terça-feira, 14 de maio de 2024

O governador do RS é um dos grandes culpados.

 

O negacionismo climático de Eduardo Leite

Após flexibilizar a legislação ambiental, privatizar a empresa de saneamento e fechar centros de pesquisa ambiental, o governador tenta se distanciar da responsabilidade pelas enchentes no estado.

Por Matheus Gomes

O Rio Grande do Sul passa pela maior tragédia ambiental da sua história, isso depois de uma sequência de eventos climáticos extremos que já haviam deixado um grande rastro de destruição. O estado virou o grande exemplo de como as mudanças climáticas poderão gerar tragédias históricas para o nosso povo. E, infelizmente, momentos como o que vivemos aqui serão cada vez mais comuns.

Diante de tudo isto, o governador Eduardo Leite (PSDB) vem insistindo que não é hora de procurar culpados. O que é bastante cômodo para quem governa como um negacionista climático nos seus dois mandatos, flexibilizando a legislação ambiental, sucateando as políticas estatais, privatizando empresas de saneamento e energia e fechando centros de pesquisa ambiental.

Em 2019 Leite patrocinou a mudança de 480 normas do código ambiental no Rio Grande do Sul, passando a boiada, alinhado com a política destrutiva do então ministro Ricardo Salles. O projeto foi aprovado em apenas 75 dias. Só não foi mais rápido porque uma decisão judicial impediu a tramitação em regime de urgência.

Foram vários os retrocessos deste novo código ambiental. O principal, a flexibilização de licenças ambientais, com o advento da Licença Ambiental de Compromisso (LAC). Para se obter esta licença basta o empresário preencher uma declaração em que afirma estar atendendo a todos os requisitos ambientais, e em até 48h – sem nenhuma análise técnica – ele terá a sua autorização.

Outro ponto foi a flexibilização da proteção ao Pampa, principal bioma do Rio Grande do Sul, responsável por regular ciclos de água e absorver carbono. Nas últimas décadas, o Pampa foi o bioma proporcionalmente mais degradado do país, perdendo 30% de sua área. Mas a flexibilização ambiental não ficou só nisso.

Em setembro do ano passado, o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) aprovou a atualização do Zoneamento Ambiental para a Atividade da Silvicultura (ZAS) no estado, permitindo que fosse quadruplicada a área de plantio da silvicultura, criando verdadeiros desertos verdes com eucalipto.

No mês passado, Leite sancionou uma lei que flexibiliza regras de proteção das matas ciliares das áreas de preservação permanente hídrica, para que agricultores pudessem instalar reservatórios de água. Matas ciliares são toda a vegetação que acompanha a beira de um rio e uma ferramenta natural de prevenção de enchentes, agora ameaçadas pela nova legislação.

Não satisfeito, Leite mudou as regras para agrotóxicos, envenenando ainda mais a nossa terra e gente. Se antes desta mudança, o estado não permitia agrotóxicos que não tivessem licença nos seus países de origem, agora esta restrição não existe mais. Um agrotóxico alemão que não é permitido em seu próprio país agora pode ser exportado para o Rio Grande do Sul.

Mas o desmonte neoliberal não ficou apenas no âmbito legal. Com a extinção da Fundação Zoobotânica o estado perdeu uma das instituições de pesquisa em meio ambiente mais respeitadas do país. Além disso, as privatizações da CEEE, a estatal gaúcha de energia, e da Corsan, de água, contribuíram para que o Rio Grande do Sul perdesse capacidade estatal e autonomia no planejamento e utilização destas empresas para enfrentar as mudanças climáticas e utilizá-las em momentos de desastre ambiental como o que vivemos.

Apesar de afirmar que não é hora de apontar culpados, Leite usou os problemas fiscais e a dívida com a União para justificar o fato de não ter investido o necessário em políticas de resiliência climática. Ora, o orçamento impediu o governador de investir na proteção das cidades em relação aos desastres climáticos, mas permitiu aumentar em R$ 3 bilhões anuais o nível de isenção de ICMS para o empresariado gaúcho (quase o valor de venda de uma Corsan por ano).

Para exigir ajuda financeira do Governo Federal, Leite anunciou que seria necessário um Plano Marshall. Originalmente o plano foi elaborado e executado pelos EUA para financiar a Europa Ocidental após ela ser destruída pela Segunda Guerra Mundial, a fim de bloquear qualquer influência soviética na região. O plano deu suporte para o que foi o início do chamado Estado de Bem-Estar Social na Europa. Países como França, Alemanha e Reino Unido implementaram políticas de seguridade social, saúde pública e educação financiadas pelo Estado a partir deste momento. Até então estes serviços eram em grande parte privados ou ofertados por instituições de caridade.

Diante das crises, sejam elas de origem financeira, sanitária ou climática, os governantes neoliberais sempre recorrem ao Estado que eles tanto debilitam em suas gestões. Por isso, é no mínimo curioso que Eduardo Leite evoque esse tipo de plano. Não me parece coerente, nem creio que ele seja capaz de conduzi-lo. Na reconstrução que o Rio Grande do Sul necessita, precisamos superar o modelo de desenvolvimento neoliberal.

Temos que exigir do governo federal a suspensão do pagamento da dívida do estado no curto prazo, além, é claro, da injeção de dinheiro através de programas sociais para que as famílias gaúchas possam reconstruir seus lares. Mas também devemos exigir de Leite e da Assembleia a aprovação de legislações e políticas ambientais que estejam à altura da crise climática que apenas começou.

Publicado originalmente no Blog Esquerda Online.


Enfrentando o Antropoceno, de Ian Angus
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Margem Esquerda #32 | Crise ecológica
As intersecções entre marxismo e ecologia estão no centro desta edição da Margem Esquerda. Abrindo o volume, John Bellamy Foster repassa sua trajetória intelectual e política e reflete sobre os desafios do presente em conversa com Michael Löwy, Maria Orlanda Pinassi e Fabio Mascaro Querido. Um dos mais importantes intelectuais marxistas em atividade, em especial por suas intervenções no debate ecológico, Foster avançou como poucos numa compreensão da obra de Marx que não apenas a coloca em diálogo com as abordagens ecológicas mais recentes, como também visualiza as chaves para uma explicação materialista da atual crise ecológica. O dossiê “Marxismo, capitalismo e ecologia”, esquadrinha o problema em quatro ensaios afiados que buscam articular a teoria e prática do ecossocialismo diante de um cenário cada vez mais urgente de crise climática e civilizatória. Organizado por Fabio Mascaro Querido, o dossiê conta com ensaios de Michael Löwy, Luiz Marques, Ana Paula Salviatti, Arlindo Rodrigues e Allan da Silva Coelho.

Terra viva: minha vida em uma biodiversidade de movimentos, de Vandana Shiva
Autora de importantes obras que discutem os ataques ao meio ambiente por grandes empresas e o efeito desastroso de um mau uso do solo, a doutora em física quântica e ativista ambiental Vandana Shiva faz nesse livro uma volta a suas raízes, revendo uma trajetória que acabaria por definir os movimentos em que se engajou. Assim, ela aborda fases como a infância rural vivida na Índia, sua criação na fazenda dos pais em meio às florestas, a educação libertária que recebeu deles, passando pela mudança de vida e de perspectiva que teve ao entrar na faculdade e viver em grandes centros urbanos na Índia e no exterior. Tudo isso culminando na descoberta dos movimentos de luta em defesa da natureza e dos povos nativos e de sua influência na política ambiental mundial.

Abundância e liberdade: uma história ambiental das ideias políticas, de Pierre Charbonnier
Investigação filosófica sobre as raízes do pensamento político moderno e seu impacto na crise ecológica. O autor desafia o paradigma do progresso ilimitado e explora a relação entre a abundância material e a busca pela liberdade. Uma reflexão essencial para a compreensão do presente e do futuro.

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Matheus Gomes é historiador, deputado estadual pelo PSOL no Rio Grande do Sul, servidor do IBGE e ativista do movimento social há mais de 10 anos.

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