segunda-feira, 21 de julho de 2008

CRISE AMERICANA - Onde anda a mão invisível?



Lições capitalistas

A partir da crise dos financiamentos imobiliários “subprimes”, nos Estados Unidos, que acabou engolfando o mercado financeiro global, a injeção de dinheiro público em empreendimentos privados tornou-se quase corriqueira. O mais recente lance – que ninguém imagina ser último – pôs a nu a esdrúxula situação de duas gigantescas empresas de securitização de hipotecas americanas.

Embora com ações em bolsa e lucros distribuídos a acionistas e executivos, as firmas Fannie Mae e Freddie Mac são entes garantidos pelo governo. Fannie Mae é de 1938. Nasceu dos esforços para tirar os Estados Unidos da depressão de 1929 e foi “privatizada” em 1968. Freddie Mac é fruto de uma lei do Congresso, de 1970.

Ambas recebem benefícios especiais e uma lei de 1992 permite a sua reestatização. Em contrapartida, Fannie e Freddie obedecem a regras mais estritas de funcionamento, não estando envolvidas com créditos podres. Mas foram tragadas pela crise, que produziu inadimplência em cadeia entre os devedores imobiliários nos Estados Unidos.

Carregando ativos e garantias que somam portentosos US$ 5,2 trilhões, Fannie e Freddie, abriram rombos inicialmente estimados em robustos US$ 300 bilhões Suas ações começaram a despencar e aí o governo se mexeu... para evitar a quebra. O fim de semana do secretário do Tesouro, Henry Paulson, foi duro, mas ao cair da tarde do domingo de verão, em Washington, ele pôde confirmar a decisão do governo de sustentar a liquidez das duas companhias. O problema é que ninguém acha que a sangria – e a transferência de recursos – vai ficar por aí.

Não é só a transferência de recursos do Tesouro para o mercado – uma montanha já nas vizinhanças de US$ 500 bilhões – que configura intervenção estatal pesada. Diante da corrida contra as ações de Fannie e Freddie, a agência reguladora do mercado de capitais, SEC, também deu a sua contribuição. Em decisão inédita, suspendeu, por uma semana, com possibilidade de prorrogar por um mês, a venda a descoberto de ações de 19 instituições financeiras.

As duas irmãs hipotecárias puxaram a fila, mas, no balaio, entraram figurões entre os bancos comerciais globais e grifes entre os bancos de investimento. A medida não só estancou a derrubada das cotações das instituições beneficiados, mas, como obriga, na prática, a compra das ações rejeitadas, ainda ajuda a alavancar os preços dos papéis, antes em processo de derretimento.

Tem toques entre hilariantes e patéticos as explicações e justificativas neoliberais para esse verdadeiro escândalo de apropriação privada de dinheiro público. No Financial Times, o reputado Clive Crook, chefe dos comentaristas em Washington, chora o leite derramado. Reclama do oba-oba que envolveu a criação e o desenvolvimento, pelas duas empresas para-estatais de securitização de hipotecas, dos títulos lastreados em créditos hipotecários, o ovo da serpente dos subprimes e da crise atual. E lembra que não faltaram alertas, ao longo dos anos, sobre suas futuras “tristes sinas”.

Pelo andar da carruagem, não é impossível que Fannie e Freddie acabem reestatizadas. Mas, também aí, os observadores devem ficar atentos aos golpes retóricos do liberalismo econômico de fachada, que tem sido praticado com crescente desenvoltura das economias capitalistas maduras e na razão direta do avanço da crise financeira. Como seria muito feio uma estatização na lata, há o recurso de o governo mantê-las em custódia até o surgimento de uma “solução de mercado” – o que é a mesma coisa do que estatizar com nome camuflado e contabilidade enganosa.

Porta-voz do mercado, a revista The Economist, decreta: “se você não deve socorrer empresas na queda, então você deve contê-las no boom”. Essa regra, na visão da revista, ajuda a compreender por que os bancos agora deve ser submetidos a uma supervisão mais rígida e por que instituições financeiras devem ser obrigadas a aumentar seu capital nos períodos de alta. Explica também por que a política monetária deve atuar no sentido de moderar a alta nos preços dos ativos.

A Economist desconfia, no entanto, das regulações. Acha que os reguladores são facilmente envolvidos e enrolados pelo mercado na hora em que a ganância ganha espaço. A conclusão final mistura purismo e pragmatismo: “Os melhores controles são transparência e competição”, ensina a revista. Mas completa: “Sempre que possível, o governo deve ficar fora.”

Se eu entendi bem, a idéia neoliberal é a de que o governo, sempre que necessário, deve intervir. Foi esse, de fato, o conceito usado entre nós, por exemplo, no Proer, famoso programa que, ao custo de R$ 30 bilhões em dinheiro público, salvou a banca brasileira, arruinada pela gestão temerária dos negócios, evidenciada com o fim do ganho inflacionário, na esteira do sucesso do Plano Real.

OK, deixar os bancos quebrarem poderia redundar numa catástrofe econômica, com conseqüência sociais difíceis de dimensionar. Pode ser que, enfim, premiar a gestão temerária fosse o de menos.

Mas, perguntar não ofende: por que o mesmíssimo conceito é repelido e chicoteado quando o que está em jogo é a Previdência Social, a transferência de dinheiro público para populações excluídas ou a garantia, com dinheiro público, de empreendimentos, privados ou não, em áreas estratégicas não-financeiras?

enviada por José Paulo Kupfer.

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