Não chegar a um acordo é melhor que um acordo ruim, diz ActionAid
A longo prazo, o acordo de Doha irá falhar ao resolver a crise mundial de alimentos porque a liberalização falha ao ajudar aos países em desenvolvimento construir sua agricultura, avalia a organização que luta pela erradicação da pobreza no mundo. Em curto prazo, vai criar novos problemas como a perda de receita tarifária e aumento de desemprego.
Redação - Carta Maior
Um novo acordo de comércio global pode aumentar a pobreza e fome ao invés de resolver a atual crise de alimentos, advertiu em nota a organização Action Aid, que alerta para as cruciais negociações de comércio que se darão a partir desta segunda-feira (21), em Genebra, quando estarão reunidos representantes de mais de 40 países.
“O número de pessoas com fome subiu para 950 milhões esse ano e o acordo da OMC, da forma como está estabelecido, irá somente colocar mais lenha nessa fogueira”, diz Aftab Khan coordenador da Campanha Comércio com Justiça da ActionAid.
Os ministros de 40 países estarão em Genebra, na Suíça, entre os dias 21 e 23 de julho para o “ou vai ou racha” na finalização dos acordos na Rodada de Doha sobre o comércio global. Pascal Lamy, diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, definiu o momento como a “hora da verdade” e as negociações estão sendo vistas como a última chance para finalizar o acordo antes das eleições norte-americanas no próximo ano.
Riscos de desemprego no Brasil
“Na ânsia de fechar o acordo, o governo brasileiro pode estar comprometendo o futuro de setores produtivos importantes do Brasil. Arrisca abrir seu mercado para produtos industrializados de fora, sem estar claro o que vai ganhar em troca, avalia Celso Marcatto da ActionAid.
No caso brasileiro, os setores de produtos não-agrícolas seriam os mais atingidos, o que iria provocar desemprego urbano e maior agravando problemas sociais e ambientais no campo ao aumentar a produção de grãos para a exportação.
“O acordo implica em dois riscos: pode haver desindustrialização e intensificação das atividades do agronegócio. Os impactos sociais e ambientais seriam tremendos em plena crise mundial de alimentos: nas cidades representaria o aumento do desemprego e no campo aumentaria a pressão pela expansão das monoculturas”, completa.
As conversas na OMC, que começaram em 2001, envolvem acordos de liberalização de comércio global na agricultura, serviços e produtos manufaturados.
Como parte de sua campanha mundial HungerFree (no Brasil chamada AlimentAÇÃO – Direito de todos), a ActionAid pede aos governos que honrem o compromisso de diminuir a fome pela metade até 2015 e realça as razões pela qual um acordo na OMC falharia em resolver a crise de alimentos.
1 – Sistema de produção de alimentos desmantelado enquanto as contas de importação de comida duplicaram.
Duas décadas de liberalização de comércio minaram e ajudaram a desmantelar os sistemas de produção local de alimentos nos países pobres. Nos anos 60, os países pobres tinham um excedente agrícola de US$7 bilhões. Em 2001, tinham um déficit de US$11 bilhões, que seguiu crescendo.
Agora, os países pobres são extremamente vulneráveis a volatilidade do mercado global. As contas de importação de alimentos aumentaram mais que o dobro desde 2000. A FAO (Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação) afirmou que esse ano, essas contas devem ficar 25% mais altas do que no ano anterior, consumindo recursos que poderiam estar sendo usados no combate à fome.
Os países pobres precisam de políticas de comércio flexíveis que garantam aos seus agricultores a integração e mercados locais, regionais e globais, promovendo a produção agrícola a longo prazo. O acordo de Doha falha ao não fornecer mecanismos de salvaguarda suficientes para proteger os sistemas nacionais de produção de alimentos dos países em desenvolvimento.
2 – Os países pobres vão piorar sua situação
A atual proposta de Doha distorce o mercado a favor dos países desenvolvidos. De acordo com o rascunho do texto de julho, o mais recente, a maioria dos países em desenvolvimento teriam que cortar em média 60% em tarifas de produtos do setor industrial enquanto que os países desenvolvidos teriam que reduzir suas tarifas em menos de 30% em média.
Na agricultura, apesar dos países desenvolvidos desfrutarem de salvaguardas em mais de 4.000 produtos, o último texto de julho propõe um número muito limitado de produtos para os países em desenvolvimento (somente 10-18% de linhas de tarifas) com uma proteção extremamente fraca.
Os cortes dramáticos nas tarifas industriais também resultariam em enormes perdas de emprego. Estimativas falam que China, Brasil e Índia juntos perderiam mais de 100.000 empregos só na indústria automobilística. A UNCTAD prevê que os países pobres perderão 63 bilhões de dólares em receita governamental vindas de encargos de importação mais baixos sobre bens manufaturados por causa do acordo da OMC.
Tais resultados não só agravam a pobreza, mas também impactam de forma adversa na crise de alimentos uma vez que os governos terão que controlar as despesas em áreas chave como saúde, educação, ajuda alimentar, proteção social e redes de segurança alimentar.
3 – Não há avaliação sobre o impacto dos biocombustíveis na crise de alimentos
A longo prazo, o acordo de Doha irá falhar ao resolver a crise mundial de alimentos porque a liberalização falha ao ajudar aos países em desenvolvimento construir sua agricultura. Em curto prazo, vai criar novos problemas como a perda de receita tarifária e aumento de desemprego. Não irá, entretanto, abordar os reais motivos por trás da crise de alimentos:a a especulação e a política de biocombustíveis.
Relatórios estimam que os biocombustíveis podem ser responsáveis por 30 a 75% do aumento do preço dos alimentos. Mas o acordo da OMC não deve abordar os subsídios e impostos nos Estados Unidos e não irá tocar nas metas da União Européia que encorajam a expansão dos agrocombustíveis.
Da mesma forma, tem sido de amplo consenso que os mercados de futuros e a especulação tem um papel fundamental na escalada dos preços dos alimentos. Mas o acordo de Doha não poderá regular os mercados nem a especulação.
Assim, defende a ActionAid, a afirmação do diretor-geral da OMC, Pascal Lamy de que a Rodada de Doha irá resolver a crise de alimentos é conversa para boi dormir.
Fonte: Agência Carta Maior.
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