por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile
24 de Maio de 2024
O Apocalipse segundo a Faria Lima
Olá, para o Mercado, se a economia crescer e as pessoas tiverem empregos, o mundo vai acabar.
.Trombetas. Segundo o Valor, o emprego está em alta, o consumo cresceu e a arrecadação do Estado também. Boas notícias, certo? Não para o mercado financeiro, que prevê “uma tempestade perfeita causada pelo governo” , nas palavras do economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, para explicar porquê a Faria Lima prevê a queda do PIB, a alta do dólar e da inflação e defende fanaticamente o fim da queda de juros. A heresia que desencadeou o apocalipse, segundo o mesmo Valor, além do crescimento do emprego foi a ajuda do governo federal ao Rio Grande do Sul - veja bem, não foram os prejuízos da tragédia, mas o auxílio para que as pessoas e o estado se recuperem. Soma-se a isso a troca da presidência da Petrobras na semana anterior, que continua entalada na garganta dos rentistas, apesar da empresa terminar o primeiro trimestre com o sexto maior lucro líquido entre as grandes petroleiras mundiais. Ao mesmo tempo que a direita resolveu malhar Haddad devido ao déficit nas contas públicas. E, para o mercado financeiro e seus profetas, só há uma maneira de evitar a catástrofe: deixar a taxa de juros em 10% e desacelerar a economia. Na Folha, Hélio Schwartsman vai mais longe e sugere que o petismo supere o apego com a educação, saúde e salário mínimo e priorize o equilíbrio fiscal. Não é loucura. É chantagem. Por trás do discurso de impedir que a inflação cresça, o que é ruim para todos, está um único interesse: manter as taxas de juros altas, garantindo os lucros de rentistas e banqueiros. Em 2023, o governo federal pagou R$614,55 bilhões em juros. Com a Selic lá em cima, o investidor ganha mais “emprestando” ao governo, com a compra dos títulos, do que investindo em qualquer empreendimento. Já o brasileiro comum, acumula dívidas infindáveis ou desiste de comprar a prazo, diminuindo a demanda, a produção e os empregos. O tom mais elevado das trombetas do apocalipse tem sua razão de ser. Primeiro, a reconstrução do Rio Grande do Sul pode servir como laboratório para derrubar as amarras do arcabouço fiscal e recolocar o Estado no centro da economia. E, segundo, a maioria de diretores indicados pelo mercado e por Bolsonaro tem data para terminar: em dezembro vencem os mandatos de Campos Neto e dois diretores do BC, o que é visto pela Faria Lima como uma ameaça à sua hegemonia sobre a política monetária.
.Berrantes. Mas não é só o setor financeiro que está torcendo para que tudo dê errado. A prioridade ao enfrentamento da crise no Rio Grande do Sul deixou mais apertada a agenda de prioridades do governo no Congresso. A pauta principal é a regulamentação da reforma tributária. Mas somente agora Arthur Lira criou os grupos de trabalho, num movimento que visa acelerar a tramitação e concentrar poder em suas próprias mãos, evitando excessivo protagonismo dos colegas da Câmara ou pressões externas. Se o plano de aprovar a matéria em 60 dias der certo, Lira pode garantir uma ajudinha silenciosa do Planalto para bancar seu sucessor na presidência da Câmara. Enquanto isso, outras medidas prioritárias, como a reforma do novo ensino médio e a regulação da inteligência artificial, aguardam na fila. No entanto, nada disso significa que o Congresso esteja paralisado. Na verdade, há sinais de que os ventos da política estão mudando, e não só pela absolvição do senador Sérgio Moro no TSE. No Congresso, muita gente aproveitou que as atenções estão voltadas para o sul para passar a boiada. Quem primeiro tocou o berrante foi a bancada ruralista, aprovando um PL que criminaliza ainda mais a luta pela terra no Brasil. Avançam também no Congresso soluções bizarras para a segurança pública, como a castração química voluntária de condenados por crimes sexuais, além do fim da vacinação infantil para Covid, aumento de clubes de tiro e mais um capítulo na flexibilização das relações trabalhistas, com a generalização do MEI para qualquer atividade. Houve ainda a aprovação de reajustes seletivos para alguns setores do serviço público, com destaque para a área de segurança. Por fim, é claro que ninguém esqueceu a pauta ambiental, mas no caso, para mais desregulamentação. Os bolsonaristas barraram um projeto que tenta instituir a educação climática, e o próprio governo ampliou as concessões de parques naturais e unidades de conservação para o setor privado. E, enquanto o mundo está acabando, há quem esteja mais preocupado com o projeto de lei que pode terminar com a isenção de compras em plataformas internacionais, como a Shein e a Shopee.
.Ponto Final: nossas recomendações.
."Austeridade", história de uma fraude. Vale reler o artigo de Pedro Rossi, Ester Dwek e Flavio Arantes, no Outras Palavras, demonstrando como o discurso da austeridade se sustenta em mitos e mentiras.
.Eles veem oportunidade na tragédia no Rio Grande do Sul. No Intercept, Tatiana Dias mostra como o capitalismo se beneficia das crises que ele próprio cria.
.Como conter enchentes no Brasil, segundo criador das 'cidades-esponja': 'Barragens estão fadadas ao fracasso'. O arquiteto chinês Kongjian Yu aponta um caminho ambientalmente sustentável para as cidades brasileiras.
.Os desafios da reconstrução das cidades no Rio Grande do Sul. Na Jacobina, a urbanista Raquel Rolnik demonstra como a reconstrução das cidades mantêm a lógica de exclusão e segregação.
.O que é o “novo negacionismo”? No Espaço Antifascista, como as redes sociais atraem os jovens para o discurso negacionista.
.Grandes marcas compram créditos de carbono de esquema suspeito na Amazônia. Na Sumauma, como Gol, Nestlé, Toshiba e PwC lavam dinheiro sujo do desmatamento com créditos de carbono.
.Varejista chinesa Shein é um caso típico do Plataformismo. No seu blog, Roberto Moraes explica como a empresa chinesa combina precarização do trabalho com economia de plataforma.
.Cozinhas Solidárias. Coluna do Br Cidades na Carta Capital ressalta a importância das cozinhas solidárias em situações como a pandemia e a catástrofe climática no RS.
.Bebê Rena. Ivana Bentes escreve para A Terra é Redonda sobre a série da Netflix e o silêncio masculino sobre abusos.
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