domingo, 20 de julho de 2008

BOLÍVIA - Entrevista com Evo Morales.

lo Stafani, no Clarín

Evo: confiança

O presidente boliviano está em plena campanha eleitoral para o referendo revocatório de 10 de agosto, que é tanto sobre o seu cargo como sobre o dos governadores da rica media luna. Apesar da rejeição da consulta por parte dos governadores de direita, Evo está seguro de que a sua gestão será amplamente ratificada.


Nesta entrevista realizada na sede do governo no Palácio Quemado de La Paz, também aparece o tema do gás. Que é um produto incômodo na agenda com a Argentina e o Brasil, nações com as quais a Bolívia é fornecedor exclusivo.


O país do planalto reconheceu há pouco que não poderá enviar os volumes acordados e que só enviam uns 2 milhões de metros cúbicos diários em vez dos 7,7 milhões contratados com Buenos Aires. O mandatário indígena denuncia um boicote das petrolíferas que impedem alcançar aquelas metas.

Mas, no momento de abordar o tema dos investimentos, recorda o compromisso que lhe disse o presidente Néstor Kirchner em 2006: investir na Argentina se as transnacionais não investirem. E avança um pouco mais ao não negar que alternativa, inclusive apelar ao Irã para conseguir esses capitais.

Os governadores da oposição uniram-se para recusar o referendo revocatório. Qual vai ser a estratégia do governo?
O povo já está identificando os caciques destas regiões chamadas autônomas que querem controlar terras e recursos econômicos, como o gás. Se é verdade que nos referendos autonômicos obtiveram 80% dos votos, por que é que fogem agora do referendo revocatório? Prevejo que os governadores neoliberais e pró-ianques saiam todos.

Ruben Costas (de Santa Cruz) também?
Não está longe disso, mas o debate não é de pessoas, é de modelo econômico: ou volta o neoliberalsimo ou aprofunda-se a mudança. Eu penso que este processo de mudanças não tem retorno. Por isso eles recusam o referendo revocatório. O seu pedido de eleições quando há um presidente eleito com 54%, é um golpe na democracia.

Os governadores estão apelando a um grande acordo nacional. Qual é, hoje a sua resposta a essa convocatória?
Que moral têm para falar de um acordo nacional os que atuam ilegal e inconstitucionalmente, com métodos racistas e fascistas? Se querem falar de reconciliação, renunciem aos seus privilégios, ao latifúndio. O seu plano é fazer crescer a inflação e ocultar produtos para lançar as culpas sobre Evo Morales.

O senhor gosta de apostar sobre os resultados eleitorais. Atreve-se a prognosticar um número para 10 de agosto?
Se o referendo revocatório fosse amanhã, estou certo que passaríamos os 54%. Estou otimista.

Então o referendo revocatório vai ser sim ou sim?
Tem que ser sim ou sim. E para fechar esta parte, digo-lhe que estou contente com três coisas que consegui na presidência. Estou contente com as mudanças estruturais, com as mudanças sociais, e com o quanto faço as oligarquias chorarem.

A Bolívia reconheceu já que não chegará aos montantes de exportação de gás acordados com a Argentina. Continua a acreditar que houve boicote das empresas petrolíferas?
Geralmente as empresas só estão pela prata não pela pátria. Só estão a acumular capital e, por isso, algumas delas aproveitam qualquer pretexto para sabotar os investimentos.

Como é que se resolve a situação?
Somos obrigados a prepararmo-nos. Já os adverti e advirto-os novamente: no momento em que não garantirem o investimento, vamos nós recuperar esses campos e investir neles. O (ex) presidente Kirchner disse-me: se não tem dinheiro, telefone-me, eu invisto. Aí está. Presidentes, ex-presidentes e algumas empresas estão se juntando para investir.

Concretamente que empresas?
O ideal é que a empresa do Estado (YPFB) invista, mas ainda não estamos suficientemente preparados para isso. E se, como YPFB, não podemos investir, procuraremos empresas estatais como sócias e até outras empresas privadas. No Oriente Médio não teria muitos problemas para garantir esses investimentos. Ou, por fim, recorrer ao crédito internacional, onde também temos boas propostas.

Já se falou da Gazprom da Rússia ou de empresas iranianas…
Não quero mencionar nomes, mas estamos a preparar um Plano B que permita acabar com a chantagem e o boicote de algumas empresas.

Acredita que é possível chegar a um acordo com a Argentina para rever os volumes até que esses investimentos apresentem resultados?
Entre presidentes temos a obrigação de nos complementarmos e pôr-nos de acordo para dar respostas às questões dos nossos povos.

A diretiva de regresso aprovada pelo Parlamento Europeu é, como disse, a diretiva da vergonha?
Nos momentos de guerras e de fomes, a América Latina abriu as suas portas e recebeu os europeus com braços carinhosos. Não houve vistos. Mas, quando alguns latino-americanos procuram na Europa melhorar as suas condições de vida, confrontam-se com a descriminação, o racismo e agora a expulsão. O que é isso se não a diretiva de retorno?

O senhor já falou da Europa como um aliado estratégico. E hoje?
Disse muitas vezes que a Europa é um aliado estratégico na defesa dos Direitos Humanos, mas com este tipo de dirigentes perco a esperança. É uma agressão à vida e à humanidade. É importante travar uma batalha contra este tipo de diretivas. Parece que só há globalização para o comércio, com os olhos no mercado e no dinheiro, não no ser humano.

Isto pode travar as negociações comerciais em curso entre a Comunidade Andina (CAN) e a Europa?
Claro. Não tem sentido quando eles estão falando de expulsar os nossos irmãos e irmãs. A Bolívia nunca pensou expulsar ninguém. Aliás, disse que aqui todos somos originários, mas claro que alguns são originários milenares, muitos e pobres, e outros são originários contemporâneos, poucos mas muito ricos. Se a Europa quer continuar a levantar a bandeira dos Direitos Humanos, deve rever esta diretiva de retorno.

Se o embaixador norte-americano Philip Goldberg (em consultas em Washington depois dos protestos diante da sua embaixada) deixa-o entrar no Palácio, o sr. vai pô-lo no congelador?
Duas palavras apenas. Sou e vou morrer antiimperialista. Uma coisa é garantir a propriedade privada a todos, e outra é o capitalismo, o neoliberalismo, a globalização.
Fonte: Vermelho.


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