexeu muito comigo. A dimensão do trabalho escravo e como ele é naturalizado passou a me perturbar muito e eu decidi que o jornalismo - minha única ferramenta - seria o caminho para gerar esse mesmo desconforto em outras pessoas.
Aí fui atrás de dados: de acordo com o Slavery Index, mais de 50 milhões de pessoas estão sendo escravizadas em todo o mundo. É como se toda a população dos estados de São Paulo e do Maranhão juntas fossem escravizadas ou a população inteira do Canadá. Em números absolutos, nunca na história da humanidade tantas pessoas estiveram nessa situação, nem mesmo no período colonial.
Para entender melhor como funciona esse esquema, entendi que precisava fazer o caminho de volta pra casa e contar a história da escravidão contemporânea no Brasil. E aqui sabemos que o trabalho escravo está longe de ser uma coisa do passado. Enquanto você lê esse boletim, mais de um milhão de pessoas estão sendo submetidas ao trabalho escravo no nosso país, de acordo com a organização Walk Free.
Apesar de ser crime, a escravidão contemporânea passa bem longe dos holofotes dos meios de comunicação. E quando o trabalho escravo rompe a bolha e vira notícia, os sobreviventes são convertidos em números e, com sorte, o caso é explicado por um especialista no assunto ou por um auditor-fiscal que participou da operação de resgate. Com exceção para o trabalho da Repórter Brasil, trabalhadoras e trabalhadores raras vezes são ouvidos.
O podcast No Labirinto nasce para amplificar a voz dessas pessoas por vezes silenciadas. No início da jornada de pesquisa, duvidei muitas vezes se você que está me lendo - e espero, dê play nos episódios - gostaria de ouvir essas histórias. Mas decidi, decidimos apostar que sim. A história dessas pessoas não são alheias às nossas: elas estão por trás da roupa que vestimos, da comida que comemos, da tecnologia que usamos no dia a dia, estão no serviço doméstico, na porta ao lado.
Durante a busca de trabalhadores que representassem as diferentes áreas da cadeia produtiva, soube de uma história que desde o momento que ouvi, não consegui mais tirar da cabeça. Conversar com a dona Pureza, a personagem que conta a história do nosso primeiro episódio, virou uma obsessão. Foram meses à procura de um contato que me levasse até ela. E quando consegui, foram mais de oito horas de conversa por meio do Zoom, intercaladas em quatro encontros virtuais.
Oleira, camponesa, Pureza mãe peregrinou por mais de três anos de fazenda em fazenda, entre o Maranhão e o Pará. Pureza enfrentou jagunços e políticos em busca do filho Abel que um dia saiu para trabalhar e desapareceu. Ele estava sendo escravizado e não conseguia sair.
Depois do Abel, uma história foi puxando a outra: trabalho doméstico, indústria têxtil, agricultura…Paro de contar por aqui. Tomara que vocês gostem e acompanhem as histórias na Rádio Batente. E o convite aqui é tentar achar a saída do labirinto. Saiba mais e ouça o primeiro episódio AQUI.
*Texto de Cláudia Jardim, coordenadora e apresentadora do “No Labirinto”, podcast lançado hoje pela Repórter Brasil
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