Há fortes indícios de que Jango foi assassinado com conhecimento de Geisel
Comissão especial da Assembléia Legislativa gaúcha divulga relatório afirmando que "são fortes os indícios de que Jango foi assassinado de forma premeditada, com o conhecimento do governo Geisel". Documento sugere uma série de providências, entre elas, investigar o papel do então integrante do DOPS, Romeu Tuma, hoje senador da República, na investigação dos passos de Jango no exterior. Caravana da Anistia atualiza temas ainda não resolvidos do período da ditadura.
Marco Aurélio Weissheimer
PORTO ALEGRE - A ditadura militar ainda representa um capítulo aberto na história do Brasil, um capítulo repleto de lacunas, esquecimentos e crimes sem solução. Esta semana, dois acontecimentos no Rio Grande do Sul resgatam um pedaço dessa história inconclusa. Na Assembléia Legislativa, a Comissão de Cidadania e Direitos Humanos aprovou, quarta-feira (16), o relatório final da subcomissão de investigação sobre as circunstâncias da morte de João Goulart, em 1976, na Argentina. O coordenador e relator da subcomissão, deputado Adroaldo Loureiro (PDT), concluiu que “são fortes os indícios de que Jango tenha sido assassinado de forma premeditada, com o conhecimento do governo Geisel”.
Segundo ele, comprovou-se a articulação entre as forças armadas e os serviços secretos dos governos brasileiro, uruguaio e argentino, mesmo antes da Operação Condor. O DOPS de São Paulo, diz o relatório, atuava impunemente em território uruguaio, monitorando os brasileiros exilados, seja diretamente, por meio de agentes infiltrados, ou em parceria com o serviço secreto (GAMMA) e de inteligência (DNI) uruguaios.
O documento sustenta que os episódios que envolvem a morte de Jango devem ser analisados no marco da cooperação entre os serviços secretos uruguaio e argentino, que levaram ao assassinato do senador Zelmar Michelini e do ex-presidente da Câmara dos Deputados, Héctor Ruiz, amigos de Jango e seqüestrados no hotel Liberty.
“O carro de Jango estava à disposição de Michelini no dia do seqüestro. Um agente secreto argentino, conhecido com o codinome de Héctor Rodriguez, infiltrado no hotel por solicitação do governo uruguaio, não somente colocou pontos de escuta para a monitoração de Michelini e outros uruguaios exilados, mas também teria trocado os frascos de medicamentos de Jango na gerência do hotel Liberty”, informa o relatório.
O documento faz uma série de recomendações, entre elas, “investigar o papel do então integrante do DOPS, Romeu Tuma, hoje senador da República, na investigação dos passos de Jango na França”. Além disso, solicita ao governo dos EUA a divulgação de informações sobre o monitoramento de João Goulart no Uruguai e na Argentina. As principais recomendações do relatório são as seguintes:
Brasil
Solicitar informações sobre o médico Guilherme Romano, suposto agente do SIGMA, coronel do Centro de Informações da Aeronáutica, vinculado ao general Burnier, com suposta especialidade de oftalmologia/infectologia. Romando participou de reuniões de trabalho com o médico uruguaio Carlos Milies Goluboff, para preparação do composto químico que teria matado o ex-presidente Goulart;
Solicitar depoimento do coronel-aviador Ferdinando Muniz, conhecido como
"Comandante Calixto" (caso esteja vivo) sobre viagens de Fleury ao Uruguai e trabalho prestado ao SIGMA;
Investigar as causas da morte do suposto agente do SNI "Amôndio do Amaral", em São Borja. Ele teria sido assassinado pelo serviço secreto uruguaio por alertar Jango sobre o perigo de uma conspiração para assassiná-lo;
Investigar o papel do então integrante do DOPS, Romeu Tuma, hoje senador da República, na investigação dos passos de Jango na França.
Uruguai
Solicitar às autoridades uruguaias informações sobre o monitoramento de João Goulart, especialmente: funcionamento do Grupo GAMMA e da DNII e monitoramento do ex-presidente na França e no Reino Unido, em setembro de 1976.
Argentina
Solicitar ao governo argentino informações sobre monitoramento de João Goulart e sobre os serviços secretos daquele país e, também, uruguaio e brasileiro, especialmente no ano de 1976;
Estados Unidos
Solicitar às autoridades norte-americanas a desclassificação da informação sobre o monitoramento de João Goulart no Uruguai, e na Argentina;
Informações sobre a verdadeira identidade de "Good Teacher" e os cursos ministrado no Brasil por seus adidos civis e militares entre 1963 e 1985.
Anistia, memória e reparação
O segundo acontecimento é a chegada da Caravana da Anistia em Caxias do Sul, onde ocorre, nesta quinta-feira, uma nova etapa dos julgamentos de processos de perseguidos políticos durante a ditadura. Os processos em julgamento em Caxias, durante o Encontro Nacional de Estudantes de Direito, incluem os casos de Flávio Koutzii (ex-deputado estadual e chefe da Casa Civil no governo Olívio Dutra) e de integrantes do “Grupo dos Onze”, criado em 1963 por Leonel Brizola.
Em pronunciamento feito terça-feira, na Assembléia Legislativa, a deputada Stela Farias (PT) destacou a importância de alguns temas polêmicos que cercam os julgamentos que estão sendo realizados pela Caravana da Anistia:
“Ao contrário dos nossos vizinhos do Cone Sul, a idéia de reparação no Brasil vem sendo construída num caminho tortuoso, onde a verdade e a justiça têm sido relegadas a um plano secundário, ou mesmo ignoradas. O debate que se trava agora é o da impunidade dos crimes do Estado".
A deputada lembrou que há uma interpretação da lei 6683, de 1979, que passou a ser quase um dogma: a de que os torturadores no Brasil teriam sido anistiados. "Não obstante a lei ter sido editada sob a vigência da ditadura militar, os crimes praticados pelos agentes estatais foram tão bárbaros que não houve condições políticas para anistiá-los. É verdade sim que os militares que permitiram a aprovação da lei tiveram essa intenção, mas juristas e militantes afirmam desde então que isso não foi colocado no papel e que a interpretação política da lei é que foi manipulada, estendo-se, de maneira arbitrária, a idéia de que a anistia abrangia os crimes dos torturadores, o que não é verdade”.
Para Stela Farias, “plantou-se a idéia de anistia recíproca, que surgiu nos porões da ditadura, fez parte do discurso oficial dos ditadores e repercute até os dias de hoje". "É esse debate que necessitamos fazer", defendeu. "É preciso romper o silêncio, reconhecer a tortura como um crime e se posicionar contra a tolerância a essa prática - para que a impunidade dos crimes cometidos pelo estado durante a ditadura militar não inspire e alimente crimes como o do morro da Providência, no Rio de Janeiro”.
Fonte: Agência Carta Maior.
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