quinta-feira, 24 de julho de 2008

REFLEXÕES DE FIDEL - As duas Coréias (parte I)

Fidel Castro: As duas Coréias (parte I)

Havana, 23 jul (Prensa Latina) O líder da Revolução cubana, Fidel Castro, analisou os acontecimentos que ocasionaram a divisão da nação coreana em dois estados, em suas mais recentes reflexões, publicadas hoje no jornal Granma.

"É um tema complexo e trabalhoso, que demanda cuidado especial e os dados mais precisos possíveis. São fatos históricos que devem ser conhecidos e recordados", explica Fidel Castro na primeira parte de seu artigo "As duas Coréias", especial para a publicação digital Cubadebate.

"Em 25 de junho de 1950 - assinala- explodiu a guerra no país. Ainda se discute quem deu o primeiro disparo, se os combatentes do Norte ou os soldados norte-americanos que estavam de guarda junto aos soldados recrutados por Rhee. A discussão carece de sentido se analisa-se do ângulo coreano".

Em sua análise, o líder cubano aborda, ademais, as manobras estadunidenses para apresentar a República Popular Democrática da Coréia como país agressor.

A Prensa Latina transmite a seguir o texto na íntegra:

Reflexões do companheiro Fidel

As duas Coréias (parte I)

A nação coreana, com sua peculiar cultura que diferentemente de seus vizinhos chineses e japoneses, existe há três mil anos. São características típicas das sociedades dessa região asiática, incluídas a chinesa, a vietnamita e outras. Nada parecido se observa nas culturas ocidentais, algumas com menos de 250 anos.

Os japoneses tinham arrebatado da China na guerra de 1894 o controle que exercia sobre a dinastia coreana e transformaram seu território numa colônia do Japão. Por acordo entre os Estados Unidos e as autoridades coreanas, o protestantismo foi introduzido nesse país no ano 1892. Por outro lado, o catolicismo tinha penetrado igualmente nesse século através das missões. Calcula-se que atualmente na Coréia do Sul ao redor de 25 por cento da população é cristã e um número similar é budista. A filosofia de Confúcio exerceu grande influência no espírito dos coreanos, que não se caracterizam pelas práticas fanáticas da religião.

Duas importantes figuras ocuparam os primeiros planos da vida política dessa nação no século XX. Syngman Rhee, que nasce em março de 1875, e Kim Il Sung 37 anos depois, em abril de 1912. Ambas as personalidades, de diferente origem social, enfrentaram-se a partir de circunstâncias históricas alheias a elas.

Os cristãos se opunham ao sistema colonial japonês, entre eles Syngman Rhee, que era praticante ativo do protestantismo. A Coréia mudou de status: o Japão anexou seu território em 1910. Anos mais tarde, em 1919, Rhee foi nomeado Presidente do Governo Provisório no exílio, com sede em Xangai, China. Nunca empregou as armas contra os invasores. A Liga das Nações, em Genebra, não lhe prestou atenção.

O império japonês foi brutalmente repressivo com a população da Coréia. Os patriotas resistiram com as armas à política colonialista do Japão e conseguiram libertar uma pequena zona nos terrenos montanhosos do Norte, durante os últimos anos da década de 1890.

Kim Il Sung, nascido nas proximidades de Pyongyang, aos 18 anos, incorporou-se às guerrilhas comunistas coreanas que lutavam contra os japoneses. Em sua ativa vida revolucionária atingiu a chefatura política e militar dos combatentes anti-japoneses do Norte da Coréia, quando apenas tinha 33 anos de idade.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos decidiram o destino de Coréia no pós-guerra. Entraram na contenda quando foram atacados por uma criação sua, o Império do Sol Nascente, cujas herméticas portas feudais foram abertas por Comodoro Perry na primeira metade do século XIX apontando com seus canhões ao estranho país asiático que se negava a comercializar com a América do Norte.

O avantajado discípulo se transformou mais tarde em um poderoso rival, como já expliquei em outra ocasião. O Japão golpeou sucessivamente décadas mais tarde a China e a Rússia, apoderando-se adicionalmente da Coréia. Não obstante, foi astuto aliado dos vencedores na Primeira Guerra Mundial à custa da China. Acumulou forças e, transformado em uma versão asiática do nazifascismo, tentou ocupar o território da China em 1937 e atacou aos Estados Unidos em dezembro de 1941; levou a guerra ao Sudeste Asiático e à Oceania.

Os domínios coloniais da Grã-Bretanha, França, Holanda e Portugal na região estavam condenados a desaparecer e os Estados Unidos surgiam como a potência mais poderosa do planeta, resistida apenas pela União Soviética, então destruída pela Segunda Guerra Mundial e pelas inúmeras perdas materiais e humanas que lhe ocasionou o ataque nazista. A Revolução chinesa estava por concluir em 1945, quando a matança mundial cessou. O combate unitário anti-japonês ocupava então suas energias. Mao, Ho Chi Minh, Gandhi, Sukarno e outros líderes prosseguiram depois com sua luta contra a restauração da velha ordem mundial que era já insustentável.

Truman lançou contra duas cidades civis japonesas a bomba atômica, arma nova terrivelmente destrutiva de cuja existência, como se explicou, não havia informado ao aliado soviético, o país que mais contribuiu à destruição do fascismo. Nada justificava o genocídio cometido, nem sequer o fato de que a tenaz resistência japonesa tinha custado a vida de quase 15 mil soldados norte-americanos na ilha japonesa de Okinawa. Já o Japão estava derrotado e tal arma, lançada contra um objetivo militar, teria tido mais cedo ou mais tarde o mesmo efeito desmoralizador no militarismo japonês sem novas baixas para os soldados dos Estados Unidos. Foi um ato inqualificável de terror.

Os soldados soviéticos avançavam sobre a região da Manchúria e do Norte da Coréia, tal como o haviam prometido ao cessarem os combates na Europa. Os aliados tinham definido previamente até que ponto chegaria cada força. Na metade da Coréia estaria a linha divisória, eqüidistante entre o rio Yalu e o Sul da península. O governo norte-americano negociou com os japoneses as normas que regeriam a rendição das tropas em seu próprio território. O Japão seria ocupado pelos Estados Unidos. Na Coréia, anexada ao Japão, permanecia uma grande força do poderoso exército japonês. No Sul do Paralelo 38, limite divisório estabelecido, prevaleceriam os interesses dos Estados Unidos. Syngman Rhee, reincorporado a essa parte do território pelo governo dos Estados Unidos, foi o líder ao que apoiou, com a cooperação aberta dos japoneses. Ganhou assim as concorridas eleições de 1948. Os soldados do Exército Soviético haviam se retirado da Coréia do Norte nesse ano.

Em 25 de junho de 1950 explodiu a guerra no país. Ainda se discute quem deu o primeiro disparo, se os combatentes do Norte ou os soldados norte-americanos que estavam de guarda junto aos soldados recrutados por Rhee. A discussão carece de sentido se for analisada do ângulo coreano. Os combatentes de Kim Il Sung lutaram contra os japoneses pela libertação de toda a Coréia. Suas forças avançaram incontidas até as proximidades do extremo Sul, onde os ianques se defendiam com o apoio em massa de seus aviões de ataque. Seul e outras cidades tinham sido ocupadas. McArthur, chefe das forças norte-americanas do Pacífico, decidiu ordenar um desembarque da infantaria de Marinha por Incheon, na retaguarda das forças do Norte, que estas não podiam já contra-arrestar. Pyongyang caiu nas mãos das forças ianques, precedidas por devastadores ataques aéreos. Isso impulsionou a idéia por parte do comando militar norte-americano no Pacífico de ocupar toda a Coréia, já que o Exército de Libertação Popular da China, dirigido por Mao Tsé-Tung, tinha infligido uma derrota esmagadora às forças pró-ianques de Chiang Kai-shek, abastecidas e apoiadas pelos Estados Unidos. Todo o território continental e marítimo desse grande país tinha sido recuperado, com exceção de Taipei e algumas outras pequenas ilhas próximas onde se refugiaram as forças do Kuomintang, transportadas por naves da Sexta Frota.

A história do ocorrido então se conhece bem hoje. Não podemos esquecer que Boris Yeltsin entregou a Washington, entre outras coisas, os arquivos da União Soviética.

O que fizeram os Estados Unidos quando explodiu o conflito praticamente inevitável sob as premissas criadas na Coréia? Apresentou a parte norte desse país como agressora. O Conselho de Segurança da recém criada Organização das Nações Unidas, promovida pelas potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial, aprovou a resolução sem que um dos cinco membros pudesse vetá-la. Nesses precisos meses, a URSS havia se manifestado desconforme com a exclusão da China no Conselho de Segurança, onde os Estados Unidos reconheciam Chiang Kai-shek, com menos de 0,3 por cento do território nacional e menos de 2 por cento da população, como membro do Conselho de Segurança com direito ao veto. Tal arbitrariedade conduziu à ausência do delegado russo, em conseqüência do qual se produziu o acordo desse Conselho dando à guerra o caráter de uma ação militar da ONU contra o suposto agressor: a República Popular da Coréia. A China, alheia por completo ao conflito, que afetava sua luta inconclusa pela libertação total do país, viu pairar a ameaça direta contra seu próprio território, o que era inaceitável para sua segurança. Segundo dados publicados, enviou ao premiê Zhou Enlai para Moscou, para expressar a Stalin seu ponto de vista sobre o inadmissível que era a presença de forças da ONU sob o comando dos Estados Unidos nas ribeiras do rio Yalu, que delimita a fronteira da Coréia com a China, e lhe solicitar a cooperação soviética. Não existiam então contradições profundas entre os dois gigantes socialistas.

O contragolpe chinês afirma-se que estava planejado para 13 de outubro e Mao o postergou para o dia 19, esperando a resposta soviética. Era o máximo que podia estendê-lo.

Penso em concluir esta reflexão na próxima sexta-feira. É um tema complexo e trabalhoso, que demanda cuidado especial e os dados mais precisos possíveis. São fatos históricos que devem ser conhecidos e recordados.

Fidel Castro Ruz

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